O pentecostalismo leva a pecha de
ser um movimento de experiência em busca de uma teologia. Para os adversários isto
significa que os argumentos para defender suas doutrinas são ad extra, ou seja, a teologia
pentecostal se fundamentaria, então, numa eisegese bíblica. Esta, pode também
partir de uma impressão equivocada na interpretação dos textos que “respaldam”
o movimento.
Sei que há uma busca sincera e
séria para corroborar os argumentos pentecostais invocando bases e textos
bíblicos. Porém, parece que o tempo está demonstrando que o movimento
pentecostal tem ainda muitos desafios a vencer. Um deles é estabelecer limites
para a manifestação carismática no âmbito do culto público. Outro desafio é o
cumprimento do que o apóstolo Paulo ensinou em sua primeira carta aos coríntios
(capítulo 14) sobre o uso dos dons espirituais.
O dom da profecia, por exemplo,
está eivado de confusão e o problema parece não ter mais solução. Há “profetas”
misturando profecia com palavra de conhecimento e revelação com adivinhação. Um
dos fatos que mais depreciam o movimento pentecostal atualmente tem sido a “qualidade”
com que os dons têm sido utilizados.
Mesmo que partíssemos do pressuposto de
que há profetas hoje, exatamente igual aos profetas do Antigo Testamento ou dos
apóstolos e profetas no período do Novo Testamento (o que é um absurdo), o que
temos presenciado é um profetismo que nos entristece profundamente. A maneira
como a revelação de Deus chegou aos profetas e apóstolos são inigualáveis e
temporais. O apóstolo Pedro ao tratar da superioridade da palavra de Deus
afirmou que “...a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas
os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo.” (II Pedro
1:21). Dizer que os “profetas” modernos possuem a mesma inspiração no mesmo
sentido que os autores bíblicos, é heresia pura. Tanto os profetas do Antigo
Testamento quanto os apóstolos no Novo Testamento receberam revelação direta de Deus. A necessidade profética
deles, bem como de suas profecias, coincidiu providencialmente com a formação
do cânon bíblico.
Como mencionei acima, a qualidade
dos dons espirituais utilizados por alguns crentes pentecostais tem descido há
um nível bem superficial de entendimento. Quando o apóstolo Paulo tratou da
superioridade do dom de profecia sobre ao de línguas apresentou as funções da
mensagem dos profetas: edificar, exortar e consolar a igreja local. Hoje em dia
a profecia é individual e desconsidera a coerência e santidade Divina, pois, é
sabido que muitos que recebem uma mensagem profética de consolação e conforto
quando na verdade deveriam ser exortados ou admoestados.
Profetas nas Igrejas locais do Novo Testamento
SEGUI o amor, e procurai com zelo os dons
espirituais, mas principalmente o de profetizar. Porque o que fala em língua
desconhecida não fala aos homens, senão a Deus; porque ninguém o entende, e em
espírito fala mistérios. Mas o que profetiza fala aos homens, para edificação,
exortação e consolação. (I Coríntios 14:1-3)
O texto acima não estabelece a
legitimidade das profecias carismáticas. Apenas informa (implicitamente) que
havia na igreja primitiva um grupo de pessoas com potencial para exercer o ministério profético: “E ele mesmo deu uns
para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros
para pastores e doutores” (Efésios 4:11). Ainda que se fale em dom de profecia,
porem, sua natureza é diferente. Por exemplo, a ênfase desses profetas não era
mais revelacional e sim de proclamação das verdades existentes do Antigo e Novo
Testamento.
