Por Eguinaldo Hélio
Num
primeiro momento, a pergunta “O que fez Jesus dos doze aos trinta anos?” não
parece oferecer nenhum problema. A curiosidade sobre este fato é normal. O
problema começou quando certos grupos ligados ao movimento Nova Era pretenderam
respondê-la utilizando fontes duvidosas.
Como sabemos, esse movimento rejeita toda a cultura
judaico-cristã do Ocidente, logo rejeita também as Sagradas Escrituras como
padrão de verdade religiosa e verdade histórica. Em seu lugar, abraça toda
sorte de ideias, filosofias e doutrinas orientais, principalmente as hindus. Consequentemente,
a figura que emergiu daí é completamente estranha ao Jesus, filho de Maria,
apresentado nas páginas dos evangelhos.
Ao invés do carpinteiro de
Nazaré, seguidor do judaísmo de sua época, foi pintado o quadro de um asceta
hindu, viajante oriental, aluno de gurus e praticante de todo um misticismo que
os cristãos jamais imaginaram fazer parte do comportamento de Jesus. Ele teria
viajado ao Extremo Oriente, após o incidente no Templo de Jerusalém (Lc 2.46),
e se iniciado nas doutrinas e práticas da Índia e do Tibete. Na verdade, os
adeptos da Nova Era criaram um Jesus à sua própria imagem e semelhança, para
que, assim, pudessem justificar todas as suas práticas ocultistas.
Como fez outrora o kardecismo,
os novaerenses não poderiam também deixar de incluir Jesus (a quem chamam de
Issa ou Isa, seu nome no Alcorão) em seu círculo. Qualquer movimento religioso
que queira alcançar destaque no Ocidente terá de incluir Jesus de alguma forma
em seu credo, nem que para isso seja preciso “criar seu próprio Jesus”. Mas
apenas usar o nome ou a figura dele não é suficiente. Por isso, Paulo advertiu
aos cristãos em Corinto: “Mas temo que, assim como a serpente enganou Eva com a
sua astúcia, assim também sejam de alguma sorte corrompidos os vossos sentidos,
e se apartem da simplicidade que há em Cristo. Porque, se alguém for pregar-vos
outro Jesus que nós não temos pregado, ou se recebeis outro espírito que não
recebestes, ou outro evangelho que não abraçastes, com razão o sofrereis” (2Co
11.3,4).
Inconformados com o Jesus bíblico
O dr. Otto Borchet, em seu
livro O Jesus histórico, fez um excelente comentário sobre as muitas
tentativas históricas de distorcer a imagem de Jesus, conforme ela nos é
fidedignamente mostrada por Mateus, Marcos, Lucas e João, testemunhas oculares
e contemporâneas dele. “Indubitavelmente [...] cada geração que se aproxima da
figura de Jesus novamente, tem tentado retificar essa imagem no que acha nela
deficiente”.1 A verdade, porém, é que qualquer tentativa
de acrescentar algo ao Jesus bíblico falha. Assim se dá com o Cristo da Nova
Era. Acabam apresentando um Jesus totalmente às avessas do que é declarado na
Bíblia. “A verdade é que a figura de Jesus, apresentada nos evangelhos, tem
todas as características de um metal que resiste a todas as ligas. Qualquer
coisa acrescentada a ela [...] mostra-se como substância estranha que não pode
misturar-se no crisol”. 2
De modos diferentes, em
épocas diferentes, culturas diferentes têm tentado distorcer o Jesus simples
dos evangelhos. O Jesus dos evangelhos apócrifos e o Jesus sem carne e osso,
desprovido de matéria, dos gnósticos do primeiro século da era cristã foram uma
reação da cultura daquela época, que se recusava a aceitar o Homem de Nazaré,
exatamente como ele é. “Cada vez que o espírito de uma raça diferente entrou no
espírito do evangelho, tentou manipular a figura daquele que é o Senhor dessa
mesma história, algumas vezes a ponto de ela ficar deformada e irreconhecível”.
