Por Gilson Barbosa
A
Reforma Protestante comemorou no mês passado 496 anos (31/10/2013); e se são
escassas as informações a seu respeito nas igrejas evangélicas, sobejam reflexões
teológicas. No sentido religioso o principal destaque da Reforma é que seu
legado está fundamentado em cinco pontos conhecido como Solas ou somente: somente a Escritura, somente a Fé, somente
Cristo, somente a Graça, somente a Deus seja a glória. É importantíssimo
atentar para o advérbio somente. Muitas
igrejas evangélicas não passam pelo teste do advérbio e são reprovadas.
Será
que todas as igrejas evangélicas atuais podem reivindicar serem legítimas herdeiras
da Reforma Protestante? Herdar não significa necessariamente tomar posse ou
fazer uso; pode ser que seja apenas uma possibilidade. Pode não se efetivar porque
os que reivindicam não tem de fato esse direito, e não tem direito porque não preenchem
os requisitos necessários. Mas, em que sentido uma igreja evangélica moderna
pode não ser protestante?
Somente a Escritura
A
Igreja Católica Romana tem a Bíblia como livro sagrado. No entanto a interpretação
das escrituras para os fiéis depende da tradição da Igreja, do Sagrado
Magistério e do papa fazer seus pronunciamentos ex catedra. Acontecimento parecido há nas igrejas evangélicas
atuais. Em muitos casos quando não há base bíblica para certos ensinamentos
(principalmente as proibições) apela-se para o fator “tradição da igreja”. É
muito comum ouvir: “a Bíblia não trata do assunto, mas a igreja não admite a
prática”.
Sabemos
da realidade da tradição e que ela pode ser negativa ou positiva (II
Tessalonicenses 2:15; Mateus 15:2,3,6). Porém a tradição deve ser rejeitada todas
as vezes que ela se choca com a Palavra de Deus. É comum também em muitas
igrejas evangélicas a palavra do pastor ser à decisiva e final, mesmo que seu
uso não respeite as regras da hermenêutica e não represente o que o texto
sagrado diz. Apesar de receber da Reforma o legado do livre exame da Bíblia, em
muitas igrejas os crentes não tem o direito de questionar a interpretação vinda
do púlpito. A Bíblia Sagrada é a única autoridade infalível dentro da igreja.
É
normal também o abandono do correto ensinamento das escrituras a respeito de
determinado assunto por pura conveniência. Por exemplo, em determinadas igrejas evangélicas alguns
pastores até ensinam que biblicamente o misticismo é desagradável ao Senhor,
mas por força do movimento histórico da igreja ele acaba ou deixando a prática mística
acontecer ou angariando a antipatia dos seus próprios liderados que não compartilham
das suas ideias.
Somente a Graça
A
doutrina da salvação pela graça incomoda o ser humano, pois, ou ele fará obras
para merecê-la ou tentará colaborar com Deus para obter a salvação. A Igreja
Católica Romana realiza missas em favor dos mortos tendo em vista a salvação
deles. Para que o falecido fiel católico fique livre do sofrimento das chamas
do purgatório seus entes devem receber neste mundo a punição estabelecida para
eles, por meio da confissão pública ou particular ou pela prática de boas obras
(jejuns, esmolas e orações). No século XI a Igreja Romana por meio das indulgencias
comercializava coisas que não podem ser vendidas (perdão, remissão de pecados,
expiação); comercializavam a fé. Resumindo: a salvação romana tem por base os
méritos humanos e a barganha.
Não
é muito diferente hoje em dia quando os evangélicos em vez de venderem perdão,
como a Igreja Católica Romana fazia na Idade Média, vendem bênçãos terrenas em
troca de dízimos ou ofertas pomposas. Ou quando não, pensam que o homem morto
em delitos e pecados (Efésios 2:1,2) podem colaborar com Deus para a sua
própria salvação: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem
de vós, é dom de Deus” (Efésios 2:8). Quer seja a fé, a graça ou a salvação,
todos esses elementos são dom de Deus.
Somente a Fé
Como
nos apropriamos da salvação? Não somos salvos pelos nossos méritos ou por algum
tipo de colaboração com Deus; somos salvos pela graça por meio da fé. A fé não é
o objeto da salvação, é o resultado. O objeto da salvação é Cristo. A fé na
qual o pecador se apossa é dada por Deus. Na verdade é o oposto: é a fé que se
apossa do pecador por meio da pregação. A fé é obra do Espírito Santo em nossos
corações. No processo da salvação Deus dá ao pecador o arrependimento e a fé:
E, ouvindo estas coisas,
apaziguaram-se, e glorificaram a Deus, dizendo: Na verdade até aos gentios deu
Deus o arrependimento para a vida. (Atos 11:18)
E, quando ele vier, convencerá o
mundo do pecado, e da justiça e do juízo. (João 16:8)
Muitos
evangélicos pensam que fé e formalismo religioso é a mesma coisa. É comum olhar
para os obreiros da igreja e concluir, devido ao ativismo religioso, que eles são
“pessoas de fé”. No entanto viver pela fé em Deus é muito mais que colocarmos uma
roupa de crente e irmos para a igreja. Sabemos que Deus não se agrada do
formalismo religioso (Isaías 1:11, 12). Se você pensa que será salvo por algo
que esteja fazendo para o Senhor ou que pode colaborar (dar uma mãozinha) para
sua própria salvação, você não é um crente protestante.
