O escritor alemão Johann Wolfgang
von Goethe cunhou a magistral frase onde afirma que “a conduta é um espelho no qual
todos exibem a sua imagem”. Nada mais que verdadeiro. Percebe-se como
determinada pessoa é, ou seja, sua personalidade, reparando atentamente nos
seus atos, procedimentos ou conduta de vida – o modus vivendi. Existem pessoas que escondem muito bem seu lado
sombrio (pecaminoso), mas logo os efeitos das suas infames realizações vêm à
tona e a máscara cai do seu rosto. Tem sido assim desde sempre. Nesta breve
reflexão trato do pecado da cobiça.
A maioria dos estudiosos ensina
que a cobiça é o desejo veemente de ter o que outra pessoa tem. Mas, analisando
bem não é totalmente errado desejar o que outra pessoa tem. Se meu vizinho tem
um carro muito bonito e isso cria em mim a vontade de ter o mesmo modelo, marca
ou cor, não é nisso que reside o problema. Alguém dirá que isso é inveja. Eu
respondo que isso depende da intenção da pessoa que deseja o objeto (o que em
muitos casos é difícil avaliar) e do ponto de vista de quem acusa. Os técnicos
no assunto dizem que desejar o que o outro tem é cobiça, não inveja. O invejoso
tem sentimentos negativos pela posse do outro e deseja que ele não tenha o
objeto ou que de alguma forma perca este objeto. Já o cobiçoso vai além do
desejo de possuir os bens da outra pessoa, no fundo ele quer ter ou levar a vida que a outra tem.
Na verdade o cobiçoso deseja ser
ou ter o que o outro tem sem fazer esforço. Ele aproveita o momento, a situação,
para então praticar o golpe. Certo pensador disse muito bem que “os cobiçosos
desejam fazer fortuna sem precisarem trabalhar, desejam o cônjuge do próximo,
querem ter multidões a seus pés, procuram tirar proveito de certas situações,
procuram tirar férias faustosas e além de suas posses em outros países,
endividam-se além de suas posses e ganhos, enfim, procuram adquirir fama e
reconhecimento para satisfazer seus orgulhos e vaidades”.
No Decálogo há a seguinte exortação:
“Não cobiçarás a mulher do teu próximo; e não desejarás a casa do teu próximo,
nem o seu campo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu
jumento, nem coisa alguma do teu próximo” (Dt 5:21). O cobiçoso olha e vê a
vida próspera que o outro vive e no fundo quer ser ele. Só que para isso ele
viola as regras éticas, morais e espirituais. O cobiçoso se impacienta e se
irrita pelo fato de não ter o mesmo sucesso na vida que o outro tem. Daí ele
querer o que é da outra pessoa. O cobiçoso não somente deseja à casa do seu próximo,
a mulher, o campo, o servo ou serva, o boi ou jumento, mas ele quer essas
coisas porque elas lhe satisfazem nos mínimos detalhes e não quer ter o justo
esforço (ou trabalho) de ter algo similar.
De certa forma o rei Davi foi
vencido pelo pecado da cobiça. Quantas mulheres os reis deste período poderiam
ter, mas Davi queria exatamente Bate-Seba, que era mulher de Urias, seu fiel
soldado. O rei sabia que Bate-Seba era casada: “E mandou Davi indagar quem era
aquela mulher; e disseram: Porventura não é esta Bate-Seba, filha de Eliã,
mulher de Urias, o heteu?” (2 Samuel 11:3). Como todos os cobiçosos Davi não
avaliou as consequências deste pecado: “Então enviou Davi mensageiros, e mandou
trazê-la; e ela veio, e ele se deitou com ela (pois já estava purificada da sua
imundícia); então voltou ela para sua casa” (2 Samuel 11:4). Para levar sua
cobiça adiante o cobiçoso torna-se até mesmo violento, ríspido, ignorante,
cruel e insensato. “E sucedeu que pela manhã Davi escreveu uma carta a Joabe; e
mandou-lha por mão de Urias. Escreveu na carta, dizendo: Ponde a Urias na
frente da maior força da peleja; e retirai-vos de detrás dele, para que seja
ferido e morra” (2 Samuel 11:14-15).
