quarta-feira, 30 de março de 2011

SOMOS UMA IGREJA MAIS PROPENSA A SENTIR DO QUE A PENSAR

Por Paulo Romeiro*

Não! O crescimento da presença evangélica no Brasil não está sendo acompanhado por uma formação teológica adequada! Uma das coisas que tem contribuído para esta resposta negativa é a proliferação de escolas e institutos bíblicos despreparados, por toda a parte, sem bibliotecas.

Assim, continuaremos tendo uma igreja muito mais propensa a sentir do que a pensar ou refletir, tudo isso reforçado por um anti-intelectualismo que permeia grande parte dos evangélicos atualmente. Acho que a teologia evangélica não pode influenciar a igreja católica. Roma tem posições definidas e vem mantendo com sucesso, ao longo do tempo, seus dogmas e posições. Basta verificar o comportamento dos últimos papas e principalmente do atual, João Paulo II. (O Polonês Karol Josef Wojtyla exerceu o papado de 1978 a 2005 - nota do moderador do blog).   

Aonde quer que vá, ele jamais cede às pressões para que haja mudanças nas posições do catolicismo em relação à ordenação de mulheres, às questões do aborto e do controle de natalidade. É verdade, no entanto, que a igreja evangélica, principalmente o seu segmento pentecostal, tem influenciado a teologia e a liturgia da renovação carismática católica. O uso intenso de símbolos, os mesmos cânticos e gestos - a aeróbica do Senhor - têm sido transportados, com sucesso, do ambiente neo-pentecostal para as missas do padre Marcelo Rossi e de outros.

Às vezes, alguns modismos ou desvios doutrinários influenciam um ou outro líder católico, mas de forma isolada. É o caso do padre Alberto Gambarini, que usa os mesmos métodos de arrecadar fundos de alguns televangelistas: vende medalhas, apresenta ensinos questionáveis tais como quebra de maldições hereditárias e outros na área de batalha espiritual. Dá a impressão de que ele é um pastor tentando agradar católicos ou um padre tentando agradar evangélicos. Creio que a postura do catolicismo, de não negociar suas posições, deveria servir de exemplo para evangélicos que não hesitam em incorporar novos modismos teológicos e práticas heterodoxas, baixando o padrão de suas pregações para conseguir mais adeptos e inchar suas igrejas.

Crise da ética

A chegada de políticos evangélicos a cargos públicos não fará diferença na ética política do país, pois o universo político evangélico não constitui, pelo menos por enquanto, uma referência ética para a sociedade. Basta ver que, nos últimos anos, o envolvimento da maioria dos evangélicos com a política produziu mais males do que benefícios. A própria CPI do orçamento revelou o triste fato de deputados e organizações evangélicas roubando o tesouro público. Vários políticos evangélicos sucumbiram aos subornos, mentiram, venderam votos e tornaram-se assunto de piada por parte dos incrédulos.

Creio que a crise da ética vivida por grande parte da igreja atualmente exige de seus líderes respostas e ações urgentes. Muitos jovens evangélicos colam nas escolas e acham que não há nenhum problema em fazê-lo. Conheço pastores que, quando alguém liga para sua casa, instruem os filhos a dizer no telefone que o pai não está, ensinando-os a mentir. Basta ir às livrarias evangélicas para constatar o grande número de cheques sem fundos emitidos por crentes. Como vamos ensinar aos políticos brasileiros algo que não praticamos? Sei que há, pelo Brasil afora, líderes evangélicos e cristãos sinceros, mas não são a maioria e nem ganham visibilidade. Infelizmente, os que aparecem não representam a melhor parte do mundo evangélico.

A igreja precisa, com urgência, colocar o ensino e a prática da ética bíblica na sua agenda de prioridades. Ensinar e viver a ética cristã é o caminho a ser percorrido por nós, se quisermos, de fato, ser o sal da terra e a luz do mundo (Mt 5: 1 3-16). Lamentavelmente, a atual ética política evangélica representa um retrato negativo, oposto ao que devemos ser enquanto cidadãos e cristãos evangélicos.

* Paulo Romeiro é bacharel em Jornalismo, mestre em Teologia pelo Gordon-Conwell Theological Seminary, em Boston, e doutor (Ph.D.) em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo. É autor de Evangélicos em crise (1999) e Decepcionados com a graça (2005), ambos publicados pela Mundo Cristão.

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terça-feira, 29 de março de 2011

RAZÃO VERSUS REVELAÇÃO

*Por José Gonçalves
“Depois de muito tempo, tendo-se tornado a navegação perigosa, e já passado o tempo do Dia do Jejum, admoestava-os Paulo, dizendo- lhes: Senhores, vejo que a viagem vai ser trabalhosa, com dano e muito prejuízo, não só da carga e do navio, mas também da nossa vida. Mas o centurião dava mais crédito ao piloto e ao mestre do navio do que ao que Paulo dizia” (At 27.9-11).

O conflito entre fé e razão está presente desde muito cedo na história da igreja cristã. De fato parece quase impossível, pelo menos para muitos cristãos, a idéia de reconciliar a revelação com a razão. A idéia que se têm, para parafrasear o teólogo anglicano Alan Jones, é que “quem pensa não tem fé, e quem tem fé não pensa”. Isso parece paradoxal, pois, sem dúvida os maiores pensadores da humanidade são encontrados dentro do universo cristão.
No texto ora citado vemos esse conflito em evidência. Por um lado temos o apóstolo Paulo valendo-se de uma revelação divina sobre os perigos iminentes que o navio no qual ele era transportado corria. Quando o apóstolo disse vejo que a viagem vai ser trabalhosa, não há dúvida que ele se referia a uma revelação de Deus sobre a viagem da qual era participante. Em palavras mais simples, Paulo teve uma revelação de Deus sobre o que poderia acontecer naquela viagem. Por outro lado, o texto sagrado mostra que o “centurião dava mais credito ao piloto e ao mestre do navio do que ao que Paulo dizia”.  O centurião preferiu crer mais na técnica dos marinheiros do que em Paulo. Em outras palavras, o centurião preferiu acreditar mais na razão que na revelação. No período pós-apostólico o debate entre fé e razão cresceu em amplitude.
A palavra razão nesse período soava como sendo um sinônimo de filosofia grega. Todavia para muitos pais apostólicos essa aproximação entre Atenas e Jerusalém cheirava a apostasia. Tertuliano, por exemplo, que foi bispo de Catargo, perguntava em tom de denúncia: “que relação há entre Atenas e Jerusalém? Que acordo há entre a Academia e a Igreja?”. Para ele a fé cristã e a filosofia grega eram irreconciliáveis. Por outro lado, Justino Mártir, um ex-discípulo de Platão, acreditava que era sim possível esse diálogo. Em sua apologia ele escreveu: “Eu sou cristão, glorio-me disso e, confesso, desejo fazer-me reconhecer como tal. A doutrina de Platão não é incompatível com a de Cristo, mas não se casa perfeitamente com ela, não mais do que a dos outros, dos estóicos, do poetas e dos escritores.
Cada um deles viu, do Verbo divino que estava disseminado pelo mundo, aquilo que estava em relação com a sua natureza, chegando desse modo a expressar uma verdade parcial. Mas, à medida que se contradizem nos pontos fundamentais, mostram que não estão de posse de uma ciência infalível e de um conhecimento irrefutável. Tudo aquilo que ensinaram com veracidade pertence a nós cristãos”.
São dois exemplos que mostram pensamentos diametralmente opostos. No período medieval esse debate é retomado com força, e dois expoentes do pensamento ocidental vão se sobressair. São eles: Agostinho e Tomás de Aquino. Agostinho viveu no início da Idade Média, enquanto Aquino no final. Se por um lado Agostinho, que foi bispo de Hipona, vai recorrer ao pensamento platônico para fundamentar seus argumentos teológicos, por outro Aquino irá cristianizar os ensinos de Aristóteles.
Ao recorrer à filosofia aristotélica para fundamentar seu raciocínio Aquino, por exemplo, dizia que “os argumentos não devem ser aceitos pela autoridade de quem diz, mas pela validade do que se diz”. Duas perguntas devem ser respondidas depois do que se acabou de narrar. É possível compatibilizar a fé com a razão? Qual o perigo de se formar um abismo entre ambas? Em primeiro lugar acredito que hoje há uma grande confusão em torno desses temas. O problema está em se confundir razão com racionalismo. O primeiro termo diz respeito a nossa capacidade de julgar, de pensar, de argumentar, etc. Nesse sentido não há como nos desfazermos da razão, simplesmente pela simples razão de sermos seres racionais. Fomos feitos para pensar. René Descartes dizia na introdução de seu Discurso do Método que todos nós nascemos com o bom senso. Por outro lado, o racionalismo é um termo aplicado à escola de pensamento que diz não haver nenhum conhecimento válido fora da razão humana. Em palavras mais simples, aquilo que não puder ser explicado de forma racional deve ser rejeitado. Nesse caso a revelação, que se encontra nos domínios da fé não pode ser aceita como uma forma de conhecimento válido. Essa forma de pensar, que é filha da modernidade, é de fato a mãe do materialismo e ateísmo. Quando se privilegia a revelação em detrimento da razão, cria-se um campo propício para o surgimento de práticas incompatíveis com o cristianismo bíblico. Por exemplo, o livro Libertação da Teologia, escrita por um autor neopentecostal, diz: “Todas as formas e todos os ramos da Teologia são fúteis. Não passam de emaranhados de idéias que nada dizem ao inculto; confundem os simples e iludem os sábios. Nada acrescentam à fé; nada fazem pelo homem senão talvez aumentar sua capacidade de discutir e discordar.”
Que princípio irá nortear uma igreja que acredita que a razão, que aqui é entendido como sendo o pensamento teológico sistemático, é fútil? Não irá essa igreja ter um conjunto de crenças práticas fora do modelo bíblico? Essa forma de pensar é muito comum nos grupos restauracionistas. Hannah Whitall Smith, por exemplo, em seu livro “O Segredo Cristão de Uma Vida Feliz” escrito em 1870, acreditava que “o problema com a maior parte da religião de hoje em dia é sua extrema complexidade”, acrescentando que a verdadeira religião evita “dificuldades teológicas [e] dilemas doutrinários...Nenhum treinamento teológico e nenhuma visão teológica em particular são necessárias”. Em segundo lugar a confusão é gerada por conta daquilo que em filosofia se denomina de “erro de categoria”. A fé e a razão não são excludentes, mas sem duvidas pertencem a categorias diferentes. Como explicar, por exemplo, a cura de um paciente terminal de câncer recorrendo a argumentos racionais? A velha máxima de que milagres não se explicam ainda é válida. De fato Paulo diz isso com outras palavras: “Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (I Co 2.14).
Quando nos conscientizarmos que somos formados por Deus (seres espirituais) tanto para crer (revelação) como para pensar (razão), então cessará o conflito. A propósito, não tenho a menor dúvida de que se o comandante do navio tivesse tido o bom senso de dar ouvidos ao que Paulo dizia o naufrágio teria sido evitado.
*José Gonçalves, é ministro do evangelho em Teresina, PI, escritor, filósofo e membro da Comissão de Apologia da CGADB
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A FORMAÇÃO DA TEOLOGIA PENTECOSTAL NO BRASIL

