Por Gilson Barbosa
No culto daquela noite o pregador leu o texto bíblico de Marcos 2.1-12 (narrativa sobre a cura do paralítico de Cafarnaum trazido por quatro amigos e descido pelo telhado até onde Jesus estava) e enfatizando a expressão do primeiro versículo, “ele [Jesus] estava em casa”, perguntava repetidamente ao auditório: “Me diga, por favor, de quem é essa casa?!”. Noutra vez era mais incisivo na pergunta: “Mas então, me diga, por favor, de quem era a casa pelo amor de Deuuuuus??!!”. A essas alturas eu já estava mais curioso pra saber quem era o proprietário da casa, do que concentrado para ouvir a pregação da Palavra de Deus em sua essência. Olhei para os irmãos e pude perceber também nas suas faces a mesma curiosidade e apreensão.
Numa associação duvidosa, equivocada e indevida de alguns textos bíblicos o que ficou claro (bom, pelo menos pra mim, pois alguns irmãos até hoje ainda não estão bem certos de quem era a casa!) com sua insistência era: Jesus era o mais famoso carpinteiro de Nazaré, devido à qualidade, as pessoas compravam muitos objetos ou móveis que ele produzia, ganhou um bom dinheiro e depois mudou-se para uma ampla e confortável casa de praia que comprara em Cafarnaum (Leia, por favor, Marcos 6.3; Mateus 4.12,13; João 2.12; Mateus 13.1).
Na mesma hora pensei: “Meu Deus! nem a pessoa mais criativa é tão criativa quanto esse pregador!!”. Mas logo em seguida concluí que isso estava mais para uma invenção do que para uma criatividade. Confesso que fiquei preocupado com o andamento da mensagem, fiz algumas anotações e depois pesquisei nos livros que tenho sobre o assunto. Não posso ser injusto e desqualificar a pregação como um todo, em certos momentos houve sensatez e coerência bíblica, mas, os detalhes, as entrelinhas, foram extremamente e negativamente afetados. Alguns erros foram cometidos na pregação.
O primeiro foi dizer o que a Bíblia não diz. Nada sabemos dos anos em que Jesus não exerceu seu ministério e se comportou normalmente, na sociedade, como qualquer outro judeu. Existe algo na exposição bíblica que eu chamo de a tentação do pregador. Nesse ponto ele é atraído irresistivelmente para uma zona cinzenta e perigosa (das passagens bíblicas) e assim como acontece nas tentações dos demais pecados o pregador não resiste e sucumbe nas entrelinhas. Dizer que Jesus era um carpinteiro famoso e que muitas pessoas em Nazaré compravam os móveis produzidos por ele é ser atraído para uma época na vida de Jesus onde a Bíblia se silencia.
Alguns grupos ligados ao Movimento Nova Era movidos pela curiosidade sobre a adolescência e juventude de Jesus pintaram um quadro em que Jesus não passa de um místico e adepto de práticas ocultistas. O apologista Eguinaldo Hélio comenta que: “Ao invés do carpinteiro de Nazaré, seguidor do judaísmo de sua época, foi pintado o quadro de um asceta hindu, viajante oriental, aluno de gurus e praticante de todo um misticismo que os cristãos jamais imaginaram fazer parte do comportamento de Jesus. Ele teria viajado ao Extremo Oriente, após o incidente no Templo de Jerusalém (Lc 2.46), e se iniciado nas doutrinas e práticas da Índia e do Tibete. Na verdade, os adeptos da Nova Era criaram um Jesus à sua própria imagem e semelhança, para que, assim, pudessem justificar todas as suas práticas ocultistas”.[1] Não estou dizendo que o pregador cometeu uma heresia (não chega a tanto), mas que a insistência nesse tipo de prática (pregar criando histórias arbitrárias e subjetivas) pode gerar confusão, equívocos e possivelmente heresias.
O segundo trata-se de ler as Escrituras e entende-la cronologicamente e não logicamente. Se colocarmos os livros do Novo Testamento em ordem cronológica fica assim: Tiago, Gálatas, 1 e 2 Tessalonicenses, Marcos, 1 e 2 Coríntios, Romanos, Lucas, Colossenses, Efésios, Filipenses, Filemom, Atos, Mateus, 1 Timóteo, 1 Pedro, Tito, 2 Timóteo, 2 Pedro, Hebreus, Judas, 1,2 e 3 João e Apocalipse. No entanto, a maneira correta como os livros neotestamentários estão distribuídos segue a ordem lógica e crescente, que é a divisão em quatro classes: Biografia (Os Evangelhos), História (Atos dos apóstolos), Doutrinas (as cartas) e Profecia (Apocalipse).
Quando o pregador (assunto dessa postagem) associou as passagens dos Evangelhos para respaldar seu entendimento (Mc 2.1; Mt 4.12,13; Jo 2.12; Mt 13.1) o fez usando os textos bíblicos em ordem equivocada pois o desenvolvimento histórico dos acontecimentos na vida de Jesus não estão organizados nos Evangelhos. As histórias sobre Jesus nos Evangelhos precisam ser harmonizadas na ordem lógica dos fatos e não na ordem cronológica em que se encontra. A idéia do pregador é a que segue: Jesus estava na casa que comprara com a venda dos móveis que produzira (Mc 2.1; 6.3); sua casa era em Cafarnaum, pois fora morar lá (Mt 4.12, 13); era uma casa ampla e espaçosa, pois comportou no mínimo 21 pessoas (Jo 2.12), contando pelo menos duas irmãs de Jesus; e a casa era na beira da praia (Mt 13.1).