No Antigo Testamento o termo cobiça possui três sentidos. O primeiro
é hamadh que é o desejo pela
possessão alheia: “Ai daqueles que nas suas camas intentam a iniqüidade, e
maquinam o mal; à luz da alva o praticam, porque está no poder da sua mão! E
cobiçam campos, e cobiçam casas, e arrebatam-nas; assim fazem violência a um
homem e à sua casa, a uma pessoa e à sua herança” (Miquéias 2:1-2). O segundo é
betsa que é o desejo por lucro que
seja desonesto: “Porque desde o menor deles até ao maior, cada um se dá à
avareza; e desde o profeta até ao sacerdote, cada um usa de falsidade” (Jeremias
6:13). E o terceiro é awwa (ava), ou
desejo egoísta: ”O cobiçoso cobiça o dia todo, mas o justo dá, e nada retém”
(Provérbios 21:26). Os termos derivados da cobiça são: desejar, ansiar,
cobiçar, esperar ansiosamente, sentir vontade, suspirar, anelar, querer,
preferir.
No Novo Testamento, entre outros,
encontramos os substantivos epithumia (ἐπιθυμία) e pleoneksía
(πλεονεξία). O primeiro expressa qualquer desejo intenso e o termo bíblico
correspondente é concupiscência: “Que
diremos pois? É a lei pecado? De modo nenhum. Mas eu não conheci o pecado senão
pela lei; porque eu não conheceria a concupiscência, se a lei não dissesse: Não
cobiçarás. Mas o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, operou em mim toda a
concupiscência; porquanto sem a lei estava morto o pecado” (Romanos 7:7-8). O
segundo expressa literalmente o desejo de ter mais, ou seja, a asserção
violenta dos próprios direitos: “Porque, como bem sabeis, nunca usamos de
palavras lisonjeiras, nem houve um pretexto de avareza; Deus é testemunha” (1 Tessalonicenses
2:5). O apóstolo Paulo não tinha nenhum interesse em ganhos financeiros, tirar
proveito da situação, no sentido de fazer agravo, defraudar ou tirar vantagem.
Não me atrevo a dizer quem dos
servos de Deus são cobiçosos, mas vale atentar para três recomendações
oferecidas por J. Ligon Duncan III:
Primeira, devemos ter consciência da realidade do pecado em nós. Ele
afirma que nós fomos libertos do reino do pecado, mas não fomos livres ainda da
presença do pecado. Uma luta constante sucede dentro de nós, das luxúrias da
carne (inicia a guerra) com o espírito. Há uma guerra espiritual acontecendo na
parte mais interna de nosso ser. Necessitamos, portanto, olhar o pecado (pecado
pessoal e particular) nos olhos. Não importa que cargo ou função ocupe na
igreja visível de Cristo (músico, cantor, pregador, pastor), nunca perca de
vista que não estás acima do pecado. Cuidado!
Segunda, precisamos detectar o que necessita ser tratado em nós – e
nessa reflexão trata-se da cobiça. Temos de analisar se estamos sendo, de
alguma maneira, cobiçosos ou não. Paulo escrevendo aos Colossenses (3:5)
exortou: “Mortificai, pois, os vossos membros, que estão sobre a terra” e a
seguir lista vários pecados que precisam “morrer” em nós. O grande problema é
que nós temos dificuldade de autoavaliação. Uns pensam que estão em posição de
maior santidade que outros, negligenciam o cuidado, mas cometem o pecado às
escondidas, no íntimo.
Terceira, é necessário abandonar o pecado. Ainda em Colossenses 3:8
o apóstolo Paulo orienta os irmãos a abandonarem de vez os pecados: “Mas agora,
despojai-vos também de tudo: da ira, da cólera, da malícia, da maledicência,
das palavras torpes da vossa boca”. O pecado da cobiça não deve ser tratado
como se fosse um bichinho de estimação, é preciso se livrar dele urgente.
Que o Senhor nos ajude a refletir
sobre isso. Se temos sido cobiçosos devemos pedir perdão ao Senhor e também ao
próximo que temos prejudicado com a nossa cobiça.
Em Cristo,
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