Por Silas Daniel*
A importância dos missionários escandinavos e norte-americanos na formação da identidade teológica da Assembléia de Deus brasileira
Apesar das constantes incidências de modismos teológicos no cenário evangélico brasileiro, a Assembléia de Deus é hoje uma das igrejas com maior solidez bíblica doutrinária em nosso país. Isso se deve a anos de formação de sua identidade teológica, sob a influência direta dos missionários escandinavos e norte-americanos. Como se deu essa influência?
Para entendermos isso, acredito que dois pontos devem ser analisados. Primeiro: Quem exerceu maior influência? Os missionários escandinavos ou os norte-americanos? Segundo: Havia alguma divergência doutrinária entre a Teologia pentecostal escandinava e a norte-americana?
QUEM EXERCEU MAIOR INFLUÊNCIA?
Como sabemos, a Assembléia de Deus no Brasil foi fundada por missionários escandinavos, porém sua Teologia sofreu igualmente influência da igreja pentecostal escandinava e das Assembléias de Deus norte-americanas. A diferença é quanto ao tempo de influência dos dois grupos. O primeiro exerceu sua influência teológica nas primeiras cinco décadas do Movimento Pentecostal brasileiro. Os norte-americanos estão exercendo sua influência teológica no Brasil pentecostal já há 40 anos.
Se na liturgia e em alguns costumes podemos afirmar que ainda somos herdeiros dos primeiros missionários suecos (se bem que, nos últimos 15 anos, a influência norte-americana na nossa liturgia e costumes aumentou), pode-se dizer que teologicamente fomos influenciados mais pelos missionários norte-americanos do que pelos escandinavos. Excetuando a influência na Assembléia de Deus do missionário escandinavo Eurico Bergstén, falecido em 1999, são os norte-americanos que mais influenciaram a Teologia Pentecostal brasileira na quatro últimas décadas.
Ao lermos a história da Assembléia de Deus brasileira em seus primeiros anos, percebemos que, da década de 10 até os anos 40, os missionários suecos eram soberanos na orientação doutrinária. Nos primeiros anos, a voz da Teologia assembleiana eram os artigos dos suecos nos jornais Boa Semente, Som Alegre e Mensageiro da Paz, e na série Lições Bíblicas, com comentários exclusivamente dos missionários escandinavos nas primeiras décadas. Há artigos de brasileiros nesses periódicos, mas só eram publicados aqueles que passavam pelo crivo teológico dos missionários escandinavos. Além disso, os artigos de articulistas norte-americanos ou britânicos (notadamente Donald Gee, cujos estudos sobre dons espirituais foram preciosos para a nascente igreja no Brasil) eram escolhidos e traduzidos pelos missionários suecos antes de serem publicados nos periódicos.
Um detalhe dos anos 10, 20 e 30 é que havia certa igualdade entre os missionários escandinavos quanto à influência teológica. Gunnar Vingren, Samuel Nyström, Nils Kastberg, Otto Nelson, Nels Nelson e Joel Carlson se dividiam nessa tarefa, ora por meio de artigos, ora pelas ministrações de estudos bíblicos nas igrejas sob sua responsabilidade. Porém, de meados dos 30 até o início dos 40 (isto é, depois da partida de Vingren, ocorrida em 1932), o missionário Samuel Nyström passou a se destacar como o grande nome da Teologia Pentecostal no Brasil. Em muitos casos, questões doutrinárias eram dirimidas, até em reuniões de Convenção Geral das Assembléias de Deus, depois de ser ouvido Nyström.
Nyström foi o quarto missionário escandinavo pentecostal a aportar em solo brasileiro. Conhecido como o grande pregador e ensinador, sua vinda foi uma grande conquista para a obra no Brasil. Além do sueco, sua língua natal, falava o português e o inglês fluentemente, e tinha noções de grego e hebraico. Antes de liderar a Assembléia de Deus em São Cristóvão, no Rio, ele pastoreou a igreja-mãe em Belém do Pará, tendo inaugurado o primeiro templo assembleiano na capital paraense. Foi ele quem deu início ao movimento beneficente em favor das viúvas de pastores e é até hoje o líder que mais vezes foi eleito presidente da CGADB. Foram nove vezes (1933, 1934, 1936, 1938, 1939, 1941, 1943, 1946 e 1948). Sua influência era tão grande que a vinda de Nyström para a cidade do Rio de Janeiro, então capital federal, substituindo o pioneiro Gunnar Vingren, fez com que a Assembléia de Deus de São Cristóvão se tornasse uma espécie de centro da obra no Brasil, o que durou por muito tempo.
Lendo as páginas do jornal Mensageiro da Paz no final dos anos 30 e início dos 40, vemos que o nome de Nyström era quase onipresente nas escolas bíblicas de obreiros nos país. Intensamente requisitado, viajava o Brasil inteiro para ministrar estudos bíblicos concorridos, especialmente sobre Dispensacionalismo, os efeitos da obra de Cristo, o Corpo de Cristo e doutrinas bíblicas fundamentais. Nessa época, devido ao estrondoso sucesso de seus estudos, um deles virou livro, publicado pela CPAD: Jesus Cristo, Nossa Glória. Esta obra traz uma exposição sobre as doutrinas da Redenção, Santificação e Justificação. É impressionante o fato de que tenha vendido cerca de 5 mil exemplares em sua primeira tiragem nos anos 30, em uma época em que boa parte dos assembleianos não era afeita à leitura. A obra só seria reeditada nos anos 80.
Porém, a partir especialmente do final dos anos 30, começaram a aportar no país missionários da Assembléia de Deus dos EUA que, aos poucos, se notabilizaram na orientação teológica dos primeiros obreiros brasileiros.
No final dos anos 40 e início dos 50, despontam notadamente nas escolas bíblicas pelo país os nomes do missionários norte-americanos. Podemos dizer que inicia aqui o processo de cristalização da Teologia Pentecostal no Brasil, pois só com os missionários norte-americanos houve uma sistematização maior das doutrinas bíblicas na Assembléia de Deus.
Pesquisando as páginas do Mensageiro da Paz nos anos 40 e 50, notamos que os destaques nas escolas bíblicas agora eram os missionários norte-americanos Lawrence Olson, Leonard Pettersen, Teodoro Stohr e John Peter Kolenda, mais conhecido como JP Kolenda. Nesse período, do lado escandinavo, impõe-se apenas os nomes dos missionários Nels Nelson e Lars Erik Bergstén, e que aportou em plagas brasileiras no final da década do 40. Nesse período, Nyström já saíra de cena, de volta à Suécia.
Nels Nelson era presença constante nas escolas bíblicas de obreiros pelo país, mas, sem dúvida, Bergstén foi muito mais influente na formação da Teologia Pentecostal. Enquanto Nelson ministrava mais sobre Prática e Teologia Pastoral, Bergstén era mais sistemático e seus estudos abordavam todas as doutrinas bíblicas. Isso não significa dizer que Bergstén era rebuscado em seu discurso. Uma de suas marcas era a simplicidade com que ele abordava os pontos doutrinários, além do largo uso de citações bíblicas para explicar e reforçar o que estava ensinando. Sua biblicidade e a forma apaixonada como falava sobre a necessidade de os obreiros amarem a Bíblia para crescerem espiritualmente foram imensamente importantes para formações de gerações de obreiros assembleianos.
Vale lembrar ainda que se Nels Nelson não exercia uma grande influência teológica na Assembléia de Deus brasileira, tal qual Bergstén, sua influência como líder, porém, era muito forte. Nels Nelson foi o último grande líder sueco da Assembléia de Deus brasileira. Assim, Nelson e Bergstén foram os nomes que ainda mantiveram a influência escandinava em nosso país.
Nelson faleceu nos anos 60. A partir daí, a liderança da Assembléia de Deus brasileira tornou-se quase que totalmente autóctone. Excetuando os missionários Nils Taranger, no Rio Grande do Sul (falecido nos anos 90), Gustavo Arn Johansson, em Maceió (que liderou de 1963-1965) e alguns missionários noruegueses no Sul, não havia mais missionários escandinavos liderando igrejas. É verdade que alguns missionários norte-americanos chegaram a liderar igrejas em nosso país, mas por pouco tempo e sem exercer influência na liderança nacional, como exerciam Nelson e os demais escandinavos antes dele. A influência norte-americana passou a ser mesmo só na área teológica.
No período pós Nels Nelson, Eurico Bergstén passou a ser a única referência teológica escandinava. E que influência! Basta lembrar que é, até hoje, o maior comentarista de Lições Bíblicas da história da Assembléia de Deus brasileira. Foram mais de 30 revistas de Escola Dominical escritas em quase 40 anos. Era quase uma revista por ano, todas abordando variadas doutrinas bíblicas. Até sua morte, em 1999, a presença de Bergstén era constante em estudos bíblicos e conferências pelo país. Ao lado de Lawrence Olson, Bergstén foi, consciente ou inconscientemente, um dos grandes moldadores da Teologia Pentecostal no Brasil.
Ao falarmos isso, é importante dizer que não estamos dizendo que havia uma relatividade entre missionários suecos e norte-americanos na formação teológica dos obreiros brasileiros. Apenas reconhecemos que, ao lermos a história da Assembléia de Deus brasileira, percebemos que é nítida a aceitação natural desses nomes, por parte dos obreiros brasileiros, como formadores de sua identidade teológica.