3
Portanto, em nada nos
espanta o fato de a invasão das religiões orientais no Ocidente ter levado
muitos a alterar novamente as características do Senhor. Para tanto, esse
movimento, encabeçado por adeptos da Nova Era, buscou utilizar-se de um período
de silêncio biográfico sobre Jesus para tecer um amontoado de informações que,
longe de acrescentar algo ao conhecimento dele, distorceu-o completamente.
Assim, sem quaisquer
evidências, eles se baseiam em mistificações e boatos estranhos e duvidosos. O
resultado só poderia ser alguém completamente estranho às características de
Jesus, conforme nos é mostrado de forma tão clara nas páginas do Novo
Testamento.
Documentos versus divagações
Entre as fontes que se
propõem a contar o que ocorreu com Jesus entre os doze e os trinta anos está o
que os adeptos da Nova Era chamam de “Arquivos Akáshicos” ou “Registros
Akáshikos”, que, segundo eles, trata-se de um espaço invisível, simbolizado
pelo éter, também conhecido como o reservatório cósmico de memórias
individuais. Seria como uma espécie de “memória do Universo” para os
esotéricos. Nesses registros, supõe-se estarem escritas todas as palavras,
ações e pensamentos de todos os seres e de todos os indivíduos que já existiram
ou existem no Universo. Eles afirmam que somente as pessoas iniciadas no
esoterismo conseguem consultar essas informações.
Foi baseado nesses
registros que Levi H. Dowling, ex-capelão do exército americano, escreveu o
livro O evangelho de Jesus, o Cristo, para a era de aquário. Tal obra
contém muitos relatos da peregrinação de Jesus (ou Issa) pelo Extremo Oriente.
O capítulo 23 ressalta que Jesus esteve na Índia e “procurou aprender a arte
hindu de curar, de modo que se tornou discípulo de Udraka, o maior dos
curadores hindus”. Após aprender alguns conceitos sobre cura, Jesus teria
baixado “a cabeça em reconhecimento pela sabedoria daquela alma superior e
seguiu seu caminho”. 4
O livro também diz que
Jesus esteve em um templo em Lhasa, capital do Tibete, onde conheceu o grande
sábio oriental Meng-tse, que o ajudou a ler os manuscritos antigos: “E Meng-tse
abriu as portas do templo de par em par e todos os sacerdotes e mestres deram
as boas-vindas ao sábio hebreu”. 5
O grande problema com essas
e outras passagens é que elas são estranhas ao que lemos sobre Jesus no Novo
Testamento. Ele jamais curvou a cabeça ou teve qualquer atitude que lembrasse o
misticismo hindu. Nem mesmo a História registra algum grande sábio oriental por
nome Meng-Tse. Então, fica a pergunta: “Que credibilidade podemos dar às
informações retiradas de um arquivo que ninguém pode ver? Alguém pode dizer que
elas são confiáveis?”.
A coisa fica mais
discrepante quando comparamos ambas as fontes de informações — as do Jesus
bíblico e as dos registros atávicos. Pedro escreveu em sua segunda epístola:
“Porque não vos fizemos saber a virtude e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo,
seguindo fábulas artificialmente compostas; mas nós mesmos vimos a sua
majestade” (2Pe 1.16). Outrossim, Lucas comenta, na introdução de seu
evangelho: “Tendo, pois, muitos empreendido pôr em ordem a narração dos fatos
que entre nós se cumpriram, segundo nos transmitiram os mesmos que os
presenciaram desde o princípio, e foram ministros da palavra, pareceu-me também
a mim conveniente descrevê-los a ti, ó excelente Teófilo, por sua ordem,
havendo-me já informado minuciosamente de tudo desde o princípio; para que
conheças a certeza das coisas de que já estás informado” (Lc 1.1-4).
Todos esses textos mostram
que, ao lidarmos com o Novo Testamento, estamos mexendo com documentos
históricos escritos por testemunhas oculares ou por investigadores que tiveram
contato com essas testemunhas oculares. Isso está em aberto contraste com
pessoas que dizem ter retirado suas informações de um suposto arquivo
invisível, acessível apenas a um restrito grupo de pessoas exóticas.
