Por
Gilson Barbosa
Os erros do sistema
de apelo ao pecador no culto público
Acredito
piamente que há um déficit teológico gigantesco no meio evangélico (entenda déficit
teológico como déficit doutrinário). Este é o primeiro erro entre os
evangélicos: dissociar doutrina bíblica de teologia. O segundo erro é associar teologia
com ensino e doutrina com pregação. Nos dois erros, ambas é uma coisa só. Mas,
infelizmente não é esse entendimento que prevalece. Para muitos, doutrina é
absolutamente distinta de teologia. Talvez seja essa a causa de tanta desordem
na igreja evangélica moderna. É como se a fonte da teologia fosse os livros e
não o Livro (a Bíblia Sagrada).
O
educador assembleiano Claudionor Correa de Andrade disse a mim, num email, que
“ensino e pregação não são excludentes; são complementares. Toda pregação
deveria constituir-se num sólido ensino. E todo ensino deveria ser visto como
uma proclamação da Palavra de Deus”. Hoje em dia em muitas escolas de teologia
se ensina uma coisa e no púlpito da igreja outra (ledo engano!). O resultado é
um conflito de ideias e desentendimentos entre docentes e o pastor da igreja.
Fiz
essa necessária introdução para lhes falar sobre um procedimento extremamente
comum nos cultos evangélicos: o sistema de apelo ao pecador. Esse assunto não
pode ser tratado com superficialidade ou omissão, isso porque, indagado pela
teologia/doutrina ele não se sustenta. A pergunta é: Qual a maneira do pecador
vir a Cristo? Preste muita atenção: não estou indo contra o convite para que o
pecador receba a Cristo como Salvador e Senhor. Temos vários textos onde o
pecador é instado a vir a Cristo.
Textos bíblicos
1
– “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei”
(Mateus 11:28);
2
- “O vós, todos os que tendes sede, vinde às águas, e os que não tendes
dinheiro, vinde, comprai, e comei; sim, vinde, comprai, sem dinheiro e sem
preço, vinho e leite” (Isaías 55:1);
3
– “E o Espírito e a esposa dizem: Vem. E quem ouve, diga: Vem. E quem tem sede,
venha; e quem quiser, tome de graça da água da vida” (Apocalipse 22:17).
Erros apresentado pelo sistema de apelo
1 – Entender que a
confissão pública é uma condição para a salvação e não um resultado da
salvação.
Acontece o mesmo erro na apresentação de candidatos ao batismo. A salvação dos
pecadores fica condicionada “ao levantar das mãos e vir à frente do púlpito”.
Se ele fez isso, então está salvo. Quem garante isso? Quer dizer: a vida eterna
da pessoa é avaliada de maneira externa a vista dos olhos humanos. Ao passar
dos dias o pecador que “levantou as mãos e veio à frente” não apresenta os
sinais da regeneração e os crentes ficam confusos, pois no seu entendimento
elas aceitaram a Jesus e estão regeneradas. A condição para a salvação é “vir a
Cristo”, e não “levantar as mãos ou vir à frente”.
2 – Fazer do “vir à frente”
ou “levantar as mãos” um mandamento bíblico. Jesus certa vez censurou os escribas
e fariseus com estas palavras: “Em vão, porém, me honram, ensinando doutrinas
que são mandamentos de homens” (Marcos 7:7). Você não encontrará na Escritura
Sagrada um ensinamento que aprove esse tipo de procedimento para diagnosticar
ou até mesmo valorar a salvação do pecador. Nem Jesus, nem os apóstolos instituíram
um sistema humano para confirmar ou sinalizar exteriormente a salvação. Não
consigo imaginar que a resposta de Paulo ao carcereiro – quando indagou o que
deveria fazer para ser salvo – fosse “levante a mão!”. Nesse item repousa a
teimosia evangélica de estabelecer métodos e sistemas não recomendados pela
Bíblia Sagrada. Se a Bíblia não prescreve algo é sensato não fazer.
3 – Quando “ir à frente” ou não implica em falsas compreensões - Este
ato tem trazido um falso entendimento ao pecador, pois um crê que fez algo bom,
próprio ou útil diante de Deus, outro, que desobedeceu a Deus simplesmente por
não ter ido à frente. Há pecadores que até mesmo pensam que pelo ato de “ir à
frente” ou “levantar as mãos” estão salvos. É comum pensar: “Agora que fui à frente,
estou salvo”. Este pensamento produz falsa segurança. Alguns pecadores acham
que estão sendo rebeldes contra Deus por não ter ido à frente, quando na
verdade não é isso que caracteriza a rebelião dos pecadores (Romanos 1:18-32). Os
próprios membros das igrejas pensam que o apelo é obrigatório no culto. Se o
pastor ou o pregador esquecer-se de fazer o apelo pode ser lembrado ou cobrado
pelos membros.