SISTEMATIZAÇÃO DA TEOLOGIA
É também a partir dos anos 50 que são traduzidos para o português, pelos missionários norte-americanos, muitos livros de cunho teológico pentecostal vindos da outra América e que por muito tempo se tornaram a referência teológica dos obreiros brasileiros, sem contar os bons livros produzidos pelos próprios missionários norte-americanos aqui no Brasil. Destaque para Conhecendo as doutrinas da Bíblia e Através da Bíblia, de Myer Pearlman, traduzidos por Lawrence Olson. Essas duas obras tiveram grande sucesso e aceitação, principalmente a primeira, que vendeu mais de 100 mil exemplares e foi, durante muito tempo, a Teologia Sistemática dos obreiros pentecostais brasileiros.
Olson ainda produziria clássicos como O Plano Divino Através dos Séculos, que vendeu mais de 100 mil exemplares. Esse livro popularizaria no Brasil o Dispensacionalismo, adotado pela maioria dos obreiros brasileiros até hoje. Quem não se lembra daquele quadro colorido e retangular que ilustrava a história da humanidade segundo a Bíblia, de antes da criação do mundo até o final dos tempos? O quadro O Plano Divino Através dos Séculos pode ser encontrado em muitas casas de obreiros pelo Brasil até hoje.
Outro importante nome, tanto na tradução de obras em inglês como na produção de livros teológicos, é Orland Spencer Boyer (também missionário dos EUA), que além de escrever livros inspirativos, produziu a série Espada Cortante, que marcou época, instruindo muitos.
Porém, o maior destaque, ao lado de Conhecendo as doutrinas da Bíblia, é de iniciativa escandinava. Uma série de estudos bíblicos de Eurico Bergstén, que por muito tempo serviram como livro-texto da Escola Teológica das Assembléia de Deus no Brasil (Esteadeb), foi transformada posteriormente em livro: Teologia Sistemática (CPAD). Está é a única obra de Teologia Sistemática pentecostal produzida pela Assembléia de Deus no Brasil até a presente data. Apesar de sintética, foi a mais aprofundada e sólida tentativa de organizar e sistematizar a Teologia pentecostal em um único compêndio.
Nos anos 90, a CPAD publicaria Teologia Sistemática, uma perspectiva pentecostal, editada por Stanley Horton (maior expoente da Teologia Pentecostal nos EUA) e escrita por 18 teólogos da Assembléia de Deus norte-americana. Em seguida também foi lançado Doutrinas Bíblicas, do teólogo William Menzies, também dos EUA. Porém, a de Bergstén e a editada por Horton são as grandes referências teológicas da Assembléia de Deus brasileira hoje. Depois dessas duas obras, a de Pearlman ficou um pouco esquecida.
Finalmente, completando a tríade literária que serve hoje de referência para a Teologia da Assembléia de Deus brasileira, foi lançada, também nos anos 90, a Bíblia de Estudo Pentecostal (CPAD), com quase um milhão de exemplares vendidos só no Brasil. As notas são de autoria do pastor Donald Stamps, missionário norte-americano em nossa país.
Mas, novas boas notícias chegarão em breve. Depois de 95 anos de Assembléia de Deus, a CPAD começa o projeto de elaboração da primeira Teologia Sistemática Pentecostal genuinamente brasileira, escrita por teólogos da Assembléia de Deus em nosso país. Desejamos uma boa recepção para essa obra!
INSTITUTOS BÍBLICOS
O passo mais significativo dos missionários norte-americanos para a formação teológica dos obreiros brasileiros foi, sem dúvida, a polêmica criação de institutos bíblicos. Polêmica por não ter sido aceita inicialmente pelo obreiros brasileiros, satisfeitos apenas com o modelo das escolas bíblicas de curta duração, implantado pelos suecos. Anuais, as escolas bíblicas de obreiros duravam de duas semanas a um mês, estudavam temas diferentes a cada ano e até hoje fazem parte da tradição assembleiana no Brasil.
A principal crítica que se fazia aos institutos bíblicos é a de que eram “fábricas de pastores”. Apesar de todas as críticas, os norte-americanos levaram adiante seu projeto. Em 1959, com o apoio de JP Kolenda, o jovem pastor João Kolenda Lemos e sua esposa, a missionária norte-americana Ruth Dorris Lemos, fundariam o Instituto Bíblico da Assembléia de Deus (Ibad) em Pindamonhangaba (SP). Em seguida, em 1962, Lawrence Olson funda o Instituto Bíblico Pentecostal (IBP) no Rio de Janeiro. Olson e Orland Boyer ainda municiaram os obreiros brasileiros com belas obras teológicas de suas lavras a partir desse período. Olson ainda tinha a seu favor o programa Voz da Assembléia de Deus, com mensagens bíblicas enriquecidas de informações e curiosidades que despertavam nos ouvintes o desejo de se aprofundarem no conhecimento bíblico.
Vale lembrar que porque esses dois institutos foram fundados sem o apoio da maioria dos obreiros brasileiros, isso fez deles um grande desafio. Foi só nos anos 70 que iniciou-se um processo de aceitação dos institutos. O Ibad e o IBP só foram reconhecidos oficialmente pela Convenção Geral das Assembléia de Deus no Brasil em 1973 e 1975, respectivamente. É nesse período que nascem várias outras escolas teológicas (em forma de instituto) fundadas por obreiros brasileiros, e a Escola de Ensino Teológico das Assembléias de Deus (Eetad), fundada pelo missionário norte-americano Bernhard Johnson, em Campinas (SP).
Hoje, vivemos uma conseqüência clara disso. É interessante notar que os grandes teólogos nacionais da Assembléia de Deus brasileira só começaram a despontar mais a partir dos anos 70. Não que antes dos anos 70 não tenham havido nomes de destaque na Teologia da Assembléia de Deus entre os nacionais. Basta lembrar que é nos anos 60 que começa a aparecer o pastor e teólogo Antonio Gilberto, que veio a notabilizar a partir de 1974, com a criação do Curso de Aperfeiçoamento de Escola Dominical (Caped). É dele muitos best-sellers, como o Manual de Escola Dominical, lançado em 1974 e que já vendeu cerca de 150 mil exemplares. E que dizer do pastor Estevam Ângelo de Souza? É também outro grande exemplo. Porém, notadamente, só a partir dos anos 70 é que o leque aumenta. Atualmente, há vários nomes, e isso tem muito a ver com a mudança de visão em relação à importância dos seminários e institutos bíblicos, ocorrida à pouco mais de 30 anos.
DIFERENÇAS ENTRE O ESTILO ESCANDINAVO E O NORTE-AMERICANO
Não há muita diferença entre a Teologia pentecostal escandinava e a norte-americana. A diferença está mesmo nos estilos do que no conteúdo. Os escandinavos preferiam mais o sistema de escolas bíblicas informais e anuais de curta duração (daí a inspiração para criar as tradicionais escolas bíblicas de obreiros no Brasil). Os norte-americanos preferiam os institutos bíblicos, com o ensino formal das Escrituras e cursos de longa duração como as igrejas evangélicas tradicionais já faziam há muito tempo. Nos EUA, era comum o obreiro, antes de ser ordenado ao ministério, passar, em média, quatro anos em um instituto bíblico. Já na Suécia, só havia, na época, as escolas bíblicas de verão em Nyem (cidade sueca), uma espécie de curso intensivo de três meses para missionários e obreiros. Os alunos recebiam certificados, mas o curso era mais informal. Porém, ninguém era ordenado ao ministério ou enviado ao campo missionário pela Igreja Filadélfia, liderada pelo pastor Lewi Pethrus, sem antes passar por esse curso.
Com exceção de Daniel Berg e Gunnar Vingren, que foram pioneiros e se filiaram à Igreja Filadélfia depois de iniciada a obra no Brasil, todos os outros missionários escandinavos que aportaram em nosso país passaram por esse curso. Berg não estudou Teologia formalmente. Vingren, antes de vir ao Brasil, fora ordenado pastor pela Convenção Batista dos Estados Unidos. Para isso, formou-se em Teologia em um instituto bíblico e estagiou pastoreando uma Igreja Batista Sueca nos EUA. Quando estava pleiteando ser enviado como missionário à Índia, foi batizado no Espírito Santo, encontrou-se com Berg e Deus mudou os seus planos. Ainda bem!
Devido às diferenças entre a preparação teológica dos missionários escandinavos e norte-americanos, o estilo de ensino adotado por eles no Brasil era diferente. Analisando, por exemplo, os artigos doutrinários de um e de outro grupo no jornal Mensageiro da Paz, notamos que os suecos eram mais práticos, enquanto os norte-americanos eram mais sistemáticos. E, ao que parece, os obreiros brasileiros gostavam mais da simplicidade escandinava do que do estilo norte-americano. Só a partir dos anos 50 é que os brasileiros passaram a simpatizar mais com os doutrinadores norte-americanos, especialmente pelas ministrações bíblicas saborosas de nomes como Olson, JP, Stohr e Pettersen.
Outro detalhe: tanto os escandinavos quanto os norte-americanos aplicavam bem a hermenêutica, mas os norte-americanos eram um pouco mais voltados a exegese de textos bíblicos. O único missionário escandinavo que se aplicava no uso da exegese era Samuel Nyström. Aliás, Nyström era considerado pelos brasileiros como “o maior ensinador das Escrituras” no nascente Movimento Pentecostal em nosso país.
