Por Gilson Barbosa
Tenho
sido informado sobre um procedimento que está virando rotina entre os crentes:
a abstenção de certas coisas tendo em vista a conquista de bênçãos divinas ou
como agradecimento de bênçãos recebidas. Essas coisas podem ser, por exemplo,
não comer chocolate, não tomar Coca-Cola, não assistir televisão, não usar
calça (esta proibição diz respeito ás mulheres; membros de igrejas “radicais”
quanto aos usos e costumes, mas que desobedecem a ordem do Ministério), não ir
ao cinema, etc. A lista de abstenções pode ser enorme, sempre condicionado ao
gosto do interessado nas bênçãos. Com a proposta de buscar o Espírito Santo certa
igreja estabeleceu a seguinte campanha:
A Igreja Universal do Reino de Deus
lançou no último dia 28 de março uma campanha de jejum pela busca do Espírito
Santo, o tema é Jejum de Daniel e os fiéis do mundo todo estão participando se
abstendo de pensamentos, diversão e entretenimento.
Diferente dos jejuns de comida a IURD
trouxe uma nova proposta: evitar ver TV, jogos, sair para cinemas,
restaurantes, festas e praticar outras atividades de lazer com os amigos, como
por exemplo, acessar redes sociais e usar a internet para fins pessoais. (Nota no final do texto).
Uns
entendem que a ação trata-se de uma espécie de jejum parcial. Invocam o jejum
praticado por Daniel e seus amigos, na corte babilônica. Outros falam em votos
ou promessas. E ainda outros dizem tratar-se de renuncia. Ou seja, renunciam
algo que gostam muito para agradar a Deus e cumprir sua Palavra.
O jejum parcial de
Daniel e seus amigos
Queria
estar errado, mas penso que esta prática está longe de ser bíblico-cristã. Daniel
pediu ao chefe dos eunucos que lhe permitisse não se contaminar (Daniel 1:8).
Ainda que não encontremos nas escrituras a razão explicita para o procedimento deles
e no que consistia essa contaminação, o certo é que agindo assim se recusaram a
comprometerem sua fé em um ambiente pagão. Por estarem inseridos dentro de um
ambiente de grande risco de morte, foram recompensados com a bênção divina
(Daniel 1:11-20). Creio que o caso não se aplica a abstenção de lazer, convívio
social ou algum tipo especial de alimento, nos dias de hoje. O que chocolate
tem a ver com as iguarias do rei Nabucodonosor? Ou o lazer com a Babilônia?
Trata-se de um anacronismo lógico e cronológico.
A
Bíblia ordena a santificação diária no Espírito e não santidade forçada, a
conta gotas, e temporária:
Segui a paz com todos, e a
santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor; (Hebreus 12:14)
Mas, como é santo aquele que vos
chamou, sede vós também santos em toda a vossa maneira de viver; porquanto está
escrito: Sede santos, porque eu sou santo. (1 Pedro 1:15-16)
Porque não nos chamou Deus para a
imundícia, mas para a santificação. (1 Tessalonicenses 4:7)
Mas devemos sempre dar graças a Deus
por vós, irmãos amados do Senhor, por vos ter Deus elegido desde o princípio
para a salvação, em santificação do Espírito, e fé da verdade; (2
Tessalonicenses 2:13)
Porque esta é a vontade de Deus, a
vossa santificação; que vos abstenhais da fornicação; (1 Tessalonicenses 4:3)
Outro
perigo desse entendimento é qualificar a criação divina, a cultura, o trabalho,
o lazer, o entretenimento, as artes, como elementos que trazem malefícios aos
cristãos. Isso é conhecido como o dualismo do sagrado e do profano. Esta
distinção dicotômica não é bíblica. Muitos associam o espiritual aos momentos
de adoração no ambiente do culto e o profano as demais coisas. Deve ser por
isso que muitos vivem uma vida dupla. Na igreja é um santo, fora dela um perverso.
Votos ou promessas
Há
outros que ficam com a consciência culpada, pois prometeram algo a Deus e não
conseguem cumprir. Leia a pergunta que foi feita num site católico romano:
Pergunta: Boa tarde! Sr Pe. sou
Católica devota de Nossa Senhora e de São Jorge, fiz uma promessa em 04/07 de
passar 6 meses sem comer chocolate, mas tá muito difícil pra mim. Gostaria de
saber se tem algum problema se eu quebrar essa promessa que fiz a Deus!
Na
verdade a pessoa prometeu a si mesmo e não consegue controlar seu desejo. A
linguagem honesta, os votos ou juramentos possuem sentido no relacionamento com
outras pessoas e especialmente com o Senhor Nosso Deus. É necessário considerar a
gravidade e seriedade do que está sendo prometido ou votado. Com certeza
isso não passa por questões banais como deixar de assistir televisão, comer
algum tipo de carne, acessar as redes sociais, etc. Já pensou o apóstolo Paulo
dizendo assim aos irmãos tessalonicenses: “Porque esta é a vontade de Deus, a
vossa santificação; que vos abstenhais da carne vermelha, da Coca Cola, do
chocolate, da televisão...”.
A
Confissão de Westminster, XXII. 7 afirma:
Ninguém deve prometer fazer coisa
alguma que seja proibida na Palavra de Deus ou que impeça o cumprimento de
qualquer dever nela ordenado.
Negando o Eu interior
Outra
justificativa para tal falta de bom senso é o mandamento de Jesus sobre a
renuncia que cada cristão deve praticar em sua vida: “E chamando a si a
multidão, com os seus discípulos, disse-lhes: Se alguém quiser vir após mim,
negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me.” (Marcos 8:34). O texto não
diz nada sobre a questão de que seguir após Cristo será mais puro, nobre e
santo, se abstermos de certos tipos de alimentos, lazer, e assim por
diante.
Tomar
a cruz de Cristo significa obedecer e identificar-se com Jesus, mesmo até a
morte, e não simplesmente suportar alguma obrigação específica imposta pelo
Senhor. Em Marcos 8:34 (e nos textos paralelos) Jesus acrescenta o mandamento
da negação de si mesmo. A chamada ao discipulado exige o abandono completo do
desejo natural de buscar conforto, fama ou poder. (BÍBLIA DE ESTUDO DE
GENEBRA).
O
texto deve ser lido todo: “Porque qualquer que quiser salvar a sua vida,
perdê-la-á, mas, qualquer que perder a sua vida por amor de mim e do evangelho,
esse a salvará. Pois, que aproveitaria ao homem ganhar todo o mundo e perder a
sua alma? Ou, que daria o homem pelo resgate da sua alma?” (Marcos 8:35-37).
Imagine
se a eternidade do crente estivesse condicionada a questão de comer ou não chocolates,
beber ou não Coca Cola, ir ou não à praia ou cinema, comer ou não carne
vermelha, etc!!! Com certeza quem conseguisse abster-se destas coisas
alcançariam a salvação por obras. Outros amargariam eternamente o inferno só
por causa do chocolate, da carne, do lazer, da calça feminina, da televisão....
Que
sejamos sábios... No amor de Cristo,
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