Raabe, que era uma estrangeira (gentia) e prostituta
alcançou graça e misericórdia da parte de Deus. A misericórdia de Deus foi
estendida a ela. Tiago (2:25) reconhece seu feito (o de esconder os espias
israelitas) como uma boa obra e afirma que Deus a justificou: “Do mesmo modo,
também não foi Raabe, a meretriz, justificada pelas obras, quando recebeu os
espias e os fez partir por outro caminho?”. Ao observarmos a genealogia do
Messias aprendemos que nos pensamentos de Deus o inesperado acontece, pois
Raabe é listada como ancestral de Jesus (Mateus 1:5). O autor de Hebreus
(11:31) coloca Raabe na galeria dos heróis da fé junto com outras pessoas
ilustres.
Mas, mesmo assim os relatos de Josué 2 nos informa que ela
mentiu aos emissários cananitas quando foi indagada, pelo rei de Jericó, a
respeito da identidade e do paradeiro dos dois espias israelitas. Ela escondeu
os homens num compartimento de sua casa e informou que eles não estavam ali. Ela
enganou os emissários do rei de Jericó e desta forma livrou os dois espias de
serem mortos. Com este ato ela e sua família alcançaram o favor de Deus e não
foram mortos na destruição de Jericó por parte dos israelitas (Josué 6).
A grande pergunta que não se cala é: Como Deus a justificou
e teve misericórdia dela não obstante sua mentira? Podemos oferecer três respostas:
1ª) não podemos saber exatamente quais os motivos, mas é certo que Deus é
soberano e faz o que lhe apraz; 2ª) Deus a considerou culpada da mentira, mas
decidiu perdoá-la mesmo assim; 3ª) Deus não a considerou nem errada nem
culpada, pois ela praticou uma norma superior (preservou a vida dos espias).
A primeira resposta não nos oferece oportunidade para
argumentar. Passemos então à segunda.
O núcleo principal das circunstâncias é que Raabe enfrentava
um dilema moral: mentir e salvar a vida dos espias ou dizer a verdade e entrega-los
para serem mortos. A segunda resposta afirma que num dado conflito de normas
fazer o menor dos dois males (mentir ou sujeita-los a morte) é desculpável e
perdoável por Deus. O menor dos dois males no caso era mentir (obviamente essa decisão
pressupõe que existem níveis e gravidades de pecado). Deus a perdoou porque não
foi ela quem buscou ou criou essa circunstância difícil, mas foi colocada ali
por razões externas que fogem do seu controle. Ainda que muitos estranhem isso poderíamos dizer até mesmo que
foi, em certo sentido, o próprio Deus quem a colocou na circunstância. Portanto,
ela errou em mentir, mas fez o menor de dois males, buscou a misericórdia e por
isso Deus a perdoou. As consequências da queda (mentira e morte) é uma
realidade no mundo e ela não se sente pessoalmente responsável por isso.
A terceira resposta afirma que existem normas e princípios superiores
e inferiores e que num dado dilema moral a pessoa não é culpada de quebrar uma norma inferior (a mentira) quando se
tem em vista uma norma superior (salvar vidas). O que é evidente nesse caso é o
fato de Raabe “salvar” não apenas os dois espias, mas a nação de Israel. Ela não
somente evitou o mal maior, mas praticou o melhor do bem. A norma superior à
mentira é “não matarás”. Portanto, é como se Deus suspendesse seu efeito
punitivo isentando Raabe de incorrer em culpa diante Dele. Na resposta em
questão Raabe não mentiu, portanto não é moralmente culpada de mentir.
As duas posições são parecidas e num eventual dilema moral o
cristão provavelmente fará uso de uma ou outra. Penso que a segunda posição é
bem convincente. Acredito que é errado mentir, mas também que Raabe não deveria
entregar os espias à morte. Quanto à culpa do pecado dela o Senhor por sua
soberania a perdoou. Até porque os detalhes do relato de Josué 2 subentende o
propósito eterno de Deus em entregar Jericó aos israelitas.
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