sábado, 30 de março de 2013

CRISTO DESCEU AO INFERNO PARA PREGAR?

Por Gilson Barbosa

Segundo o apóstolo Pedro, Cristo desceu ao inferno para pregar. Como explicar essa afirmação?

“Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito; no qual também foi, e pregou aos espíritos em prisão; os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava, nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela água” (1Pe 3.18-20).

A questão teológica à qual nos dedicaremos tem seu embrião em uma expressão extraída do Credo dos Apóstolos, onde uma cláusula supostamente afirma que Jesus foi crucifixus, mortuus et sepultus, descendit ad inferna, ou seja, que Ele foi crucificado, morto e sepultado; e que desceu ao inferno. É importante ressaltar que, por volta do século 5º, não havia a idéia de que Cristo desceu ao inferno, mas que simplesmente foi sepultado ou desceu à sepultura. Resumindo, a expressão descendit ad inferna não aparece no credo apostólico. Foi uma inserção feita posteriormente na frase “crucificado, morto e sepultado”.

A expressão “desceu ao infernonão se encontra nas Escrituras Sagradas, porém, para o desenvolvimento da idéia teológica, vamos nos prender à interpretação do texto bíblico. Os defensores da “descida de Cristo ao inferno” apóiam-se em textos como Atos 2.27, Romanos 10.6,7, Efésios 4.8,9, 1Pedro 3.18,19 e 1Pedro 4.6. Aqui, a nossa atenção será tributada ao texto bíblico de 1Pedro 3.18-20.

Para que a nossa análise seja mais compreensível e didática, apresentaremos as dificuldades apresentadas no contexto que afirma que Jesus realmente desceu ao inferno entre sua morte e ressurreição e que pregou aos espíritos ali. Há, no mínimo, três pontos difíceis de se aceitar, por serem contraditórios com todo o contexto das Escrituras. Vejamos:

Em primeiro lugar, esse posicionamentomargem para a idéia de que há uma segunda oportunidade de salvação após a morte, o que é antibíblico. Caso Jesus tivesse descido e pregado no Hades, essa pregação, pelo texto de Pedro, teria se destinado apenas àqueles que foram desobedientes nos dias de Noé. Os espíritos que teriam recebido as palavras de Jesus seriam “os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava, nos dias de Noé”. Daí surge uma questão difícil: como ficaria a situação dos outros sem salvação que viveram antes e após os dias de Noé? A segunda oportunidade proporcionada pela pregação marginalizou todos os demais espíritos?

Há uma outra interpretação corrente que ensina que essa pregação teria sido uma “proclamação de vitória” e não uma pregação evangelística, mas, mesmo assim, o problema permanece. Por que Cristo teria proclamado a vitória somente aos rebeldes dos dias de Noé? Por que não a todos? Contrastando esse ensino com as Escrituras, temos que “aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo” (Hb 9.27). A alma do destinado se fixa inamovível no local onde se encontra: “E, além disso, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tampouco os de passar para ” (Lc 16.26).

Em segundo lugar, há uma linha de pensamento que acredita que os “espíritos em prisão” seriam os anjos decaídos. Nesse raciocínio, Cristo teria proclamado “aos espíritos em prisão” a derrota dos poderes satânicos. Em verdade, o contexto não trata de demônios, mas, sim, de pessoas (v. 14,16). Como transformar tais pessoas em espíritos demoníacos? Qual é a base contextual para isso? O texto diz que os desobedientes estavam nesse estado (desobediência) enquanto Noé construía a arca, o que descarta a idéia das hostes demoníacas.

Em terceiro lugar, alguns estudiosos entendem que como a obra redentora de Cristo não havia se realizado até então, Jesus teria descido ao Hades a fim de proclamar a vitória e a libertação aos santos do período do Antigo Testamento. Mas como já vimos, a pregação não foi dirigida a todos esses santos, mas somente aos contemporâneos de Noé, os quais, aliás, não eram “santos”, não eram pessoas devotadas a Deus. Além disso, temos base para acreditar que o sacrifício de Cristo na cruz do Calvário teve eficácia retroativa e que os santos do Antigo Testamento, quando morriam, iam para a presença de Deus no céu. Assim, essa suposta pregação de Cristo seria desnecessária: “Far-me-ás ver a vereda da vida; na tua presençafartura de alegria; à tua mão direitadelícias perpetuamente” (Sl 16.11).

