terça-feira, 15 de março de 2011

O UNGIDO DO SENHOR: OS LIMITES DA AUTORIDADE ESPIRITUAL (Parte I)

Por *José Gonçalves

“Não toqueis nos meus ungidos, nem maltrateis os meus profetas (Sl.105.15).

Assassinos de profetas

Ouvi certa vez um jovem pregador falar em um grande Congresso de Missões. Possuidor de uma grande eloqüência e uma retórica refinada, ele discorria sobre um tema relacionado à autoridade espiritual. A certa altura de sua pregação, já com seu sermão bastante inflamado, ele disse: “Há muitos assassinos de profetas neste país”. Nas suas palavras os pregadores envolvidos em ministérios como os de cura e libertação estavam sendo sacrificados pelos “assassinos de profetas”. Ficou subtendido na sua fala, que ele fazia referência aos apologistas cristãos que questionaram os ensinos de outros grandes pregadores.

Ainda segundo aquele jovem Ministro esta teria sido a causa do pregador norte americano Benny Hinn não ter vindo mais pregar no Brasil. De acordo com ele, quando Hinn fora indagado por que não viera mais ao Brasil, teria respondido: “a igreja brasileira fechou as portas para mim”. O jovem evangelista deixou claro em seu sermão, que Deus julgaria os “assassinos dos profetas”. Em outras palavras, os que se levantassem contra a autoridade espiritual dos ungidos do Senhor não ficariam impunes.

Tive a oportunidade de ouvir aquele pregador outras vezes, e mais uma vez a unção de Deus estava sobre ele. Era visível que ele pregava com autoridade. Todavia pude constatar que ele ainda não conseguira esconder o seu desconforto com os apologistas (leia-se assassinos de profetas) que criticavam ministério como o dele e o de outros. Este fato levou-me à pergunta: a autoridade espiritual nos coloca acima do bem e do mal? Os Ministros do Evangelho estão acima da crítica? Dizendo isto de outra forma: o ungido do Senhor pode dizer o que quiser sem se sujeitar a qualquer julgamento? Ou ainda: temos o direito de invocar maldições sobre os nossos oponentes?
                  
Mapeando a crise de autoridade eclesiástica

A autoridade espiritual é uma doutrina muito clara nas páginas da Bíblia. Mas ultimamente ela vem sendo mal interpretada. Alguns fatores a meu ver têm contribuído para isso. Vamos elencar dois deles:

1. O Humanismo e o iluminismo

Até o surgimento do humanismo (1300 d. C), movimento que tinham no homem o seu principal centro, os dogmas da fé cristã eram pouco questionados. O humanismo veio incentivar o livre pensamento, e com isso o questionamento das verdades reveladas. A autoridade eclesiástica recebeu duras críticas. Outro movimento, denominado de iluminismo (1600 d.C), corrente filosófica que pôs a razão (raciocínio) como foco da existência humana, veio aumentar mais ainda a distancia entre ciência e fé. Foi nesse contexto que surgiu pensadores como René Descartes, Immanuel Kant, Friedrich Nietzsch e mais recentemente Jean – Paul Sartre. Todos estes pensadores fizeram parte de um contexto onde as verdades reveladas foram postas em xeque. Nietzsch, por exemplo, acusou os clérigos de domesticar os seus fiéis, impondo-lhes uma conduta moral, a qual ele denominava de “moral de escravos” com o fim de dominá-los.
        
Não há dúvida que somos uma geração herdeira de uma autoridade contestada. Nunca na história do cristianismo ocidental o Ministro do Evangelho esteve tanto em baixa. A mídia o ridiculariza, as autoridades constituídas o desconsidera e muitos crentes não aceitam a submissão.  É bom lembrar que a autoridade espiritual do Ministro do Evangelho é uma doutrina bíblica e ele tem o direito de exercê-la (1 Tm 4:13), e os crentes tem o dever de se submeter a ela (Hb 13:17). Este é um fato incontestável. Mas por outro lado alguns tem ido a extremos no exercício da autoridade espiritual, provocando uma reação negativa por parte do apologistas aos abusos gerados por conta do mau exercício dessa autoridade.