Somente Cristo
Cristo
é suficiente para a salvação. Essa história de Cristo mais alguma coisa não passa
pelo escrutínio bíblico. A Igreja Católica Romana obscurece a pessoa de Cristo
quando ensina que o batismo salva e que as penitencias são necessárias para a expiação
dos pecados cometidos após o batismo. A salvação não é realizada em parte por
Cristo e em parte pelo homem. Ela é obra exclusiva de Deus: “Mas todos nós
somos como o imundo, e todas as nossas justiças como trapo da imundícia; e
todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniqüidades como um vento nos
arrebatam.” (Isaías 64:6)
Não
é preciso acrescentar nada a obra de Cristo para a salvação; ela é por si mesma
eficaz. Após ler Malaquias 3:8 muitos crentes interpretam que é possível perder
a salvação se negligenciarmos os dízimos, pois estamos roubando o Senhor e
ladrão não entra no céu. Se isso é possível, ou se é assim mesmo, o sacrifício
de Cristo não tem nem teve valor algum para os que assim creem. É Cristo mais
os dízimos. Outros acham que participar de atividades eclesiásticas é sinal de
comunhão com Deus e alcança o favor de Deus. Há igrejas que possuem atividades
a semana inteira, e isso tem criado uma sensação de obediência a Deus e
consequentemente de estar O agradando. Quanto a isso a Teologia Reformada
afirma: Somente Cristo!
Glória somente a Deus
A
Igreja Católica Romana venera os santos, as relíquias e os padroeiros. Entende
que os santos são nossos mediadores diante de Deus, e por possuírem méritos
podem interceder por nós e serem ouvidos por Deus a nosso respeito. Jesus foi
muito claro e contundente à Satanás na questão de quem deve ser cultuado: “Então
disse-lhe Jesus: Vai-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor teu Deus
adorarás, e só a ele servirás.” (Mateus 4:10).
Em
muitas igrejas evangélicas da atualidade os pastores se tornaram em algo como “santos”
ou “padroeiros”. São possuidores de poderes sobrenaturais e canalizadores das bênçãos
de Deus para a vida dos crentes. Outros se tornaram tão reverenciáveis que seus
“poderes” terrenos são similares ao papa romano. Subjugam e exigem, ainda que
indiretamente, de seus membros uma consideração que quase beira a veneração idolátrica.
Cantores,
bandas gospel, pregadores famosos, apóstolos, todos tem ocupado posição central
no culto e Deus não tem sido mais o objeto de adoração e Sua glória tem sido
repartida. A adoração perene tem sido substituída por euforia e efervescência carismática.
Objetos tais como sal grosso, água do rio jordão, manto de Elias, toalhinha
santa, cajado de Moisés, etc, são como mediadores entre as bênçãos de Deus e as
necessidades física e externas dos homens. Contra isso a Teologia Reformada
brada: Somente Cristo.
Nem polêmico nem covarde
Não
quero ser polêmico, mas não posso ser covarde. Nem todas as igrejas evangélicas
podem se considerar legítimos herdeiros da Reforma Protestante, ainda que façam
uso do seu legado. A princípio são herdeiros da Reforma as igrejas
historicamente reformadas. Depois são herdeiros da Reforma as que
essencialmente mantêm verdadeiramente os cinco fundamentos da Teologia
Reformada. Há igrejas, por exemplo, que são historicamente reformadas, mas se
tornaram pentecostais. Na direção contrária temos igrejas pentecostais que se
consideram reformadas, ou seja, creem na contemporaneidade dos dons, mas são calvinistas.
Sinceramente não vejo lógica nem coerência nisso. Assim como não vejo lógica
nem coerência em alguns pastores intelectuais entre os pentecostais que dizem crer
nos cinco fundamentos da Teologia Reformada, mas as igrejas sob suas lideranças
não vivenciam os mesmos na prática.
Para
manter a tradição de suas respectivas igrejas muitos pastores pentecostais preferem
deixar o assunto da Reforma Protestante apenas na teoria ou tecer os
comentários apenas no meio intelectual. Ser herdeiro da Reforma não consiste em
individualizar o entendimento a respeito dos cinco fundamentos, mas ensinar e
exigir que as igrejas pratique isso no dia a dia.
Uma igreja que afirma apenas a teoria dos fundamentos da Reforma Protestante, mas não pratica, não pode ser tida como herdeira da Reforma.
Uma igreja que afirma apenas a teoria dos fundamentos da Reforma Protestante, mas não pratica, não pode ser tida como herdeira da Reforma.
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