Contestamos todas essas interpretações para nos aliarmos àquela que consideramos mais coerente. Estamos nos referindo à interpretação proposta por Agostinho. Primeiramente, o filósofo cristão entendia a passagem no seu âmbito contextual, levando em conta a pregação de Noé aos contemporâneos desobedientes. Esse entendimento e consideração são importantes, pois o esquecimento desse contexto é a “pedra de tropeço” das interpretações desconexas já analisadas. Para Agostinho, Cristo atuou “em espíritoouespiritualmentena e com a pregação de Noé. Assim, Cristo teria pregado aos rebeldes na própria época do patriarca e por intermédio dele. Wayne Grudem declara que “esse entendimento do texto parece, de longe, a solução mais provável para essa passagem intrigante [...] o texto fala, antes, de algo que Cristo fez sobre a terra no tempo de Noé”.[i]

Esse pensamento encontra respaldo e analogia no mesmo livro do apóstolo Pedro, nesta outra declaração: “Da qual salvação inquiriram e trataram diligentemente os profetas que profetizaram da graça que vos foi dada, indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir” (1Pe 1.10,11). Nesse texto, observamos como fica clara a ação do Espírito de Cristo por intermédio dos profetas: “o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava...”.

Mas fica, ainda, uma última pergunta: “Se Cristo pregou aos contemporâneos de Noé, por meio de Noé, por que Pedro diz que Cristo pregou aos espíritos em prisão?”. Será que tais pessoas estavam presas à época de Noé? Que prisão seria essa? O apóstolo Pedro diz que Cristo pregou aos  “espíritos em prisão, os quais noutro tempo foram rebeldes”. Há, na sentença, dois tempos distintos: o passado, expresso na época de Noé, e o presente, expresso no momento da composição da carta de Pedro. Então, a interpretação seria a seguinte: que Cristo pregou aos que noutro tempo foram rebeldes, mas que estavam, agora, na condição de espíritos em prisão, no inferno.




[i] GRUDEM, Wayne. Teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, p. 494.
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quarta-feira, 27 de março de 2013

PIERCING E TATUAGENS*

Por Rosivaldo Sales


                                                       

Não existe nenhum texto bíblico que proíba clara ou explicitamente o uso de piercing e de tatuagem. Citar Lv18.29 e I Co 6.19, 20 como textos bíblicos que o condenam ou citar Gl 6.17 e Ap 19.16 como textos que o aprovam é torcer as sagradas Escrituras.


Mas sabemos que a Palavra de Deus nos orienta não apenas por mandamentos ou proibições explícitos. Ela nos orienta também por princípios. Há muitas coisas a respeito das quais não encontramos nas Escrituras orientações específicas, mas é fato que nem por isso devemos nos lançar às especulações ou sugestões humanas, porque certamente seremos instruídos pela Bíblia através de princípios. Portanto, estudemos os princípios pelos quais a Escritura nos orienta a respeito desse assunto tão controverso:

1.      Devemos glorificar a Deus em nossos corpos. Isto significa que nossa aparência exterior deve ser um público testemunho de piedade (Rm 12.1, 2; I Co 6.19,20; II Co 1.12; Fp 1.20; I Tm 2.2, 10; II Tm 3.12; II Pe 3.11).

2.      Devemos fazer somente as coisas que são honoráveis e respeitáveis aos olhos de todos os homens, obedecendo a Deus em tudo o que fazemos (Rm 12.7; Fp 4.8; At 4.19; 5.29).

3.      Não devemos nos engajar em comportamentos de luxúria e licenciosidade impostos pelo mundo (Rm 6.12; II Co 12.21, 22; I Jo 2.15-17; Jd v.4).

4.      Não devemos nos envolver em comportamentos questionáveis (Rm 14.23; I Co10.32; I Ts 5.21-23).

5.      Querer justificar o uso do piercing ou da tatuagem colocando-os em locais que as pessoas que não são do nosso relacionamento mais íntimo não possam ver, só expõe a nossa inclinação à superstição ou à idolatria(At 17.22, 23; I Co10.14;I Jo 5.21).

I. A aplicação dos quatros princípios.

1.      Perfurações do corpo discretas [e de bom gosto]:

A perfuração discreta do corpo, tal como a perfuração de bom gosto que as mulheres fazem em suas orelhas, é considerada por toda a sociedade [brasileira, de hoje] como um adorno perfeitamente tolerável para mulheres crentes piedosas [dedicadas a Deus]. Tal perfuração em si mesma não é associada com nenhum mal. Pelo menos enquanto e onde os brincos de argola nas orelhas não representam nem comunicam algo pecaminoso, as orelhas perfuradas são aceitáveis para a mulher piedosa, e não trazem vergonha nenhuma ao nome de Deus.

2.      Perfurações do corpo que são extravagantes – sensuais - rebeldes:

Por outro lado, uma significativamente grande parcela da sociedade brasileira de hoje acredita que as perfurações do corpo (à exceção das discretas perfurações de bom gosto das orelhas femininas) refletem um estilo de vida licencioso, insubordinado, desordenado, depravado e pervertido. Estas perfurações foram popularizadas na segunda metade do século XX por pessoas dentre a cultura pop conhecidas por seus pecaminosos, depravados, pervertidos estilos de vida. Por causa das conotações pecaminosas associadas com estas perfurações, este comportamento é questionável, na melhor das hipóteses (Rm 14.23; ITs 5.21-23).

