por Gilson Barbosa
Nossas preferencias teológicas
não devem servir de norma para a condução da nossa vida espiritual, mas
infelizmente isso sempre acontece na discussão de pontos doutrinários
polêmicos. O ensino bíblico é deixado de lado, interpretações dúbias são
invocadas, experiências espirituais são testemunhadas, e aquilo que deveria ser
uma simples conversa entre irmãos descamba em grave discussão pessoal.
Presenciamos essa realidade quando o assunto em reflexão é, por exemplo, a
experiência pentecostal das línguas estranhas.
Há dois grandes grupos de
evangélicos que discordam entre si a respeito da contemporaneidade do batismo
em línguas. De um lado estão os irmãos pentecostais; do outro os irmãos
denominados de tradicionais - historicamente são chamados de Reformados (devido
à ocorrência histórica da Reforma Protestante). Entre os irmãos Reformados há
um grupo que não admite em hipótese alguma a ocorrência do dom de línguas nos
dias atuais. Outros até aceitam que ele ocorra ainda hoje se a natureza das
línguas for a de idiomas estrangeiros.
O primeiro ponto de discórdia entre
os grupos é a natureza das línguas no dia de Pentecostes. Não se discute a
realidade do acontecimento, mas que tipo de línguas eram aquelas e qual o verdadeiro
objetivo delas. Para os irmãos pentecostais as línguas eram celestiais,
sobrenaturais, estranhas sob a perspectiva humana. Para o pentecostalismo
moderno as línguas são evidencias da plenitude do Espírito na vida do crente. O
batismo em línguas serve para proporcionar poder para o crente vencer uma vida inclinada
aos desejos da carne. O crente também adora ou serve melhor e com mais alegria
ao Senhor quando é batizado em línguas. Depois da salvação, o batismo em
línguas é uma exigência ao crente pentecostal. Não somente isso, mas, trata-se
de uma segunda obra e bênção da salvação.
Para os irmãos
Reformados as línguas no dia do Pentecostes eram idiomas humanos. Lucas
registra em Atos 2:4 que os irmãos “passaram a falar em outras línguas, segundo
o Espírito lhes concedia que falassem”. A expressão grega para “outras línguas”
é heterais glossais, ou, línguas
diversas. Nos versículos 6 e 8 o sinônimo de “línguas” é idiomas, ou no grego dialektos. A tradução Almeida Atualizada redige o
seguinte no versículo 8: “E como os ouvimos falar, cada um em nossa própria
língua materna?”. Foi um acontecimento poderoso, impactante, sobrenatural, mas
a natureza das línguas como idiomas humanos é entendida a partir dos seus
objetivos.
O primeiro objetivo do dom de línguas é
evidenciar a universalidade do evangelho da graça. Estavam presentes nesta
festa judaica vários grupos linguísticos para os quais o evangelho foi pregado
por meio de línguas que foram dadas milagrosamente. Os “homens piedosos” do
versículo 5 provavelmente eram gentios interessados no judaísmo sem serem
verdadeiros prosélitos batizados e circuncidados (Russel Shedd). Havia uma
mistura de gente - gentios e judeus visitando Jerusalém por ocasião da Festa de
Pentecostes. Após listar os diversos grupos Lucas registra: “Como os ouvimos
falar em nossas próprias línguas as grandezas de Deus?” (2:11).
As línguas em
Atos 2: 1-13; 10:44-46; 11:16,17 e 19:1-7 funcionaram como evidencia externa da
descida do Espírito sobre diferentes grupos, refletindo o progresso do
evangelho a partir dos judeus até alcançar os gentios, conforme Jesus
determinou em Atos 1:8 (Vagner Barbosa). A primeira finalidade dos irmãos
falarem em línguas era a de que a mensagem do evangelho (“as grandezas de
Deus”) fosse antecipada a toda a tribo, nação, povo e língua.