Documentos fidedignos versus documentos
duvidosos
Outra fonte que procura
informar as atividades de Jesus dos doze aos trinta anos é descrita pelo
jornalista russo Nicolai Notovitch, que teria, em 1887, quando então com 29
anos, conhecido o mosteiro budista de Hemis, em Ladakh, no norte da Índia. E
lá, soube da existência de escritos tibetanos sobre um misterioso profeta
chamado “Santo Issa” e que os dados sobre a vida desse Issa eram muito
semelhantes aos dados da vida de Jesus de Nazaré. Segundo o jornalista, o
reverendo abade do mosteiro budista traduzia e lia os escritos, às vezes
incompletos, e ele, por sua vez, tomava nota de tudo.
Esses supostos escritos
afirmavam que um adolescente de Israel com o nome de Issa tinha fugido de casa
e chegado àquela região trazido por mercadores com o objetivo de se preparar
espiritualmente. Os textos diziam ainda que esse suposto Issa foi discipulado
nos mosteiros budistas e hindus. 6
Antes de darmos crédito a
tais relatos, seria bom compararmos documentalmente nossos evangelhos com as
narrações do jornalista russo. Segundo o escritor Josh McDowell, existem hoje
cerca de 24.000 cópias antigas do Novo Testamento, mais do que qualquer outro
livro da antiguidade, as quais são suficientes para confirmar a historicidade
de Jesus. 7
Em nenhum lugar esses
textos fazem qualquer referência à visita de Jesus ao Extremo Oriente ou
apresenta qualquer ensino ou prática que lembrem os hindus e os budistas ou
suas escrituras. Portanto, basear-se em um manuscrito obscuro, do qual até hoje
ninguém, além de Nicolai Notovitch, tem conhecimento para saber quem é Jesus é
algo fora de lógica. Seria o equivalente a abraçar boatos e a rejeitar documentos
históricos.
A falácia essênica
Para termos uma ideia de
quanto tem sido inútil procurar evidências do Jesus histórico fora da Bíblia
basta citarmos o caso dos essênios. Em 1947, foram descobertos, junto ao Mar
Morto, rolos de vários livros da Bíblia e outros escritos pertencentes a uma
comunidade ascética, supostamente, os essênios. Os essênios eram praticantes de
um tipo monástico de judaísmo e não tardou para que afirmassem que Jesus era
essênio e que havia estado entre eles nos anos de silêncio de sua vida.
A questão dos contatos
entre Jesus e a comunidade essênia foi abordada da seguinte forma: “...Mas um
episódio específico assume aqui a sua significação: o da tentação. Mateus
escreve que Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto para aí ser tentado
(Mt 4.1). Ora, vimos que o deserto, sem outra indicação, parece, no meio em que
estamos, designar a solidão dos essênios. Da mesma forma, o lugar tradicional
da tentação é situado na região onde foram encontrados os manuscritos, um pouco
ao norte de Qumran. Não é apenas o tema da tentação que nos leva a pensar nos
monges de Qumran [...] a atitude de Cristo com relação às seitas judaicas,
prolonga a de João Batista. Os essênios nunca são nomeados no evangelho, e a
razão disso parece realmente ser que, para Cristo, eles correspondem aos
‘verdadeiros israelitas, aos pobres de Israel’”.8
Chegou-se a dizer que os
documentos de Qumran abalariam os conceitos tradicionais do cristianismo,
revelando fatos desconhecidos sobre Jesus e os primeiros cristãos que a Igreja
Cristã havia mantido oculto.
Hoje, mais de meio século
de pesquisas arqueológicas tem mostrado que não houve qualquer relação entre
Jesus e os essênios. Tudo não passou de pura especulação de inúmeros céticos
que continuam tentando, de alguma forma, negar ou distorcer a pessoa de Jesus
Cristo. Até mesmo a mídia secular cita estudiosos que negam qualquer relação
entre Jesus e os essênios: “Para alguns estudiosos, nada disso prova o vínculo
entre Jesus e os essênios: não existe nenhum fato ou indício convincente,
afirma o doutor em teologia e especialista em Novo Testamento, Archibald
Mulford Woodruff, da Universidade Metodista de São Paulo. Há apenas relatos
paralelos entre os manuscritos do Mar Morto e o evangelho, o que não chega a
configurar uma influência essênia sobre Jesus”.9 Tudo não passou de um engano.