3.      As Tatuagens:

As tatuagens eram populares na primeira metade século XX, entre os militares e outros grupos, geralmente refletindo um estilo de vida de farras e orgias e bacanais. Mais tarde, os membros de quadrilhas e gangs, e os rappers, e algumas celebridades começaram a adotar tatuagens como um sinal de um estilo de vida licencioso.

Por causa das conotações pecaminosas associadas com tatuagem, os cristãos devem também se abster deste comportamento, que é questionável na melhor das hipóteses (Rm 14.23; I Ts 5.21-23). Muitas pessoas querem justificar o uso da tatuagem nos casos delas apresentarem símbolos cristãos como a cruz e o peixe ou textos das Escrituras. Ainda outras alegam como justificativa para sua tatuagem o fato delas apresentarem o nome ou imagem de entes queridos. Mas a verdade é que, no primeiro caso prevalece o princípio de que os fins não justificam os meios, e no segundo, tal atitude representa o risco da inclinação para a idolatria.


4. O argumento de que a cultura e a sociedade estão em constantes mudanças.

Alguém pode dizer que a cultura e a sociedade mudaram, e pode argumentar que a perfuração e a tatuagem do corpo não mais têm, hoje, as conotações licenciosas e insubordinadas, desordenadas, depravadas e pervertidas que tinham alguns anos atrás. Pode argumentar que a opinião da sociedade sobre a perfuração e a tatuagem do corpo mudou.

Bem, é verdade que a sociedade muda e que os estilos mudam. Mas, hoje, o estilo de vida que os olhos de pelo menos alguns [bons] homens associam com a perfuração e com a tatuagem do corpo pelos jovens é o estilo de vida rebelde e licencioso. Cem anos no futuro, pode não mais o ser. Mas, por agora, a mensagem que uma pessoa emite a pelo menos algumas pessoas, quando tatua e perfura seu corpo, é uma mensagem de piedade [dedicação ao Senhor] muito questionável. Um corpo perfurado ou tatuado ainda freqüentemente associa a pessoa com a licenciosa cultura pop que continua a impor esses comportamentos em nossa sociedade.

Uma vez que aos verdadeiros crentes não é permitido se engajarem em comportamentos questionáveis, e uma vez que a perfuração (à exceção das discretas perfurações nas orelhas femininas) e a tatuagem do corpo são religiosamente questionadas por muitos em nossa sociedade, devemos concluir que a perfuração e a tatuagem do corpo devem ser evitadas pelos verdadeiros cristãos.

II. Alguns conselhos práticos:

Além dos princípios que nos são apresentados pelas Escrituras, também é importante observar algumas questões práticas da vida que também nos servem como orientação.

1.      Frequentemente surgem doenças resultadas da tatuagem e da perfuração do corpo:

Doenças mortais transmitidas pelo sangue podem resultar de tatuagem e de perfuração do corpo (a AIDS, a hepatite, o tétano, a tuberculose, etc.).

Um estudo feito pelo Dr. Bob Haley e pelo Dr. Paul Fischer descobriu que as tatuagens feitas em ambientes comerciais resultam em mais de duas vezes o número de infecções por hepatite C que decorrem do uso de drogas através de injeções. E as pessoas que foram tatuadas em uma sala comercial de tatuagem são nove vezes mais prováveis de infectar-se com a hepatite C do que alguém que não é tatuado.

2.      A questão de ter que lidar com o arrependimento tardio.

Converse com algumas pessoas idosas que têm estado com tatuagens desde que eram novas. Com muito cuidado para não as ofenderem, olhe bem para a tatuagem e observe que ela está desvanecida e não parece tão bem quanto uma tatuagem nova. Tente imaginar uma tatuagem em você, quando você for velho. Como parecerá quando ela estiver desvanecida e sua pele estiver esticada e desgastada?

Pergunte à pessoa idosa, "Se você fosse novo outra vez, e você estivesse pensando sobre fazer uma tatuagem, você a faria?" Muitos lhe dirão "Não." Algumas mesmo lhe dirão que desejam que suas tatuagens pudessem ser tiradas fora.

A perfuração do corpo é um comportamento muito novo no mundo desenvolvido, assim eu duvido que você pode falar com pessoas idosas que tiveram partes de seus corpos perfuradas por cinqüenta anos. Mas, você pode olhar retratos dos povos nas nações do terceiro mundo [como os índios botocudos do Brasil] que praticaram a perfuração do corpo por gerações e gerações. Nos retratos, olhe para a pele esticada e desgastada das pessoas velhas e observe que as perfurações se desfiguraram, em conseqüência de sua pele que torna-se velha, enrugada e flácida. Imagine como é que seu corpo perfurado parecerá em seus anos idosos, quando sua pele for esticada e estiver enrugada e flácida em resultado dos trabalhos de parto ou da perda do tônus muscular. Pergunte-se, "Como eu parecerei com perfurações do meu corpo frouxas e cedendo e penduradas, quando eu tiver oitenta anos de idade?”. 