Interessante que os missionários escandinavos não ensinavam o Dispensacionalismo, que era a “moda” teológica da época, uma maneira mais prática de os teólogos interpretarem os fatos bíblicos. A única exceção foi Nyström. Até onde se sabe, ele foi o primeiro a ensinar o Dispensacionalismo para a Assembléia de Deus brasileira antes mesmo dos norte-americanos. Porém, coube a Lawrence Olson popularizar o Dispensacionalismo no Brasil, principalmente por meio de seus livros e do Instituto Bíblico Pentecostal.
É curioso ver que o Dispensacionalismo não está mais em voga nos Estados Unidos. A maior parte da Assembléia de Deus norte-americana não mais usa esse sistema de interpretação das Escrituras, que, é preciso dizer, no caso assembleiano, tinha uma pequena diferença do Dispensacionalismo clássico: os assembleianos sempre deixaram de lado a separação entre a Igreja e Israel, o que era o ponto-chave do Dispensacionalismo.
Hoje, a Assembléia de Deus norte-americana está mais voltada para “o estudo das aplicações teológicas e missiológicas do Reino de Deus”. Uma análise precisa dessa mudança de foco está em Teologia Sistemática, uma perspectiva pentecostal, nas páginas 32 e 36.
Outro ponto a ser frisado é que os missionários escandinavos, por chegarem aqui primeiro, gastaram mais tempo procurando estabelecer as bases teológicas da igreja brasileira e reforçando as doutrinas bíblicas distintivas do pentecostalismo, muito atacadas pelas igrejas tradicionais nas primeiras décadas. A maior parte dos textos doutrinários dos primeiros 30 anos do Movimento Pentecostal brasileiro era de caráter apologético, de defesa das doutrinas bíblicas pentecostais. O restante era apenas sobre pontos doutrinários básicos: Salvação, Santificação e Vinda de Jesus. Por isso, quando os missionários norte-americanos vieram, corroboraram essas bases, mas, sobretudo, erigiram um edifício sobre elas, aprofundando esses pontos doutrinários (especialmente a Escatologia Bíblica) e salientando outros, menos abordados até então (como, por exemplo, a Doutrina da Trindade, do Pecado Original e dos Anjos).
O missionário Eurico Bergstén se destaca nesse período justamente porque também foi além das bases. Por exemplo: ao falar da Salvação, Bergstén expunha e destrinchava as doutrinas bíblicas da expiação, justificação, adoção e glorificação (o que Nyström, nos anos 40, começou a fazer timidamente), e a questão da perseverança dos santos, da segurança da Salvação. Aliás, o mal entendimento desse último ponto foi o que levou a uma das primeiras cisões da história da Assembléia de Deus.
No início dos anos 30, nasceu no Nordeste do Brasil a Assembléia de Cristo, formada por obreiros nacionais, entre eles Manoel Higino de Souza, que passaram a crer que “uma vez salvo, salvo para sempre”. É que os missionários suecos não se preocupavam em falar da Doutrina da Predestinação e da Segurança da Salvação, até que um obreiro nacional leu um panfleto calvinista sobre esse assunto e começou a ensinar que aqueles que aceitam a Cristo não têm possibilidade de perder a Salvação. Ora, os escandinavos eram arminianos (os missionários da Assembléia de Deus norte-americana, que chegariam depois, também). O que foi que aconteceu? Tentaram convencer Higino do contrário, mas em vão. Por nunca terem ensinado sobre esse assunto, quando a divergência teológica surgiu, não puderam saná-la eficientemente. A maioria esmagadora apoiou os missionários suecos, mas a cisão aconteceu. Se houvesse um ensino preventivo sobre esse ponto doutrinário, talvez essa cisão nunca tivesse ocorrido.
É só a partir dos 50 que os estudos bíblicos ganham mais densidade e profundidade. A criação de institutos bíblicos foi a conseqüência direta disso. Os obreiros brasileiros precisavam se aprofundar mais no conhecimento bíblico.
Se os escandinavos fizeram um bom trabalho de base e de estabelecimento da identidade pentecostal, os norte-americanos fizeram um bom trabalho preventivo em relação a modismos. Antes que determinadas doutrinas que já eram populares nos EUA ganhassem força no Brasil, eles preveniam os obreiros sobre elas. Por exemplo, na Convenção Geral de 1962, em Recife, são o missionário Lawrence Olson e o pastor Raymond Carlson, então presidente do Instituto Bíblico da Assembléia de Deus em Minessota (e que depois seria líder do Concílio Geral das Assembléias de Deus nos EUA) que previnem os obreiros, em estudo bíblico, sobre os perigos do ecumenismo, uma onda nova na época. Ao final daquela convenção, Olson, Bergstén e o pastor Alcebíades Vasconcelos, representando os obreiros brasileiros, assinam um documento, em nome da CGADB, contra o ecumenismo.
Ainda havia os estudos dos norte-americanos sobre os erros do evolucionismo, o liberalismo teológico, a Teologia da Libertação etc. Como reflexo desse ensino, surgiram muitos bons livros de autores nacionais sobre esses assuntos nos anos seguintes. O pastor Abraão de Almeida, por exemplo, escreve nos anos 80 sua Teologia Contemporânea (CPAD), com prefácio de Lawrence Olson. Nascia a reflexão teológica, estimulada pelos norte-americanos.
Outro exemplo: a febre pela Escatologia Bíblica no Brasil foi encetada pelos norte-americanos e incentivada pela conjuntura internacional - a Guerra Fria. Nesse período, depois da reedição de O Plano Divino Através dos Séculos nos anos 70 e do lançamento do polêmico Alinhamento dos planetas (1980), ambas obras de Olson, surgiu uma demanda decorrente do interesse despertado dos crentes por Escatologia. É quando surgem muitas obras teológicas em profusão sobre o assunto, como as dos pastores Antonio Gilberto, Abraão de Almeida e Severino Pedro. O detalhe é que a visão escatológica de muitas dessas obras era importada da visão escatológica norte-americana. A significativa obra Israel, Gogue e o Anticristo (CPAD), de Abraão de Almeida, que marcou época e vendeu mais de 50 mil exemplares, é um exemplo. As interpretações sobre a profecia contra Gogue (Ezequiel 38), vista como uma referência à Rússia e à China, são uma influência clara da Escatologia norte-americana. Os escandinavos não se preocupavam com esses pormenores. Sua Escatologia era menos detalhista e pouco especulativa. Preocupava-se mais com o entendimento do essencial.
ÚNICO E RELATIVO CASO DE DIVERGÊNCIA
E quanto às discrepâncias de conteúdo entre a Teologia pentecostal escandinava e a norte-americana?
Como já ressaltei, foi só depois dos anos 50 que o estudo das doutrinas bíblicas foi mais aprofundado na Assembléia de Deus brasileira. Assim, se houvesse alguma discrepância teológica entre os escandinavos e norte-americanos, ela surgiria a partir de esse período, pois é na exposição dos detalhes que surgem as diferenças. Porém, o que se via era uma concordância mútua. A única diferença encontrada, mas não muito explorada, foi quanto à Doutrina da Criação do Universo. Aqui, sim, encontramos a única divergência teológica concreta entre escandinavos e norte-americanos. Mesmo assim, relativa.
Eurico Bergstén, em sua Teologia Sistemática, ensinava a Teoria da Recriação da Terra (também chamada de Teoria da Lacuna), que diz que entre Gênesis 1.1 e 1.2 há um interregno de tempo, onde teriam ocorrido a queda de Satanás e o caos no Universos. A Terra, que teria sido criada perfeita antes de Lúcifer cair, teria ficado, após a queda do ser angelical, sem forma e vazia. Logo, o relato que vai de Gênesis 1.2 em diante seria não o da criação da Terra, mas da recriação. Isso pode ser visto nas páginas 49 e 52 de sua obra. “A Terra foi restaurada em seis dias”, assevera Bergstén.
Ao que parece, nem todos os missionários norte-americanos simpatizavam muito com essa teoria. Lawrence Olson, porém, seria uma grande exceção, o que relativiza essa discrepância. Ele ensinava o mesmo, como pode ser visto nas primeiras páginas de O Plano Divino Através dos Séculos. Mas, a obra Teologia Sistemática, uma perspectiva pentecostal, escrita pelos Teólogos da Assembléia de Deus norte-americana, rechaça essa teoria, como pode ser visto nas páginas 232 a 235. “A Teoria da Lacuna apresenta várias fraquezas”, arremata conclusivamente os pastor e teólogo Timothy Munyon.
Como vimos, as diferenças eram muito pequenas. A Teologia era praticamente a mesma em todos os pontos. E isso foi muito bom, porque fortes divergências teológicas criariam cismas. Se hoje a Assembléia de Deus é minimamente unida e consolidada em sua identidade teológica, deve isso à influência desses nobres missionários escandinavos e norte-americanos, que deram as suas vidas pela evangelização e estabelecimento da obra de Deus em nosso país.
*Silas Daniel, é Ministro do Evangelho, jornalista, conferencista e autor dos livros A Sedução das Novas Teologias, Habacuque - a vitória da fé em meio ao caos e História da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil. Todos pela CPAD.
Manual do Obreiro (CPAD) - 2006.
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segunda-feira, 28 de março de 2011