Não tenho plena certeza de como
esses profetas se comportavam no culto público e não faço ideia de como exerceriam
o dom profético. O certo é que não eram oficiais nas Igrejas locais e que sua
função primordial não era predizer ou revelar algo oculto – ainda que isso tenha
acontecido raramente com alguns
deles. Heber Carlos de Campos informa que
“... havia
somente dois ofícios nas igrejas locais do Novo Testamento: presbíteros e
diáconos. Somente eles recebiam a ordenação pública, que os autorizava a
exercer o seu ofício. Os demais exerciam seus dons conforme o Senhor lhes
concedia. Assim era com os que possuíam o dom profético. Eles não eram
vocacionados como os profetas do Antigo Testamento, nem recebiam o ofício para
exercerem a função, como acontecia com os profetas do Antigo Testamento. Não havia
nenhuma cerimonia especial que os autenticasse e os designasse profetas, como a
unção com óleo, que os autorizasse publicamente para exercerem o ofício. Simplesmente,
eles eram dotados pelo Espírito Santo para serem intérpretes da Palavra de Deus
e podiam ser julgados no exercício do seu mistério quanto ao conteúdo de sua
mensagem, mas não falavam inspiradamente.” (Fé Cristã e Misticismo, p. 89)
O pastor Antônio Gilberto
(teólogo respeitado no meio pentecostal), embora admita a profecia como um dom
do Espírito, também reconhece a existência do dom ministerial de profeta à
Igreja local:
“O ministério
profético é exercido através de um ministro dado por Deus à Igreja... O profeta
é um pregador especial, com mensagem especial. Sua mensagem apela à consciência
da pessoa em relação a Deus, a si própria, ao pecado e à santidade.”
(Mensageiro da Paz, Agosto de 2008)
De opinião diferente do pastor
Antonio Gilberto, o pastor Augustus Nicodemus Lopes afirma que não há mais
profetas como os do Antigo Testamento e nem apóstolos como os Doze e Paulo:
“Eles foram veículos
inspirados e infalíveis da revelação divina. Com o desaparecimento deles,
cessou o processo revelatório, por meio do qual Deus, infalivelmente fez
registrar a sua vontade nas Escrituras. Não entendo que os profetas do Novo
Testamento (como os da igreja de Corinto) eram veículos desse tipo de revelação
e nem que suas profecias eram revelatórias e infalíveis como as dos antigos
profetas e apóstolos”. (O culto espiritual, Ed: Cultura Cristã, p. 130).
É necessário enfatizar a realidade
e a natureza dos profetas das Igrejas locais do Novo Testamento, pois o texto
bíblico de Efésios afirma que o Senhor “mesmo deu uns para apóstolos, e outros
para profetas, e outros para
evangelistas, e outros para pastores e doutores. Querendo o aperfeiçoamento dos
santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo; até que
todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem
perfeito, à medida da estatura completa de Cristo.” Entretanto nada indica que
estes profetas traziam palavras inspiradas direta
de Deus (idêntica aos profetas do Antigo Testamento ou os apóstolos do Novo
Testamento) ou revelações por meio de sonhos e visões, ou ainda predições sobre
a vida das pessoas.
Os estudiosos pentecostais
entendem haver diferença entre o dom de profecia e o ministério profético. Podemos
até dizer que os profetas das Igrejas locais do Novo Testamento possuíam em
certa medida o dom de profecia, mas não devemos afirmar categoricamente que
qualquer crente por sua própria vontade se levantaria no culto e diria uma
mensagem sobrenaturalmente inspirada ou revelada da parte de Deus. Quando Paulo
diz que todos os irmãos coríntios poderiam profetizar (I Coríntios 14:31) o faz
tendo como base de que é o Senhor que graciosamente concederia esse dom a
algumas e não todas as pessoas (I Coríntios 12:29).
Alguns não pentecostais veem o
dom profético (não a profecia preditiva) como uma necessidade para o tempo presente,
apesar de aceitarem apenas os dois ofícios de presbíteros e diáconos. Caberia
por parte destes uma explicação de como eles exerceriam seu ministério no culto
público. Outros não veem como necessário o ministério profético atualmente,
pois a tarefa de exortar, consolar e edificar pode ser realizada pelo pastor e
mestre.
Alguém pode perguntar: “E quanto
aos ‘profetas’ que revelam fatos cotidianos ocultos, tais como nomes de
pessoas, datas de nascimentos, números de documentos e telefones?”. Destes não digo
nada, pois, como cumpriremos a ordem de avaliar a mensagem profética (I Coríntios
14:29) se o que é revelado não possui em si nenhuma mensagem?
No amor de Cristo,
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