3.      Perfurações e tatuagens do corpo são permanentes:

Olhe retratos de seus pais e avós quando eram de sua idade. Seus estilos do cabelo e da roupa eram muito diferentes quando eram jovens. Como seus pais e avós se sentiriam se tivessem que usar hoje, os mesmos estilos que usaram há vinte ou quarenta ou mais anos atrás? Esta é a maneira que você pode sentir quando a perfuração do corpo e tatuagem saírem de moda. Na maioria dos casos, as tatuagens e as perfurações do corpo são permanentes. “Há um número de pessoas que fez isto [tatuagem e/ou piercing] e que disseram: 'Puxa, isto não é o que eu quero. O que realmente parece importante aos 17 ou 20 anos pode não parecer assim tão importante aos 30," disse o Dr. Brian Kinney, um cirurgião plástico de Los Angeles e porta voz da Sociedade Americana De Cirurgia Plástica E Estética.

Profissionais (desde os “artistas” que criam tatuagens até os doutores que as removem) dizem que a melhor estratégia é, em primeiro lugar, não deixar fazer em si tatuagens sem pensar no futuro. O conselho deles: Pense. [Por exemplo:] Daqui a uma década, você tem certeza de que ainda gostará de ter, espalhadas em suas costas, as iniciais da fraternidade de que você faz parte [na universidade]?

As profissões que cuidam da saúde estão tentando desenvolver novos métodos da remoção de tatuagem. Mas, presentemente, não temos um método que remova totalmente uma tatuagem. E os métodos comuns de remoção de tatuagem são frequentemente [falhos], dolorosos e caros.

4.      O que fazer com as tatuagens já existentes?

Existem pessoas que ao descobrir que de acordo com os princípios bíblicos o uso da tatuagem é reprovado por Deus, se desesperam, pois já fizeram uma ou mais tatuagens em seus corpos e passam a questionar até mesmo a legitimidade de sua salvação. Quanto a isso, afirmamos que a salvação não está fundamentada naquilo que uma pessoa fez ou deixou de fazer, mas nos méritos de Cristo (At 4.12; Hb 5.9). Portanto, em relação ao nosso passado, devemos agir do mesmo modo que agia o apóstolo Paulo (Fp 3.12-14) e crer que, em Cristo, tudo se fez novo (II Co 5.17).

Conclusão:

Ao examinar o material providenciado bondosamente pelo amado irmão Marcel para que eu estudasse visando a preparação desta parte da palestra, fiquei surpreendido com o número de pessoas que se dizem cristãs e o número de igrejas que se auto afirmam evangélicas e ao mesmo tempo defendem acaloradamente o uso de piercing e de tatuagens. Estarrecido diante de tal realidade, achei interessante o comentário de um determinado pastor:

 “Ora, que tipo de cristianismo estamos vivendo? Um cristianismo arbitrário que escolhe aquilo que é bom e aquilo que é ruim conforme a moda, que diz não ao incenso, mas diz sim ao mantra “gospelizado”, que diz não a música secular, mas sim aos filmes seculares que usam essas mesmas músicas como tema? Aí quando queremos incorporar uma nova mania espiritualizamos tudo e dizemos: “Vamos resgatar o que o diabo nos tomou, e agora vamos fazer isso ou aquilo”.

“A hipocrisia já atingiu faz muito tempo o ápice dentro da igreja como instituição. Igreja que a cada momento ‘resgata’ alguma coisa das mãos do diabo. “Resgataram” o rock e o tornaram espiritual, “resgataram” a dança e a tornaram profética, “resgataram” a guitarra e a tornaram ungida, “resgataram” as festas à fantasia e a tornaram momento de comunhão... resgataram o piercing e a tatuagem e os transformaram em expressão da liberdade cristã, só esqueceram de resgatar o homem e dar-lhe a chance de ser chamado, Filho de Deus”.

*Estudo proferido numa das reuniões da Igreja Evangélica Congregacional

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terça-feira, 19 de março de 2013

POR QUEM CRISTO MORREU? (2ª Parte)

Por Gilson Barbosa

Não devemos fundamentar a salvação das pessoas tendo como base sentimentos e emoções humanas. Querer que todos se salvem não é o mesmo que a salvação de todos. Dizer que a expiação de Cristo tem poder ou é suficiente para salvar a todos, mas salva apenas algumas pessoas, é um ponto que todos concordam. A questão não está no alcance da obra de Cristo ou em seu valor, mas no propósito ou objetivo da vinda de Cristo neste mundo. Afirmar também que a expiação de Cristo é eficiente para salvar somente alguns com base na fé deles não resolve o dilema. Pensar assim é viver um contraditório e interminável ciclo confuso.