Quando Jesus convidou certos pescadores para tornarem-se seus discípulos, em Mateus 4.18-22, ficamos com a impressão de que foram irresponsáveis por abandonarem o trabalho, suas profissões e seguirem a Jesus – a princípio sem nenhuma remuneração. A Bíblia diz que “eles deixaram imediatamente as redes e o seguiram”. No entanto, numa leitura mais cuidadosa descobriremos que o primeiro contato dos discípulos com Jesus está registrado no Evangelho de João (1.35-51). Ou seja, os primeiros discípulos de Jesus, apesar de não deixarem suas profissões e trabalharem com a pesca, eram discípulos de João. Esse convívio com João Batista facilitou a aceitação do convite de Jesus para que eles o seguissem.
O terceiro tem a ver com certos perigos que a contextualização duma pregação apresenta. Segundo o pastor Silas Daniel “o principio da contextualização consiste em aplicar um texto bíblico à nossa realidade, e para isso é preciso pinçar fatos do cotidiano para submetê-los ao escrutínio ao da Palavra de Deus”. Não é antibíblico contextualizar uma pregação, mas, dramatizar uma história bíblica, como a de Marcos 2.1-6 afirmando que o “telhado quebrado” (Mc 2.4) pelos quatro amigos do paralítico gerou algum tipo de prejuízo ao dono da casa é uma contextualização equivocada. Os “telhados” das casas nos dias de Jesus “eram armados com pesadas vigas de madeira, sobre as quais se colocavam varetas, sendo tudo recoberto com uma massa de barro, à qual se misturava palha picada”.[2] O pregador deve entender e aceitar os limites da contextualização hodierna para dentro do texto bíblico, a fim de que não crie algo fantasioso.
“MAS DE QUEM ERA A CASA PELO AMOR DE DEUS?!”
Tudo indica e leva a crer que a casa onde Jesus morava em Nazaré fora adquirida por José, seu pai adotivo, e provavelmente passou toda a sua infância, adolescência e juventude nessa cidade (Mt 2.22; Jo 1.45,46). É verdade que Jesus teve que mudar-se para Cafarnaum (Mt 4.12,13), mas os motivos não eram interesses financeiros, materiais ou um tipo de orgulho, devido a boa situação econômica dessa cidade. Segundo o teólogo e comentarista bíblico Charles Caldwell Ryrie (Bíblia Anotada, Editora Mundo Cristão) Jesus mudou-se de Nazaré para Cafarnaum depois do incidente na sinagoga daquela cidade (Leia Lucas 4.16-30).
Apesar da expressão em Marcos 2.1, “e logo correu que ele [Jesus] estava em casa”, deixar uma pontinha de dúvida nos leitores da Bíblia, há boas explicações para afirmarmos categoricamente que a casa onde Jesus estava naquele momento era deeeeee........ Pedro!! De Pedro? Sim.
Jesus disse certa vez que o filho do Homem não tinha onde reclinar a cabeça. Apesar dessa afirmação não significar necessariamente que ele não era proprietário de uma casa ou que não tinha uma casa para morar, deve ser entendido que devido às necessidades do seu ministério ele se hospedaria onde desse e dormiria se pudesse.
O digníssimo pastor Eliseu Queiroz de Souza, no livro Israel Por Dentro (Editora CPAD, p. 72) escreve que “Cafarnaum é o único lugar da Bíblia onde se lê que Jesus tinha ali sua casa (Mc 2.1; 9.3) e que era também chamado a sua cidade (Mt 9.1). É bom que se diga que por estar escrito que Jesus tinha ali sua casa não significa que Ele fosse o proprietário da casa, e sim o seu morador. Qualquer casa onde uma pessoa venha a morar é chamada de a sua casa. De igual modo, quando se diz que Cafarnaum era a sua cidade, não significa isso que Ele fosse o dono da cidade, mas morador dela. Tudo indica que Jesus morava na casa de Pedro, cuja sogra Ele curou de uma febre (Mt 8.14-17; Mc 1.29-34; Lc 4.37-41)”. A Bíblia de Estudo de Genebra aponta a distância entre Nazaré (cidade onde Jesus ainda morava quando Marcos registra a cura do paralítico) e Cafarnaum e conclui que a casa onde Jesus curou o paralítico era de Pedro: “Jesus era de Nazaré, cerca de 32 km de distância, e a casa de Simão Pedro (Mc 1.29) podia estar servindo como morada em Cafarnaum, uma cidade mais centralmente localizada e com direto acesso ao mar da Galiléia”.
Deixo bem claro, estimado leitor, que minha intenção de publicizar esse tipo de postagem não é uma espécie de contra argumentação, ridicularização, refutação ou implicância contra a pessoa de qualquer pregador que seja. Se você é um fervoroso pregador do autêntico evangelho de Cristo, tem cuidado com o que prega e ficou chateado com a postagem, peço desculpas, mas não tem nada a ver contigo. Se você é um pregador do evangelho e gosta de pregar em temas inéditos e inusitados, peço, por favor, que explique bem sua pregação, pois senão o auditório sairá confuso e pode ser que alguém pergunte em casa, ao chegar do culto, sobre o que você pregou, como alguns perguntaram no caso do pregador referido nessa postagem: “De quem era a casa onde Jesus estava mesmo?”.
Saudações em Cristo,
Saudações em Cristo,