O segundo objetivo do dom de línguas
foi servir como sinal do juízo de Deus para os descrentes. Paulo escreveu em I
Coríntios 14:21,22: “Na lei está escrito: ‘falarei a este povo por homens de
outras línguas e por lábios de outros povos, e nem assim me ouvirão, diz o
Senhor’. De sorte que as línguas constituem sinal não para os crentes, mas para
os descrentes”. O apóstolo Paulo faz citação de Isaías 28:11,12. Nos dias de
Isaías a situação moral e espiritual de Israel estava caótica. Já que não
ouviam mais as ordens do Senhor por meio dos profetas, Deus falaria ao seu povo
por “lábios gaguejantes e língua estranha”. Em outras palavras o que Paulo
dizia aos irmãos de Corinto era o seguinte: “Assim como no passado o juízo de
Deus se evidenciou pela destruição causada por um povo cuja língua era
desconhecida aos judeus, assim também o juízo de Deus sobre os judeus
incrédulos da época do Novo Testamento se evidencia pela retirada do reino de
Deus aos judeus e sua entrega a todos os povos” (Vagner Barbosa).
O terceiro objetivo do dom de línguas é
a edificação da igreja. Talvez seja esse o ponto polêmico sobre a
contemporaneidade das línguas como dom. Os dois primeiros objetivos são
históricos e pontuais, portanto cessaram e não continuam mais depois do período
apostólico. Contudo, se quisermos ser honestos com as escrituras, quanto às
línguas como edificação da igreja, não temos como provar biblicamente sua
cessação após o período apostólico.
Segundo o
pastor Augustus Nicodemus Lopes em O
Culto Espiritual (Ed: Cultura Cristã) o dom de línguas é dado para
edificação dos outros, requer interpretação e, no Novo Testamento, sempre
ocorre no contexto de culto comunitário. O que tenho presenciado em cultos
pentecostais, quanto a experiências no falar em línguas, está totalmente contra
os ensinos paulinos. As igrejas pentecostais modernas incorrem no mesmo erro da
igreja de Corinto e parecem não terem aprendido absolutamente nada sobre o
ensino de Paulo. Ainda que não entendamos como exatamente o dom de línguas pode
vir a ocorrer num culto nos dias de hoje, o uso das línguas no culto pelos
pentecostais fere frontalmente o ensino bíblico.
Primazia da Bíblia no culto público
Penso que a Bíblia contém tudo o que a igreja precisa para sua edificação. Por isso a pregação evangélica deve ser fiel ao texto bíblico e a leitura das escrituras deve ter primazia num culto público. Penso também que as línguas com sua exata interpretação eram mais necessárias na igreja do primeiro século do que nos dias de hoje porque as escrituras canônicas estavam em formação e havia relativa necessidade de uma palavra profética da parte de Deus que edificasse a igreja nascente.
Penso que a Bíblia contém tudo o que a igreja precisa para sua edificação. Por isso a pregação evangélica deve ser fiel ao texto bíblico e a leitura das escrituras deve ter primazia num culto público. Penso também que as línguas com sua exata interpretação eram mais necessárias na igreja do primeiro século do que nos dias de hoje porque as escrituras canônicas estavam em formação e havia relativa necessidade de uma palavra profética da parte de Deus que edificasse a igreja nascente.
Encerro com as
palavras do irmão Vagner Barbosa de que se o Senhor tiver algum plano
específico Ele pode conceder o dom de línguas à igreja quando quiser, em
qualquer período da história e que uma manifestação genuína do dom de línguas
sempre deve seguir o padrão revelado pelo próprio Espírito na Escritura
Sagrada. E se isso não acontecer não devemos ficar desesperados ou preocupados,
pois temos a mais sublime revelação de Deus ao seu povo e aos pecadores: a
Bíblia Sagrada.
Se quiser
aprofundamento neste tema sugiro a leitura dos livros: O Culto Espiritual (Ed:
Cultura Cristã); Na Dinâmica do Espírito (Ed: Vida Nova) e Teologia do Espírito
Santo (Ed: Cultura Cristã).
No amor de
Cristo, nosso Senhor.
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