Expiação limitada ou ilimitada

Enquanto os arminianos creem que Cristo morreu por todos e cada pessoa indistintamente (universal ou limitada), os calvinistas creem que o propósito de Cristo na expiação tem por objetivo assegurar a salvação apenas dos eleitos de Deus (intencional ou ilimitada). Antes que alguém diga que esse entendimento calvinista é mais filosófico do que teológico, eis as provas bíblicas:
           
               Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas. (João 10:11);

            Vós, maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela, para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível. (Efésios 5:25-27)

            Olhai, pois, por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue. (Atos 20:28)

            Porque isto é o meu sangue, o sangue do novo testamento, que é derramado por muitos, para remissão dos pecados. (Mateus 26:28)

            Nem considerais que nos convém que um homem morra pelo povo, e que não pereça toda a nação. Ora ele não disse isto de si mesmo, mas, sendo o sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus devia morrer pela nação. E não somente pela nação, mas também para reunir em um corpo os filhos de Deus que andavam dispersos. (João 11:50-53)

            Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos não dará também com ele todas as coisas? Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem é que condena? Pois é Cristo quem morreu, ou antes quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós. (Romanos 8:32-34)

            Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste; eram teus, e tu mos deste, e guardaram a tua palavra. Agora já têm conhecido que tudo quanto me deste provém de ti; Porque lhes dei as palavras que tu me deste; e eles as receberam, e têm verdadeiramente conhecido que saí de ti, e creram que me enviaste. Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus. (João 17:6-9)

            E por isso é Mediador de um novo testamento, para que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia debaixo do primeiro testamento, os chamados recebam a promessa da herança eterna. (Hebreus 9.15)

            E cantavam um novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro, e de abrir os seus selos; porque foste morto, e com o teu sangue compraste para Deus homens de toda a tribo, e língua, e povo, e nação. (Apocalipse 5.9)

Estes versículos apontam que Cristo morreu intencionalmente para salvar uma determinada classe de pessoas, ou seja, sua igreja, seu povo. Mas, verdadeiramente há alguns versículos que parecem afirmar que Cristo morreu por “todos” ou para “salvar o mundo”. É necessário analisá-los para aplicarmos corretamente.

O significado bíblico de “mundo”

O fato de algumas passagens bíblicas, a respeito da morte de Cristo, trazer as expressões “mundo” e “todos” deduziu-se daí o entendimento de que Cristo expiou os pecados de toda a humanidade. No entanto, um exame cuidadoso destas palavras poderá dar o significado preciso. Nem sempre uma coisa é o que parece ser e às vezes determinadas interpretações bíblicas não passam de literalismo. Geralmente os equívocos a respeito das doutrinas, onde as expressões são enunciadas, desconsideram os contextos imediato ou amplo. 

Por exemplo, a palavra mundo pode significar: 1º) O universo ordenado, que é seu sentido clássico; 2º) a própria terra; 3º) designa os habitantes humanos da terra; 4º) a humanidade sujeita ao juízo do Criador, e alienada dele, no sentido ético; 5º) o povo que estava ao redor de Cristo, tanto gentios como judeus; 6º) pode significar o reino de forças más, tanto de natureza angélica (maligna) como de natureza, relacionado com a terra; 7º) classes de homens de toda a tribo e nação, mas não de todas as tribos e nações, em sua totalidade. (TULIP, Os cinco pontos do calvinismo à luz das escrituras, pg 42, 43). 

Forçar o significado de “mundo” para que tenha apenas o sentido de “todas ou cada pessoa que vive sobre a terra” é violentar a gramática. Isso está muito claro, por exemplo, em Lucas 2:1: “Naqueles dias, foi publicado um decreto de César Augusto, convocando todo o mundo para recensear-se”. Como diz Sproul esse censo não incluía os habitantes da China ou América do Sul, “portanto todo mundo não se refere a todas as pessoas no mundo inteiro”.

Os fariseus desanimados porque muitas pessoas davam atenção à Cristo disseram: “Vede que nada aproveitais! Eis aí vai o mundo após ele”. A expressão “mundo” aí se trata das pessoas que estavam ao redor de Cristo. 

Versículos com a expressão “mundo”

        Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. (João 3:16)

Assim, a expressão de que “Deus amou o mundo de tal maneira” refere-se a “homens de todas as tribos e nações”, ou seja, nacionalidades, gerações e classes de pessoas, e não significa “toda a humanidade ou cada pessoa”. Entender que Deus amou o mundo, mas que algumas pessoas não serão salvas ou a realidade daquelas que estão no inferno, faz deste amor um sentimento sem sentido, inexpressivo e frustrante à própria Divindade. Não faz nenhum sentido dizer que ele amou o mundo e depois verificar que o resultado deste amor universal não teve eficácia para salvar a todos. Ele amou a todos, mas nem todos serão objetos deste amor? Como pode ser isso?   