A TEOLOGIA LIBERAL E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A FÉ BÍBLICA (Parte II)

Raízes
O liberalismo teológico começou a florescer de forma sistematizada devido a influencia do racionalismo de Descartes e Spinoza no século XVII e XVIII que redundou no iluminismo.
4 O liberalismo opunha-se ao racionalismo extremado do iluminismo.

Na verdade, quando a igreja começa a flertar com o liberalismo e se render aos seus interesses, ela perde a sua autoridade e deixa de ser embaixadora de Deus. A história tem provado que onde o liberalismo teológico chega a igreja morre. Esse é um aviso solene que deve estar sempre trombeteando em nossos ouvidos.

A baixa crítica
Conforme Gleason L. Archer Jr, “a ‘baixa crítica’ ou crítica textual se preocupa na tarefa de restaurar o texto original na base das cópias imperfeitas que chegaram até nós. Procura selecionar as evidências oferecidas pelas variações, ou leituras diferentes, quando há uma falta de acordo entre os manuscritos sobreviventes, e pela aplicação dum método científico chegar àquilo que era mais provavelmente a expressão exata empregada pelo autor original”.
5

A alta crítica
J.G. Eichhorn, um racionalista germânico dos fins do século 18, foi o primeiro a aplicar o termo “alta crítica” ao estudo da Bíblia. Devido a isto ele tem sido chamado de “o pai da crítica do Antigo Testamento”. Segundo R.N Champlin, “a ‘alta crítica’ aponta para o exame crítico da Bíblia, envolvendo qualquer coisa que vá além do próprio texto bíblico, isto é, questões que digam respeito à autoria, à data, à forma de composição, à integridade, à proveniência, às idéias envolvidas, às doutrinas ensinadas, etc. A alta crítica pode ser positiva ou negativa em sua abordagem, ou pode misturar ambos os pontos de vista”.
6 Mas o que temos visto na prática é que esta forma de crítica tem negado as doutrinas centrais da fé cristã, em nome da ciência, da modernidade e da razão. O que fica evidente é que alguns críticos partem com o intuito de desacreditar a Bíblia, devido a alguns pressupostos naturalistas, chegando ao cúmulo de dizer que a Igreja inventou a Jesus.

Conforme Norman Geisler “a alta crítica pode ser dividida em (destrutiva) e positiva (construtiva). A crítica negativa nega a autenticidade de grande parte do registro bíblico. Essa abordagem em geral emprega uma pressuposição anti-sobrenatural”.
7

Métodos aplicados a qualquer tipo de literatura passaram a serem aplicados à Bíblia, juntamente com grandes doses de ceticismo, no que diz respeito à validade histórica e à integridade de muitos de seus livros, juntamente com invenções de entusiastas que tinham pouca base nos fatos históricos. Assim, onde vemos nas narrativas da Bíblia fatos sobrenaturais são conferidas por esta teologia interpretações naturais, retirando assim da Palavra de Deus todas as intervenções miraculosas. Claramente nos é impróprio ou mesmo blasfematório colocar-se como juiz sobre a Bíblia.