4 – Induz pregadores
a artimanhas no apelo
- O pior de tudo, humanamente, é alguns pregadores que usam a artimanha de
perguntar quantas pessoas não evangélicas estão presentes no culto, e ao
sinalizar levantando as mãos eles são constrangidos a irem à frente e “aceitar”
Jesus. Que convicção este pecador terá de que realmente recebeu a Cristo em sua
alma? A Bíblia não recomenda e nem relata esse procedimento de “vir à frente”
ou “levantar as mãos” para receber a salvação em Cristo. Hoje em dia quase
todos os pregadores usam os cânticos como meio de “conversão” no apelo. Quando
não, os usam para levar o povo a momentos externos de êxtase carismático ou
sobrenatural. É comum o uso repetido de determinados cânticos, a ponto de
entender que se cantar outro cântico o pecador não virá “a Cristo”.
5 – A busca de
resultados estatísticos – As
igrejas evangélicas tem cometido o erro fatal de condicionar a salvação em
resultados numéricos. Após o culto é comum o comentário entre os crentes: “Você
viu quantas pessoas aceitaram a
Cristo?”. Porém, eles mesmos ficam confundidos quando essas pessoas não
permanecem na fé ou não vem mais na igreja. Não conseguem compreender a
parábola do semeador. Nela, Jesus ensina sobre quatro tipos de terrenos, que tem
haver com a resposta da alma do pecador a mensagem evangélica (Mateus 13:1-23). O batismo também
tem sido considerado a partir de dados estatísticos. Não é tão importante a
convicção de fé na alma do pecador, quanto sua decisão de se batizar. Muitos
que vão à frente “pedir” o batismo, depois, não permanecem. O dado numérico buscado
a todo o custo, pelas igrejas, intelectualmente não consiste naturalmente em conversão
(regeneração) genuína e verdadeira, mas apenas na intenção numérica. Isso tudo
não passa de um autoengano ou um “faz de conta”. Os pregadores itinerantes se encarregam das piores
tolices, nesse quesito. É natural se sentirem envaidecidos ministerialmente pelo
fato de dezenas de pessoas “virem à frente”.
6 – O barateamento
da graça – A salvação
em Cristo é pela graça de Deus: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé;
e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se
glorie” (Efésios 2:8, 9). É um favor imerecido: “porque, se a justiça provém da
lei, segue-se que Cristo morreu debalde” (Gálatas 2:21). Trata-se de uma obra
sobrenatural processada na alma do pecador. Se há algo que a humanidade
pecadora merece, é a condenação eterna. O ser humano não pode apresentar
nenhuma obra que o qualifique a salvação, e esta, não tem nenhuma semelhança com
qualquer ato físico. Se o ato de crer em Cristo estivesse atrelado ao ato
físico todos que vem à frente teriam de permanecer em Cristo e consequentemente
na igreja local – o que não é verdade.
“Venha a Cristo
para ser salvo”
Quando
noto tudo isso, me entristeço e percebo o quanto as igrejas evangélicas se
distanciaram das práticas cultuais (litúrgicas) da igreja primitiva. Não basta confessar
com a boca, deve-se crer na alma: “A saber: Se com a tua boca confessares ao
Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos,
serás salvo” (Romanos 10:9). Não adianta chamar o pecador à frente e tentar
arrancar dele qualquer tipo de confissão evangélica. Só saberemos de fato se foi
regenerado à medida que permanece na fé e apresenta frutos de arrependimento ou
sinais da conversão: “E, vendo ele muitos dos fariseus e dos saduceus, que
vinham ao seu batismo, dizia-lhes: Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da
ira futura? Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento” (Mateus 3:7,8). O
convite para a salvação não perdeu o prazo de validade: “Vinde então, e argui-me,
diz o SENHOR: ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se
tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se
tornarão como a branca lã” (Isaías 1:18). Contudo, a genuína conversão não se
processa por um ato físico de “vir à frente” ou “levantar as mãos”.
Em
Cristo, com amor!