Outros versículos onde a palavra “mundo” aparece:

              No dia seguinte João viu a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. (João 1:29)

            E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo. (I João 2:2)

                 Isto é, Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados; e pôs em nós a palavra da reconciliação. (II Coríntios 5:19)

            E diziam à mulher: Já não é pelo teu dito que nós cremos; porque nós mesmos o temos ouvido, e sabemos que este é verdadeiramente o Cristo, o Salvador do mundo. (João 4:42)

O dilema judaico no âmbito religioso 

Como entender esses versículos? Não estariam afirmando que Cristo expiou os pecados de toda humanidade? A explicação é a seguinte: Não podemos desconsiderar o endereçamento dos livros bíblicos (os destinatários originais) e a importância dos judeus dentro do plano salvífico do Senhor. Recorde que Jesus disse à mulher samaritana que a salvação provinha dos judeus (João 4:22). No capítulo 3 de Romanos o apóstolo Paulo advertiu os judeus sobre o orgulho religioso deles, após declinar a calamitosa situação dos gentios (Romanos 1). Para os judeus religiosos a salvação era uma realidade apenas nacional. Para serem salvos, todas as demais pessoas tinham de se “converter” ao judaísmo. Foi por isso que aconteceu o primeiro Concílio da igreja primitiva, em Atos 15 – para tratar e corrigir esses tipos de questionamentos.

Entretanto, o propósito de Deus para a salvação sempre foi a reunião de todos os povos, línguas e nações (Apocalipse 5:9). Isso estava além do entendimento  e da aceitação dos judeus. Porém, o evangelho de Cristo teria de ser anunciado não somente em Jerusalém, mas em toda a Judeia, Samaria e até aos confins do mundo (Atos 1:8). Alguns apóstolos dedicaram suas vidas na pregação do evangelhos aos seus patrícios judeus, tais como Pedro e João. Outros, como Paulo, era um apóstolo dos gentios (Atos 9:15; 15:3; Romanos 3:29; 11:11). Agora que o evangelho estava sendo pregado as demais nações e estrangeiros estavam se convertendo a Cristo pela pregação apostólica muitos judeus se ressentiram deste fato. Leia Efésios 2:11-17 e entenda o propósito de Deus em unir judeus e gentios no plano glorioso da salvação:

            Portanto, lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis gentios na carne, e chamados incircuncisão pelos que na carne se chamam circuncisão feita pela mão dos homens; que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo. Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto. Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derrubando a parede de separação que estava no meio, na sua carne desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças, para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz, e pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades. E, vindo, ele evangelizou a paz, a vós que estáveis longe, e aos que estavam perto.

Judeus e gentios: um só corpo

Desta forma os versículos que trazem a expressão “mundo” objetiva mostrar aos judeus daquela época que a igreja de Cristo era constituída de judeus e gentios, e por mais que a salvação fosse apresentada primeiramente a Israel (Mateus 10:6) o objetivo de Deus era que o evangelho alcançasse o mundo todo (Mateus 28:19). Este fato nada tem haver com cada pessoa particularmente, mas com povos, tribos, línguas e nações. Leia os versículos acima – onde aparece a palavra “mundo” – com esse pano de fundo e você entenderá corretamente o uso da expressão.

Na obra teológica de Alan Myatt & Franklin Ferreira (Editora Vida Nova) há uma importante menção deste fato:

            Uma das razões para o uso dessas expressões era corrigir a noção falsa de que a salvação era apenas para os judeus. Frases como “o mundo”, “todos os homens”, “todas as nações”, “toda a criatura”, eram usadas para corrigir esse erro. Essas expressões eram usadas para mostrar que Cristo morreu para todos os homens sem distinção (isto é, Ele morreu tanto para judeus como para gentios), mas elas não pretendem indicar que Cristo morreu por todos os homens sem exceção (isto é, Ele não morreu com o propósito de salvar todo e qualquer pecador perdido).

A salvação é obra exclusiva de Deus

Não esqueça que o valor da morte de Cristo poderia expiar os pecados de todo o mundo, nisso concordam arminianos e calvinistas, mas, uma vez que nem todos são salvos segue-se que a eficácia da morte de Cristo foi somente para aqueles a quem o Senhor elegeu (conforme os versículos citados nesta postagem). A questão não é de valor, mas de proposito, objetivo. 

Deixar a salvação nas mãos dos homens é pura perda de tempo e muito arriscado. A salvação vem do Senhor. É do Senhor. É obra da graça. Nisso não há nenhum mérito humano – ainda mesmo a fé produzida a esmo pelo pecador (segundo o entendimento arminiano).

            Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie. (Efésios 2:8,9)

Somente a Deus seja a glória!

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segunda-feira, 11 de março de 2013

POR QUEM CRISTO MORREU? (1ª parte)

Por Gilson Barbosa

A morte de Cristo teve como propósito (entre outros) salvar as pessoas do pecado. Ele próprio disse que a finalidade da sua vinda neste mundo foi dar a sua vida em resgate por muitos (Marcos 10:45). A vida de Jesus, oferecida em nosso favor, foi o preço pago para a libertação dos nossos pecados e da condenação eterna. Os comentários bíblicos informam que o termo "resgate" se refere ao preço pago para libertar alguém da escravidão ou da prisão. Isso aconteceu conosco. Até aqui tudo bem. Parece que todos concordamos, porém, quando tratamos da extensão da morte expiatória de Cristo aos pecadores, as polêmicas se iniciam.     