Penosamente a “alta crítica” tem empregado uma metodologia faltosa, caindo em alguns pressupostos questionáveis. Devido a seus resultados ela ultimamente vem sendo descrita como “alta crítica destrutiva”. Para melhor compreensão veja o quadro comparativo
8 a seguir:



Parâmetros
Crítica positiva
(construtiva)
Crítica negativa
(destrutiva)
Base
Sobrenaturalista
Naturalista
Regra
O texto é “inocente até que prove ser culpado”
O texto é “culpado até que prove ser inocente”
Resultado
A Bíblia é completamente verdadeira
A Bíblia é parcialmente verdadeira
Autoridade final
Palavra de Deus
Mente do homem
Papel da razão
Descobrir a verdade (racionalidade)
Determinar a verdade (racionalismo)




C.S Lewis, sem dúvida o apologista cristão mais influente do século XX, em seu artigo “A teologia moderna e a crítica da Bíblia” tece alguns comentários que transcrevemos a seguir: “Em primeiro lugar, o que quer que esses homens possam ser como críticos da Bíblia, desconfio deles como críticos9 [...] Se tal homem chega e diz que alguma coisa, em um dos evangelhos, é lendária ou romântica, então quero saber quantas lendas e romances ele já leu, o quanto está desenvolvido o seu gosto literário para poder detectar lendas e romances, e não quantos anos ele já passou estudando aquele evangelho10 [...] os críticos falam apenas como homens; homens obviamente influenciados pelo espírito da época em que cresceram, espírito esse talvez insuficientemente crítico quanto às suas próprias conclusões11 [...] Os firmes resultados da erudição moderna, na sua tentativa de descobrir por quais motivos algum livro antigo foi escrito, segundo podemos facilmente concluir, só são “firmes” porque as pessoas que sabiam dos fatos já faleceram, e não podem desdizer o que os críticos asseguram com tanta autoconfiança”.12

Prove e veja
Na Universidade de Chicago, Divinity School, em cada ano eles têm o que chamam de “Dia Batista”. Nesse dia cada um deve trazer um prato de comida e ocorre um piquenique no gramado. Neste dia a escola sempre convida uma das grandes mentes da literatura no meio educacional teológico para palestrar sobre algum assunto relacionado ao ambiente acadêmico.

Num determinado ano eles convidaram Paul Tillich
13 e ele discursou durante duas horas e meia no intuito de provar que a ressurreição de Jesus era falsa. Questionou estudiosos e livros e concluiu que, a partir do momento que não haviam provas históricas da ressurreição, a tradição religiosa da igreja caía por terra, porque estava baseada num relacionamento com um Jesus que, de fato, segundo ele, nunca havia ressurgido literalmente dos mortos.

Quando concluiu sua teoria, Tillich perguntou a platéia se havia alguma pergunta, algum questionamento. Depois de uns trinta segundos, um senhor negro de cabelos brancos se levantou no fundo do auditório: “Dr Tillich, eu tenho uma pergunta, ele disse, enquanto todos os olhos se voltavam para ele. Colocou a mão na sua sacola, pegou uma maçã e começou a comer... Dr Tillich... crunch, munch... minha pergunta é muito simples... crunch, munch... Eu nunca li tantos livros como o senhor leu...crunch, munch... e também não posso recitar as Escrituras no original grego... crunch, munch... Não sei nada sobre Niebuhr e Heidegger... crunch, munch... [e ele acabou de comer a maçã] Mas tudo o que eu gostaria de saber é: Essa maçã que eu acabei de comer... estava doce ou azeda?.

Tillich parou por um momento e respondeu com todo o estilo de um estudioso: “Eu não tenho possibilidades de responder essa questão, pois não provei a sua maçã”.

O senhor de cabelos brancos jogou o que restou da maçã dentro do saco de papel, olhou para o Dr. Tillich e disse calmamente: “O senhor também nunca provou do meu Jesus, e como ousa a afirmar o que está dizendo?”. Nesse momento mais de 1000 estudantes que estavam assistindo o evento não puderam se conter. O auditório se ergueu em aplausos. Dr. Tillich agradeceu a platéia e rapidamente deixou o palco”.

Essa a diferença! É fundamental considerar que tudo o que engloba a fé genuinamente cristã está amparado em um relacionamento experimental (prático) com Deus. Sem esse pré-requisito ninguém pode seriamente afirmar ser um cristão. Seria muito bom se os críticos se atrevessem a experimentar este relacionamento antes de tecerem suas conjeturas. Se assim fosse certamente se lhes abririam um novo horizonte para suas proposições e quem sabe entenderiam que o sobrenatural não é uma brecha da lei natural, mas, sim, uma revelação da lei espiritual.

Notas de referência:

1
2 Adoração à Bíblia.
3 Segundo a comparação clássica entre Deus e o fabricante de um relógio, Deus, no princípio, deu corda ao relógio do mundo de uma vez para sempre, de modo que ele agora continua com a história mundial sem a necessidade de envolvimento da parte de Deus.
4 O Iluminismo enfatizava a razão e independência e promovia uma desconfiança acentuada da autoridade. A verdade deveria ser obtida por meio da razão, observação e experiência. O movimento foi dominado pelo anti-sobrenaturalismo, e o pluralismo religioso.

5 ARCHER, Gleason L. Merece Confiança o Antigo Testamento? Edições Vida Nova, p.54.
6 CHAMPLIN, R.N. Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. Vol 1. Candeia, p. 122.
7 GEISLER, Norman. Enciclopédia de Apologética. Editora Vida, p.113.
8 Ibid. p. 116.
9 MCDOWELL, Josh. Evidência que exige um veredicto. Vl 2. Editora Candeia, p.522.
10 Ibid.p.526.
11 Ibid. p.526.
12 Ibid. pg.528.
13 Paul Tillich nasceu em 20 de agosto de 1886 em Starzeddel na Prússia Oriental, perto de Guben na Prússia. Foi um teólogo-filósofo e representante do existencialismo religioso.
O fundamentalismo foi um movimento surgido nos Estados Unidos durante e imediatamente após a 1ª Guerra Mundial, a fim de reafirmar o cristianismo protestante ortodoxo e defendê-lo contra os desafios da teologia liberal, da alta crítica alemã, do darwinismo, e de outros pensamentos considerados danosos para o cristianismo.
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A TEOLOGIA LIBERAL E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A FÉ BÍBLICA (Parte I)

Por Danilo Raphael

Estamos certos de que em nossos dias é emergente buscarmos nos libertar da teologia liberal. É espantoso como é crescente o número de livros (inclusive publicados por editoras evangélicas) que esboçam os ensinamentos deste tipo de teologia, ou tecem comentários favoráveis. Apesar de esta teologia ter nascido com os protestantes, hoje seus maiores expoentes são os católicos romanos. Basta entrar em uma livraria católica e ver a grande quantidade de livros publicados por editoras católicas defendendo e propagando a teologia liberal.  E também pela forma com que alguns seminários e igrejas vêm se comprometendo com os ensinos desta teologia. De fato, a libertação da teologia liberal não só é necessária como também vital para a Igreja brasileira que hoje esta ameaçada pelo secularismo e pelo liberalismo teológico corrosivo.

Entretanto, apesar das motivações iniciais dos modernistas, suas idéias representaram uma grave ameaça à ortodoxia, como a história comprovou. O movimento gerou ensinamentos que dividiram quase todas as denominações históricas na primeira metade deste século. Ao menosprezar a importância da doutrina, o modernismo abriu a porta para o liberalismo teológico, o relativismo moral e a incredulidade aberta. Atualmente, a maioria dos evangélicos tende a compreender a palavra “modernismo” como uma negação completa da fé. Por isso, com facilidade esquecemos que o objetivo dos primeiros modernistas era apenas tornar a igreja mais “moderna”, mais unificada, mais relevante e mais aceitável em uma era caracterizada pela modernidade.

Mas o que caracterizaria um teólogo liberal? O verbete sobre o “protestantismo liberal” do Novo Dicionário de Teologia editado por Alan Richardson e John Bowden nos traz uma boa noção do termo. Vejamos três destaques de elementos do liberalismo teológico:

  1. É receptivo à ciência, às artes e estudos humanos contemporâneos. Procura a verdade onde quer que se encontre. Para o liberalismo não existe a descontinuidade entre a verdade humana e a verdade do cristianismo, a disjunção entre a razão e revelação. A verdade deve ser encontrada na experiência guiada mais pela razão do que pela tradição e autoridade e mostra mais abertura ao ecumenismo;
  2. Tem-se mostrado simpatia para com o uso dos cânones da historiografia para interpretar os textos sagrados. A Bíblia é considerada documento humano, cuja validade principal está em registrar a experiência de pessoas abertas para a presença Deus. Sua tarefa contínua é interpretar a Bíblia, à luz de uma cosmovisão contemporânea e da melhor pesquisa histórica e, ao mesmo tempo, interpretar a sociedade, à luz da narrativa evangélica;
  3. Os liberais ressaltam as implicações éticas do cristianismo. O cristianismo não é um dogma a ser crido, mas é um modo de viver e conviver, caminho de vida. Mostraram-se inclinados a ter uma visão otimista da mudança e acreditar que o mal é mais uma ignorância. Por ter vários atributos até divergentes, o liberal causa alergia para uns e para outros é motivo de certa satisfação por ser considerado portador de uma mente aberta para o diálogo com posições contrárias.

