por Gilson Barbosa
“O dia era decisivo na vida do
irmão Pedro. Após muitas tentativas, finalmente foi chamado para uma entrevista
de emprego. Porém, aconteceram algumas coisas que o deixou muito preocupado.
Ele acordou um pouco atrasado e com uma terrível dor de cabeça. Justo naquele
dia o ônibus também atrasou. Tinha o endereço da empresa onde faria entrevista,
mas se confundiu e após andar por muito tempo foi parar em outro lugar. Pelo
caminho tropeçou numa pedra e feriu seu pé. Por fim, Pedro perdeu a entrevista
de emprego e a chance de se recolocar no mercado de trabalho. Com todos esses
horríveis acontecimentos ele não teve nenhuma dúvida: o diabo foi o causador de
todos esses males. Ele estava furioso com o irmão Pedro e resolveu atrapalhar o
seu dia, e conseguiu”.
Bem, a história acima é fictícia.
Eu a criei para mostrar que milhares de crentes, todo o dia e no mundo todo,
agem e pensam como o “irmão Pedro”. Contudo, há nessa “história” alguns
detalhes que precisam ser ponderados. Vamos a eles.
Em primeiro lugar, há muitos evangélicos que entendem a realidade
da vida segundo dois princípios fundamentais: o bem e o mal (ou a luz e a
treva, o puro e o impuro). Para eles a dualidade do bem e do mal está encarnada
e figurada em duas divindades antagônicas que não cessam de combater-se. Ou
ainda, que a divindade é o bem, e o mal provêm de entidades demoníacas,
inferiores à divindade e em eterna luta contra ela.
Michael Horton em O Cristão e a Cultura (Ed: Cultura
Cristã) nota dois problemas com esse tipo de pensamento. O primeiro é a
semelhança com o movimento gnóstico que vê este mundo como um campo de batalha
cósmica entre forças espirituais cujo destino será decidido pela habilidade de
seres humanos com conhecimento e destreza espiritual. Essas pessoas são irmãos
que acreditam que um cristão regenerado pode ter demônios, que Satanás e seus
demônios dificultam a pregação do evangelho em uma cidade ou nação (“espíritos
territoriais”), e que é necessário fazer uma espécie de mapeamento espiritual
para “amarrar” os maus espíritos da região. Definitivamente: isso não faz parte
do ensino cristão, mas trata-se de puro paganismo.
Concordo com Michael Horton
quando disse que Satanás tenta confundir o crente ou diminuir nele a confiança
em Cristo; há uma batalha, mas esta é uma batalha pelos corações e pelas mentes
e tem a ver com verdade versus erro,
fé versus incredulidade, crença em
Cristo versus crença em qualquer
outra coisa ou pessoa.
Alguém citando II Coríntios 4:4
pode dizer: “mas Satanás é o deus deste século”! Porém, como João Calvino
afirmou: “O diabo é chamado o deus deste mundo exatamente do mesmo modo que
Baal é chamado o deus daqueles que o adoram ou o cão é chamado o deus do
Egito”. Ou seja, o diabo é deus somente nas imaginações dos povos pagãos (I
Coríntios 8:5, 6).
Em terceiro lugar, não devemos nem superestimar nem subestimar as
ações do diabo. Uma dor de cabeça pode ser combatida com uma aspirina. Um erro
de endereço pode ser falta de atenção ou planejamento. O tropeção numa pedra
pode ser um descuido. Acordar mais cedo pode evitar certas inconveniências no
trânsito. Mas muitos preferem atribuir todas as contingências ao diabo. Há
igrejas que nos cultos falam mais no diabo do que na obra redentora de Cristo
Jesus. Preferem provocar Satanás a adorar a Deus.
Por outro lado há aqueles que não
acreditam nem na existência nem no “poder” de Satanás. Quero deixar claro que
há sim uma luta espiritual onde Satanás busca atingir os servos do Senhor.
Satanás exerce duas atividades principais contra os verdadeiros crentes: a
tentação e a acusação. Ele tentou até mesmo o Senhor Jesus e acusou tanto Jó
quanto Deus. Ele disse que a justiça de Jó não era sincera, pois advinha do
interesse pelos benefícios divinos. Com isso acusou Deus de comprar a
fidelidade de Jó com bênçãos terrenas. O diabo é sagaz, atrevido e astuto.
Em quarto lugar, há crentes que imaginam que o mundo é
inerentemente mal. Para eles o diabo controla todas as ações do planeta e do
universo. Porém, é preciso entender que quando a Bíblia diz que “o mundo
inteiro jaz no Maligno” (I João 5:19) refere-se a homens e mulheres em estado
de rebeldia contra o Senhor. São pessoas escravizadas voluntariamente ao diabo,
pois fazem seus desejos (João 8:44).
É necessário também compreender
que somente Deus é soberano. Seus propósitos e objetivos não podem ser
frustrados (leia Daniel 4:34-37). É o Senhor Deus e não Satanás quem controla e
governa o mundo. O profeta Isaias (46:10) afirma que o conselho do Senhor
permanece de pé e toda a Sua vontade é executada. Nada acontece sem a permissão
do Senhor. Até mesmo as ações de Satanás só acontecem por permissão divina.
Lutero dizia: “O diabo é o diabo de Deus”.
Em sexto e ultimo lugar, não podemos atribuir nossos próprios
pecados a ação diabólica. Muitos pecam e depois dizem: “O diabo me fez pecar”.
O irmão Vagner Barbosa diz o seguinte sobre isso:
Toda a ênfase em
Satanás e nos demônios tende a nos distrair de outra ameaça muito real: nosso
próprio pecado. Sim, o diabo existe. Os demônios também. Mas há também a
realidade do pecado. Satanás pode ser nosso cumplice no pecado contínuo, mas
não podemos passar a culpa e a responsabilidade por nosso pecado a um demônio
controlador.
Ainda nessa linha de pensamento
outros atribuem aos demônios uma lista intensa de pecados: prostituição,
imoralidade, ciúme, inveja, alcoolismo, seitas, ira, assassinatos, corrupções e
vários outros. Em algumas reuniões evangélicas é normal expulsar o espírito da
mentira, da prostituição, de morte, etc. A Bíblia tem outro nome para os tais
“espíritos”: obras da carne (leia Gálatas 5:16-21). São atitudes carnais,
provenientes de pessoas não regeneradas ainda.
Que o Senhor nos ajude a termos
discernimento espiritual para detectamos a fonte das nossas dificuldades. Não
dê ibope ao diabo, mas não ignore suas artimanhas (Tiago 4:7; Efésios 6:10-17).
Concentre-se no poder de Cristo Jesus para o fortalecimento da fé cristã. Você
precisa saber que a derrota de Satanás foi proclamada pelo Senhor desde o
início do mundo (Genesis 3:15; Romanos 16:20). Amém?
No amor de Cristo,
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