Compreensões sobre a expiação de Cristo 

Sobre a expiação de Cristo temos três teorias: universalista, arminiana ou particularista e a calvinista. A pergunta histórica que não se cala é: "Cristo morreu somente pelos eleitos ou por todas as pessoas?". Os universalistas respondem que Cristo assegurou salvação para todos. Os arminianos defendem uma tese denominada de particularismo, ou seja, nem todas as pessoas são salvas, mas as que respondem à oferta do evangelho com fé, são. Os proponentes da teologia reformada afirmam que Cristo morreu somente pelos eleitos.

Logo de "cara" temos facilidade de rejeitar a tese universalista. Não é possível que Deus garanta a salvação de todas as pessoas. O ponto polêmico é a teoria arminiana que diz que cada criatura decaída é deixada com a capacidade de escolher a Cristo. A questão é que se a morte de Cristo salva algumas pessoas, por que não salvar todas as demais? Neste caso, a morte de Cristo é vista como mera potencialidade. R.C. Sproul disse que na teoria particularista "Cristo teria morrido em vão. Ele teria sido um salvador potencial de todos, mas um salvador real de nenhum".   

Os arminianos dirão que as pessoas que são salvas se apropriam dos benefícios da expiação salvadora em Cristo por meio da fé ao responderem positivamente à oferta do evangelho. Mas se a fé é algo que o pecador particularmente exerce para a salvação, por que os demais não chegam a ter a mesma fé? Com que base Deus aceita a fé de uns e de outros não? E se uns conseguem a fé para a salvação por que Deus ficaria olhando passivamente para a condenação dos que não conseguem ter fé e não age? Para o arminiano a fé é uma das bases da redenção, e não uma condição. Sproul diz que neste caso "a fé se torna violentamente uma obra porque sua presença ou ausencia em um pecador determina a eficácia da obra de Cristo de satisfação por essa pessoa"

A tese calvinista ("Cristo morreu para expiar os pecados somente dos eleitos") tem escandalizado muitas pessoas. Ela está contida no terceiro ponto da TULIP, que é a Expiação Limitada. Antes que apresente este ponto vale informá-los que John Owen apresentou algumas razões porque a defesa de que Cristo morreu para expiar os pecados de todas as pessoas é falha: 

1 - Parece tornar Deus "mais atraente", se dizem que a morte de Cristo foi por todos;
2- Parece tornar o amor de Deus "maior", se dizem que Ele ama todas as pessoas igualmente;
3 - Parece tornar a morte de Cristo de "maior valor", se podem dizer que ela foi um pagamento pelos pecados de todos;
4 - A Bíblia parece usar as palavras "o mundo" e "todo" como se significassem "todas as pessoas";
5 - Alguns podem apenas querer dizer que a morte de Cristo foi por todos, para que eles possam ser incluídos, embora não queiram mudar a maneira ímpia como estão vivendo. 

Há uma tentativa por parte dos universalistas, semipelagianos e arminianos de atenuar o impacto que as proposições a respeito da expiação limitada tem produzido. Deve ser por isso que notamos tanta falta de regeneração e conversão dentro do evangelicalismo moderno. Na próxima postagem estarei apresentando os textos bíblicos que comprovam que Cristo morreu somente pelos seus eleitos e não por todos. 

No amor de Cristo, 
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sexta-feira, 8 de março de 2013

HÁ NOVAS REVELAÇÕES?


Por João Calvino

Aqueles que negligenciam as Escrituras, e procuram revelações novas, transtornam todos os princípios da piedade.

Certos homens tolos surgiram recentemente, os quais orgulhosamente fingem ser guiados pelo Espírito e desprezam a simplicidade daqueles que ainda se apegam à “letra morta – letra que mata”. Gostaria que me dissessem qual é o espírito cujo sopro os leva a uma altura tão estonteante para que ousem menosprezar a doutrina das Escrituras como sendo infantil e desprezível.

Se responderem que é o Espírito de Cristo, quão absurda é a presunção! Eles mesmos devem reconhecer que os apóstolos e os crentes primitivos foram iluminados por aquele Espírito; no entanto, nenhum deles aprendeu dEle a desprezar a Palavra de Deus; mas todos a consideravam com a mais profunda reverência. E isto concorda com a predição de Isaías: “O meu Espírito, que está sobre Ti e as minhas palavras, que pus na tua boca, não se desviarão da tua boca nem da boca da tua posteridade, nem da boca posteridade da tua posteridade, diz o Senhor, desde agora e para todo o sempre” (Is 59.21).