As grandes batalhas causadas pelo liberalismo foram travadas dentro das grandes denominações históricas. Muitos pastores que haviam saído dos EUA no intuito de se pós-graduarem nas grandes universidades teológicas da Europa, especificamente na Alemanha, em que a Teologia Liberal abraçava as teorias destrutivas da Alta Crítica produzida pelo racionalismo humanista, acabaram retornando para os EUA completamente descrentes nos fundamentos do cristianismo histórico. Os liberais, devido à tolerância inicial dos fieis a sã doutrina, tiveram tempo de fermentar as grandes denominações e conseguiram tomar para si os grandes seminários, rádios e igrejas, de modo que não se deixou alternativa para uma grande parte dos fundamentalistas, senão sair destas denominações e se organizarem em novas denominações. Daí surgiram os Batistas Regulares que formaram a Associação Geral das Igrejas Batistas Regulares (1932), Batistas independentes, Igrejas Bíblicas, Igrejas Cristãs Evangélicas, a Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos (1936), que mudou seu nome para Igreja Presbiteriana Ortodoxa, a Igreja Presbiteriana Bíblica (1938), a Associação Batista Conservadora dos Estados Unidos (1947), as igrejas Fundamentalistas Independentes dos Estados Unidos (1930) e muitas das denominações fundamentalistas que ainda existem atualmente.
Podemos dizer que algumas das características de um cristianismo ortodoxo se baseiam nos seguintes pontos:

·         Manter uma fidelidade incondicional à Bíblia que é inerrante, infalível e verbalmente inspirada;
  • Acreditar que o que a Bíblia diz é verdade (e verdade absoluta, que é verdade sempre, em todo lugar e momento);
  • Julgar todas as coisas pela Bíblia e ser julgado unicamente pela Bíblia;
  • Afirmar as verdades fundamentais da fé cristã histórica: a doutrina da trindade; a encarnação, o nascimento virginal, o sacrifício expiatório, a ressurreição física, a ascensão ao céu, e a segunda vinda do Senhor Jesus Cristo, o novo nascimento mediante a regeneração do Espírito Santo, a ressurreição dos santos para a vida eterna, a ressurreição dos ímpios para o juízo final e morte eterna e a comunhão dos santos, que são o corpo de Cristo.
  • Praticar a fidelidade à fé e procurar anunciá-la a toda criatura;
  • Denunciar e se separar de toda negativa eclesiástica dessa fé, compromisso com o erro, e apostasia;
  • Batalhar firmemente pela fé que foi uma vez concedida aos santos.

Contudo, o liberalismo em sua apostasia nega a validade de quase todos os fundamentos da fé, como a inerrância das Escrituras, A divindade de Cristo, a necessidade da morte expiatória de Cristo, assim como negam seu nascimento virginal, e sua ressurreição. Chegam até mesmo a negar que existiu realmente o Jesus narrado das Escrituras. A doutrina escatológica liberal se baseia no universalismo (todas as pessoas serão salvas um dia e Deus vai dar um jeito até na situação do Diabo) e conseqüentemente, para eles, não existe inferno e nem mesmo o conceito de pecado. O liberalismo é um sistema racionalista que só aceita o que pode ser “provado” cientificamente pelos próprios conhecimentos falíveis, fragmentados e limitados do homem.

Os primeiros estudiosos que aplicaram o método histórico-crítico sem critérios ao estudo das Escrituras negavam que a Bíblia fosse a Palavra de Deus crendo que esta apenas continha a Palavra de Deus.

O liberalismo teológico tem buscado embutir no cristianismo uma roupagem moderna, pegando as últimas idéias seculares e sorrateiramente buscando espalhar no mundo cristão. J.G. Machem em seu livro Cristianismo e Liberalismo trata deste assunto com maestria, e na contracapa de seu livro podemos ver uma pequena comparação entre o cristianismo e o liberalismo: “O liberalismo representa a fé na humanidade, ao passo que o cristianismo representa a fé em Deus. O primeiro é não-sobrenatural, o último é absolutamente sobrenatural. Um é a religião da moralidade pessoal e social, o outro, contudo, é a religião do socorro divino. Enquanto um tropeça sobre a ‘rocha de escândalo’ o outro defende a singularidade de Jesus Cristo. Um é inimigo da doutrina, ao passo que o outro se gloria nas verdades imutáveis que repousam no próprio caráter e autoridade de Deus”.

Muitos, por buscarem aceitação teológica acadêmica, têm se comprometido fatalmente, pois na prática os liberais tentam remover do cristianismo todas as coisas que não podem ser autenticadas pela ciência. Sempre que a ciência contradizer a Bíblia, é dada preferência à ciência.

Hoje, a animosidade que demonstram para com a Bíblia tem caracterizado aqueles que crêem que ela é literalmente a Palavra de Deus e inerrante (sem erros em seus originais) como “fundamentalistas”.1 Ora, podemos por acaso negociar o inegociável?

Os liberais acusam os evangélicos de transformarem a Bíblia em um “papa de papel”, ou em um ídolo, assim acusando-os de bibliolatria.2 Estamos cientes que tem havido alguns exageros por parte de alguns fundamentalistas evangélicos, mas a verdade é que os “eruditos” liberais têm se mostrado tão exagerados quanto muitos do que eles denominam de fundamentalistas. Teoricamente falando, a maioria dos liberais acreditam em Deus, supondo que Ele pode intervir na história da humanidade, porém na prática, com freqüência, mostram-se muito mais deístas.3 Usualmente também os liberais favorecem o “relativismo”, ou seja, difundem que no campo da verdade não há absolutos. Segundo este raciocínio, se não há verdades absolutas, então, as verdades da Bíblia não são absolutas, mas relativas, logo, também não podem ser a Palavra de Deus. Tendo rejeitado a Bíblia como a infalível Palavra de Deus e tendo aceitado a idéia de que tudo está fluindo, o teólogo liberal afirma que não é segura qualquer idéia permanente a respeito de Deus e da verdade teológica.

Levando o pensamento existencialista às últimas conseqüências conclui-se que se quisermos que a Bíblia tenha algum valor para a modernidade e fale ao homem moderno, temos de criar uma teologia para cada cultura, para cada contexto, onde nem um ensino é absoluto, mas tudo é relativo, variando conforme o contexto sócio-cultural. Obviamente, tal pensamento possui fundamento em alguns pontos, mas daí ao radicalismo de pregar que nada é absoluto, isso já extrapola e fere diversos princípios bíblicos.

Continua...

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sexta-feira, 25 de março de 2011

A VIAGEM DE PAULO À ROMA

Por Gilson Barbosa

Para entendermos o motivo da viagem de Paulo à Roma (At 27.1ss) devemos retornar ao capítulo 21 dos Atos dos Apóstolos, onde ele é preso em Jerusalém tendo sobre si o peso de três acusações: a promoção de sedição entre os judeus, liderar e defender a seita dos nazarenos e profanar o Templo de Jerusalém (At 24.6). 

O tempo da prisão foi logo após o retorno da sua terceira viagem (At 18.23-21.16). Depois da exortação aos obreiros da cidade de Éfeso, em Mileto, o apóstolo volta para Jerusalém.

Ágabo, o profeta

Ágabo eram um profeta de Jerusalém (At 11.27,28) e sua profecia era que o apóstolo Paulo seria preso em Jerusalém (At 21.11). Dois fatos importantes nesse episódio são: 1º) o profeta não ordenou [deu ordem] à Paulo que não fosse à Jerusalém, apesar do perigo; 2º) Paulo foi à Jerusalém mesmo avisado que seria preso ali. Entendo que o ensino é que a profecia não tem por objetivo “dirigir” a vida do crente ou de qualquer pessoa, mas informar ou avisar sobre um acontecimento ou as proporções deste. 

Os boateiros e os falsos boatos

O léxico Aurélio define boato como “notícia anônima que corre publicamente sem confirmação”. Alguns dos judeus ou até mesmo entre os cristãos judeus tinham espalhado boatos de que Paulo ensinava todos os judeus que estão entre os gentios a apartarem-se de Moisés, dizendo que não devem circuncidar seus filhos, nem andar segundo o costume da lei (At 21.21). A questão é que a notícia ou informação não era simplesmente anônima sem confirmação, ou seja, um boato, mas totalmente falsa.

Paulo, então, preocupado mais com o princípio da Lei e no relacionamento pessoal com os novos cristãos judeus, para não causar confusão submeteu-se a indicação e sugestão da liderança em Jerusalém de que para provar àqueles, que ele não advogava a abolição da Lei, deveria submeter a certa prescrição da lei. Qual seria a prescrição? Segundo o Comentário Bíblico Moody “havia quatro judeus que tinham feito voto de Nazireu. Isto costumava demorar trinta dias, mas eles haviam incorrido em alguma violação, o que os deixavam em condições de impureza cerimonial por sete dias (At 21.26,27). No final desse período, eles rapariam suas cabeças e ofereceriam certos sacrifícios de purificação a Deus. Os anciãos sugeriram a Paulo que ele se identificasse com esses quatro e praticasse o costume de pagar-lhes as despesas dos sacrifícios. Com isto provaria à Igreja judia que Paulo mesmo aceitava os costumes judaicos”.