2. Abuso de autoridade

A rejeição à autoridade espiritual de alguns ministros do evangelho tem na sua gênese basicamente dois fatores:
        
a) O relativismo moral do Ministro - que tem aberto a porta às contestações tanto vindas de fora da igreja como de dentro dela. Os escândalos (sexuais, financeiros, etc), e os maus testemunhos tem sido os grandes fomentadores da crise de autoridade que ora passamos. Um ministro sem integridade moral não pode reivindicar autoridade espiritual.
        
b) Desvios doutrinários – este é outro fator preocupante, quase todos os grandes pregadores que conheci ou tive contato de alguma forma, estiveram sob acusação de quebrarem a ortodoxia cristã. Em palavras mais simples, quase todos os pregadores de renome estão sob a acusação de algum desvio doutrinário. Alguns têm sido acusados de promoverem a adoração Angélica, outros são acusados de humanizar Deus e divinizar o homem, enquanto outros são acusados de grosseiras heresias. É justamente neste ponto que a autoridade espiritual desses obreiros tem sido questionada. Por isso irei me deter mais detalhadamente neste ponto.

A Teologia da Prosperidade

Com a ascensão da Teologia da Prosperidade nos anos noventa, uma enxurrada de críticas foram feitas às palavras de muitos pregadores dessa escola. Alguns apologistas foram duros em suas palavras taxando o movimento da Confissão Positiva (outro nome para a Teologia da Prosperidade) de heresia, outros foram mais brandos denominando o mesmo movimento de “desvio doutrinário”. Por outro lado os pregadores da Confissão Positiva se defendiam como podiam. Um dos textos usados com freqüência na auto defesa dos pregadores da fé era: “Não toqueis nos meus ungidos, nem maltrateis os meus profetas” (Sl 105:15).
        
Kenneth H. Hagin (1917-2003), por exemplo, acreditava que alguns colegas de Ministério morreram por não reconhecerem a sua unção profética:
        
“O Senhor me disse: se eu te der uma mensagem para uma pessoa, pastor, ou igreja e se não te ouvirem tu não serás responsável. Haverá pastores que não aceitarão e que cairão mortos em seus púlpitos”.[i] Da mesma forma o seu companheiro de fé Kenneth Copeland expressou idéia semelhante em uma de suas muitas mensagens veiculadas em fita cassete:
        
“Existem pessoas hoje que fazem de tudo para opor-se em juízo ao ministério pelo qual sou responsável e ao de Kenneth E. Hagin....vários, dentre os que conheço têm criticado e chamado esse grupo da fé de Tulsa de seita. E desses, alguns estão mortos hoje, num sepulcro prematuro, e outros estão cancerosos”.[ii]


A “autoridade espiritual” fora do arraial evangélico

Um fato deve ser destacado aqui acerca desta forma de defender a autoridade espiritual ou unção profética - ela não se restringe ao arraial evangélico. Na história da igreja, outros grupos que se intitularam “cristãos” procuraram impor a sua autoridade valendo-se de uma suposta unção profética. Em 1870, a igreja católica aprovou o dogma da infalibilidade papal, isto é, o papa é infalível. Em sua conclusão o documento invoca a autoridade papal e ameaça a quem se atrever a contradizê-lo. Assim reza o documento da santa sé:
        
“...Nós [i.é, o Papa Pio IX], aderindo fielmente à tradição recebida desde o começo da fé cristã, com vista à glória do divino Salvador, à exaltação da religião católica e a segurança do povo cristão (com a aprovação do sagrado concílio), ensinamos e definimos como dogma divinamente revelado que o romano pontífice, quando fala ex cathedra (i.é, quando cumprindo o ofício de pastor e mestre de todos os cristãos, em sua suprema autoridade apostólica, define uma doutrina concernente a fé e aos costumes para que seja admitida pela Igreja Universal), pela divina assistência que lhe foi prometida no bem-aventurado Pedro, é dotado daquela infalibilidade com que o divino redentor quis que sua Igreja – definindo uma doutrina concernente à fé e aos costumes – estivesse equipada. E portanto, que tais definições do romano pontífice são irreformáveis por si mesmas e não em virtude do consentimento da Igreja. Se alguém presumir (o que Deus o impeça!) contradizer esta nossa definição, seja anátema (amaldiçoado).[iii]
        
O fundador do mormonismo, o norte americano Joseph Smith, não deixou por menos. Em um de seus livros ao qual afirma ter recebido por revelação há uma ameaça para aqueles que tentarem matá-lo. Diz o texto:
        
“E assim profetizou José (José do Egito), dizendo: Eis que o Senhor abençoará este vidente (Joseph Smith); e aqueles que procurarem destruí-lo serão confundidos, por que esta promessa que obtive do Senhor para o fruto dos meus lombos será cumprida. Eis que estou certo do cumprimento desta promessa”[iv]

Continua...

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