O profeta predisse, portanto, que no reino de Cristo seria a mais alta felicidade da Sua Igreja ser guiada tanto pela Palavra quanto pelo Espírito de Deus. Logo, concluímos que estes zombadores ímpios separam aquilo que o profeta juntara por um vínculo sagrado. Além disso, embora Paulo tenha sido arrebatado até o terceiro céu, não cessou de fazer uso proveitoso da lei e dos profetas, e exortou a Timóteo a dar a atenção à leitura. Ademais, ele atribui honra singular às Escrituras ao dizer que são úteis: “para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.16,17).

Certamente é o máximo da maldade e da loucura atribuir um uso rápido e temporário àquelas Escrituras que guiam os filhos de Deus até o fim da sua viagem. Aqueles fanáticos teriam bebido de um espírito diferente daquele que o Senhor prometeu aos Seus próprios discípulos? Um que não falaria de Si mesmo, mas sim relembraria o que o próprio Cristo ensinara verbalmente. Portanto, não é papel do Espírito prometido dar revelações estranhas e esquisitas, ou fabricar algum novo tipo de doutrina para nos desviar do evangelho que recebemos; pelo contrário, a função do Espírito é selar em nossos corações aquela mesma doutrina que o evangelho de Cristo nos entregou.

É claro, portanto, que os que desejam receber proveito e bênção do Espírito de Deus devem ser diligentes em ler as Escrituras e em ouvir sua voz. Assim sendo, Pedro recomenda o zelo daqueles que prestam atenção à palavra da profecia, embora os escritos dos profetas pudessem ter sido considerados ultrapassados, 'pela nova luz do evangelho’ (2Pe 1.19). Se, por outro lado, alguém descarta a sabedoria da Palavra de Deus e impinge sobre nós uma outra doutrina, podemos suspeita-lo, com justiça, de ser vaidoso e falso. O próprio Satanás se transforma em anjo de luz; como, pois, podemos curvar-nos diante da autoridade de qualquer espírito, a não ser que seja evidenciado por algum sinal como sendo o Espírito de Deus? Este sinal se manifesta na medida em que concorda com a Palavra do Senhor. Todavia, estes infelizes deliberadamente se desviam para sua própria ruína, procurando orientação do seu próprio espírito ao invés do Espírito do Senhor.

Argumentam que é uma indignidade ao Espírito de Deus que Ele – Ele que está acima de todas as coisas – seja sujeito às Escrituras. Mas, pergunto, é um desonra ao Espírito Santo ser em todas as instâncias o que Ele é – sempre consistente, sempre imutável? Se, na realidade, procurássemos testar o Espírito por qualquer regra estabelecida pelos homens ou pelos anjos, haveria certa força nesta acusação para desonra-lo; mas se O compararmos com Ele mesmo, como se pode dizer que O estamos desonrando? A verdade é que o Espírito se alegra em ser reconhecido pela semelhança que tem com Sua própria imagem imprimida por Ele sobre as Escrituras. Ele é o Autor das Escrituras e não pode mudar; logo, sempre deve permanecer tal qual Se revelou ali.

Quanto à objeção capciosa de que estamos escravizados à letra que mata, os que empregam tal linguagem são culpados de desprezarem a Palavra de Deus. Quando Paulo disse que a letra mata (2Cor 3.6), estava se opondo a certos falsos apóstolos que ainda se apegavam alei e que teriam privado o povo do benefício da nova aliança, na qual Deus declara que colocará Sua lei nas mentes dos fiéis, e que a escreverá em seus corações. Segue-se, portanto, que a lei do Senhor é uma letra morta que mata quando ela é separada da graça de Cristo, e que simplesmente soa ao ouvido sem tocar o coração; por outro lado, se for poderosamente implantada no coração pelo Espírito e se proclama a Cristo, é a palavra da vida, a qual converte as almas dos homens e que dá sabedoria aos símplices. No mesmo capítulo, Paulo chama sua própria pregação de o ministério do Espírito, significando assim que o Espírito Santo permanece na verdade que revelou nas Escrituras, e somente revela Seu poder àqueles que tratam Sua Palavra com a reverência e honra a ela devida . E isto não está em desacordo com aquilo que eu disse antes, que a Palavra de Deus não ganha nossa confiança a não ser que seja confirmada pelo testemunho do Espírito; porque o Senhor ligou juntas, por um tipo de vínculo mútuo, a certeza da Sua Palavra e a autoridade do Seu Espírito.

Reverência verdadeira á Palavra domina nossos corações quando a luz do Espírito nos capacita a ver Deus nas Escrituras; e, por outro lado, damos boas-vindas sem temor de sermos enganados, àquele Espírito que reconhecemos pela Sua semelhança à Sua própria Palavra.

Os filhos de Deus sabem que Sua Palavra é o instrumento mediante o qual Ele comunica ao entendimento deles a luz do Seu Espírito; e não reconhecem nenhum outro espírito senão o Espírito que habitava nos apóstolos e falava através deles.

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