Resumindo: Alguns judeus procedentes da Ásia, vendo Paulo no Templo, alvoroçaram todo o povo e lançaram mão dele. Acusaram que tinha introduzido um gentio no Templo. Incrível que sob a capa da religião existem pessoas com sentimento de ódio contra seu próximo. Os judeus odiavam tanto a Paulo que nutriam o sentimento de vingança e morte contra ele. Hoje, um pouco diferente, mas na mesma linha, infelizmente existem crentes que odeiam seu irmão, os da liderança preferem “colocar na geladeira” ou “queimar” seus desafetos. Perdão? É uma “coisa” só para a membresia! Além de faltar com a nobreza do caráter humano incorrem em erros gravíssimos, visto que, os discípulos de Cristo provam que amam a Cristo e a Deus amando e perdoando os demais irmãos (Jo 15.12; I Jo 4.20).          

Viagem à Roma

Paulo começou em Cesaréia (At 27.1) sua viagem de aproximadamente 3.200 km para Roma. Para evitar os mares abertos, o navio seguiu pela costa. Em Mirra, Paulo foi colocado em uma embarcação rumo à Itália. Chegou com dificuldade em Cnido; foi para Creta, desembarcando no porto chamado Bons Portos. A próxima parada era em Fenice, mas o navio foi arrebatado para o sul, contornando a ilha de Cauda, e ficou à deriva durante duas semanas, até que naufragou próximo à ilha de Malta. BÍBLIA DE APLICAÇÃO PESSOAL.
 

Naufrágio, regozijo e produtividade de Paulo

Quando Paulo foi preso, na Torre de Antonia, em Jerusalém, o Senhor apareceu a ele com as palavras: “E na noite seguinte, apresentando-se-lhe o Senhor, disse: Paulo, tem ânimo; porque, como de mim testificaste em Jerusalém, assim importa que testifiques também em Roma” (At 23.11). 

Ao saber de uma conspiração dos judeus para lhe tirar a vida, foi levado de noite à Antipátride e em seguida transferido à Cesaréia.

Minha reflexão sobre o assunto é que Deus está no controle de todos os acontecimentos da nossa vida e que, conforme disse o profeta, os pensamentos Dele é mais alto e sublime do que os nossos. Talvez Paulo pensasse em sua viagem à Roma de maneira diferente, tranqüila, com fins de visitar os irmãos da mesma forma como fazia como as demais igrejas (Rm 1.10,11). Porém aconteceu de forma conturbada e a contra gosto. Mas, em nenhum momento o ouvimos fazer perguntas a Deus de maneira inquiridora.

 O naufrágio aconteceu em Malta, onde a companhia do navio passou três meses. Finalmente outro navio deu-lhes a passagem para os 185,2 km até Siracusa, a capital da Sicília. Velejaram para Régio, finalmente soltando as âncoras em Puteóli. Paulo foi levado para a praça de Ápio (o Fórum da Via Ápia) e para Três Vendas (28.15), antes de chegar a Roma. BÍBLIA DE APLICAÇÃO PESSOAL.

Ao chegar a Roma esteve preso sob custódia de um soldado, contudo, não ficou a lastimar, praguejar contra Deus, sua fé não desfaleceu, muito pelo contrário, manteve seu objetivo de provar aos judeus, por meio das Escrituras, que Jesus era o Messias (At 28.23), confortou-se com a visita de Timóteo (Fp 1.1; Cl 1.1), de Tíquico (Ef 6.21), de Epafrodito (Fp 4.18), João Marcos (Cl 4.10) e Lucas (II Tm 4.11) e escreveu as denominadas “cartas da prisão”: Efésios, Filipenses, Colossenses, Filemom e II Timóteo. 

Paulo e os triunfalistas

Paulo não abraça um evangelho triunfalista, onde nunca se admite a existência de problemas.  Eis os motivos:

1) Vítima de boatos, teve de se submeter a pagar despesas pertinentes ao voto dos quatro homens (At 21.23,24) no ritual de purificação para entrar no Templo (Nm 6.9-20).
2) Quase é morto em Jerusalém pelos judeus enfurecidos que vieram da Ásia (At 21.28,29);
3) Foi acusado de proferir e ensinar palavras “contra o povo [insultar o povo judeu], contra a lei [Lei de Moisés], e contra este lugar [o Santo Templo de Jerusalém] ” além de introduzir gregos (gentios) no Templo. Entre outras palavras, todas as acusações eram mentirosas e Paulo todas as refutou.
4) Por pouco foi castigado com açoites pela guarda romana (At 22.24);
5) Quarenta judeus conspiraram e juraram não comerem alimento enquanto não matassem Paulo (At 23.12,13);
6) Por quatro vezes (At 23;24; 25; 25.18) enfrentou pressões emocionais tendo que responder, nos tribunais várias acusações diante de governadores (Félix e Pórcio Festo) e do rei Agripa.
7) A viagem para Roma foi cheio de aventuras perigosas: perigo de naufrágio, fome, tempestades, frio, presos amotinados no navio (At 27);
8) Ao desembarcar na ilha de Malta foi picado por uma serpente após recolher algumas varas de videiras para “alimentar” uma fogueira (At 28.2,3).
9) Ficou preso em Roma numa casa alugada, por dois anos, tendo em sua companhia um soldado romano. 
10) A tradição conta que Paulo foi executado em Roma em 64 A.D. ou pouco depois, quando Nero era o imperador.

Segundo o pastor Ciro Zibordi (leia aqui), “o termo ‘triunfalismo’ diz respeito à atitude excessivamente triunfante; ao sentimento exagerado de triunfo. É a mais perigosa dentre as influências filosóficas em análise, posto que os falsos mestres a propagam encobertamente entre nós (2Pd 2.1 e At 20.30)”. E “segundo a teologia do triunfo, o crente deve “decretar”, “determinar”, “profetizar” bênçãos materiais e espirituais — nessa ordem — para a sua vida, além de exigir a saúde física como um direito. Tudo gira em torno da fé, vista como a mais importante virtude da vida cristã. Mas isso não é a fé saudável, bíblica, e sim a egolátrica fé na fé. Conquanto precisemos de fé para agradar a Deus (Hb 11.6) e sejamos vencedores, em Cristo (Rm 8.37 e 1Co 15.57), essa virtude sem as obras é morta (Tg 2.17,24,26; 2Pd 1.5-9; Ef 2.8-10 e 1Co 13.2,13)”.
 
O final do livro de Atos

O livro de Atos em sua “conclusão” não responde a muitas perguntas que temos em nossas mentes, a começar pela prisão de Paulo. Conforme Atos 28.16, 30 ele morou em uma casa alugada e um soldado cuidava para que não fugisse: “E, logo que chegamos a Roma, o centurião entregou os presos ao capitão da guarda; mas a Paulo se lhe permitiu morar por sua conta à parte, com o soldado que o guardava” e o interessante é que podia receber pessoas e gozava de relativa liberdade: “E Paulo ficou dois anos inteiros na sua própria habitação que alugara, e recebia todos quantos vinham vê-lo”. Que fim teve a prisão de Paulo? Em que resultou o seu apelo a César (At 25.11)?

César tornou-se título para todos os imperadores romanos. O imperador (o César) do tempo de Paulo era Nero. Os doze imperadores romanos da história do mundo ocidental foram: Júlio César, Augusto, Tibério, Calígula, Cláudio, Nero, Galba, Óton, Vitélio, Vespasiano, Tito e Domiciano.

Paulo foi considerado culpado e executado, ou inocente e libertado? Segundo os estudiosos a implicação natural de Atos 28.30 é que após os dois anos, o apóstolo foi libertado da prisão e então partiu para uma quarta viagem missionária. Mais tarde, provavelmente e novamente foi preso em Roma e executado por Nero, quando nesta ocasião colocara a culpa do incêndio (em Roma) nos seguidores de Cristo.

A Bíblia de Aplicação Pessoal (CPAD) opina e sugere sobre o fim abrupto e inconcluso do livro de Atos dos Apóstolos: “Por que o livro de Atos termina tão abruptamente? Ele não trata apenas da vida de Paulo; tem como principal tema a divulgação das Boas Novas, que foram apresentadas. Aparentemente, Deus não considerou necessário que alguém escrevesse um livro adicional, descrevendo a continuação a continuação da história da Igreja Primitiva. Depois que o evangelho havia sido pregado em Roma, seria espalhado pelo mundo”.
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