Jesus, o judeu de Nazaré da Galileia
Quando lemos os relatos
bíblicos da vida de Jesus, ficamos convencidos de que sua viagem à Índia, entre
os doze e trinta anos, não passam de divagação de homens que querem transtornar
o cristianismo, “deformando” a pessoa de Jesus para embasar seus ensinos.
Quando
Jesus começou seu ministério, todos o identificaram como alguém de seu meio:
a) Filho do carpinteiro,
irmão de Tiago, José, Simão e Judas (Mt 13.55);
b) Carpinteiro, filho de
Maria (Mc 6.2);
c) Filho de José (Lc 4.22).
O epíteto “Jesus de Nazaré”
ou “Jesus Nazareno” era um identificador de uma de suas principais
características. Os apelidos, que funcionavam como sobrenome, geralmente eram
dados de acordo com um fator importante que o distinguia de outra pessoa com o
mesmo nome. Esse acréscimo ao nome poderia ser a filiação, como, por exemplo,
“Simão Bar Jonas”, isto é, filho de Jonas (Mt 16.17). Poderia ser de função
como João, o Batista (Mt 3.1) ou Simão, o curtidor (At 10.6). Poderia ser de
qualidade, como “Boanerges”, que significa “Filhos do Trovão”, como no caso de
Tiago e João (Mc 3.17). Ou ainda poderia ser de lugares, como José de Arimatéia
(Lc 19.38).
No caso de Jesus, todos o
identificavam como sendo de Nazaré, pequena cidade da Galileia. Em nenhuma
parte dos evangelhos há qualquer menção, por menor que seja, que relacione
Jesus a outra localidade geográfica. Se ele tivesse passado esses dezoito anos
em outro lugar, não o teriam identificado com sendo de Nazaré, mas, sim, de
outro lugar. E para concluir, Lucas 4.16 diz que ele foi criado em Nazaré.
Os
ensinos de Jesus nada têm a ver com os ensinos do hinduísmo e do budismo. Para
alguém que supostamente passou toda sua juventude na Índia, isto é estranho:
a) Jesus ensinava a
ressurreição, não a reencarnação (Mt 22.29-32; Lc 16.19-31);
b) Jesus dizia que os seres
humanos valem mais do que os animais (Mt 6.26);
c) Jesus cria em um único
Deus (Mc 12.29-30);
d) Jesus comia carne de
animais (Lc 24.40-44);
e) Jesus colocava os judeus
como o principal povo (Jo 4.22).
Tudo isto está em explícito
contraste com os ensinos do hinduísmo e do budismo.
Portanto, não há quaisquer
evidências ou sinais, por menor que sejam, que indiquem que Jesus esteve na
Índia. E se os evangelhos não são explícitos sobre o período da vida dele dos
doze aos trinta anos, é porque esse período não foi o mais importante de sua
vida. Mas homens que rejeitam o verdadeiro Cristo querem fazer o silêncio falar
demais. Não se conformam com Jesus tal como Ele é e se apegam a um Jesus que
não pode salvar.
1 OJesus histórico, Otto Borchert. São Paulo:
Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, p. 172.
2 Ibid., p. 15.
3 Ibid., p. 72.
4 Os anos obscuros da mocidade de Jesus. Samuel
F.M. Costa. Porto Alegre: Chamada da meia-noite, p. 38.
5 Ibid., p. 39.
6 Ibid.
7 Evidência que exige um veredicto. Josh Macdowell.
São Paulo: Candeia, p.55.
8 Os Manuscritos do Mar Morto. E.M.
Laperroussaz. Círculo do Livro, p. 177.
9 Revista Superinteressante, dez/2002, p.47.
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