domingo, 21 de dezembro de 2014

NÃO CONFUNDA INTERPRETAÇÃO COM APLICAÇÃO BÍBLICA



Muitas pessoas opinam que a Bíblia pode ser interpretada de inúmeras maneiras e que cada leitor interpreta os textos bíblicos e suas narrativas como lhe convém. É o leitor quem possui a primazia sobre a interpretação e não o que o autor bíblico intencionou. As mesmas pessoas entendem que o texto bíblico deve de alguma maneira, ser interpretado no mundo contemporâneo. Portanto, inserem seus entendimentos pessoais já formatados pelos seus próprios pressupostos. É comum pessoas fazerem o texto bíblico dizer o que ele não quis dizer. Na hermenêutica sagrada isso é chamado de “eisegese”. Mas será que devemos ter essa atitude para com a intepretação bíblica? Podemos interpretar as narrativas bíblicas de qualquer forma segundo nossa compreensão do texto?

A primeira questão importante a ser refletida pelos leitores da Bíblia é que há no texto bíblico somente um sentido, somente um significado. Não faz sentido o Senhor Deus fazer uso da sua revelação especial (a Bíblia Sagrada) para mais confundir do que esclarecer seu povo, sua igreja. Pelo menos não deveria ser essa a intenção de Deus. O plano de Deus para a salvação da humanidade e para a condução de sua Igreja não é uma charada espiritual.

Os teólogos têm ensinado a perspicuidade das Escrituras. Ou seja, a mensagem das Escrituras é clara o suficiente de modo que até o menos instruído dos leitores é capaz de entender a mensagem da salvação que a Bíblia apresenta. Porém não devemos confundir essa declaração, e a partir daí interpretarmos a Bíblia relativamente ou subjetivamente. Há nas Escrituras partes que não estão totalmente claras ou livres de qualquer dificuldade. Há coisas que aprouve ao Senhor não nos informar claramente a respeito (leia Deuteronômio 29:29).

Foi o então professor de grego da Universidade de Oxford (Benjamim Jowet) quem propôs a tese de que as Escrituras possuem um único significado – ou seja, o significado que tinha na mente do autor que escreveu para os ouvintes ou leitores que o receberam pela primeira vez (Introdução à Hermenêutica Bíblia, Ed: Cultura Cristã). Sou a favor dessa tese. Mas observamos que vários elementos nos impedem desse entendimento: a cultura, novas descobertas cientificas, o contexto pessoal do ouvinte e do leitor da Bíblia, a contemporaneidade do mundo, o progresso da revelação divina, o desenvolvimento de teorias na compreensão da Bíblia. É por isso   que os diversos movimentos, tais como o feminismo e a teologia gay, fazem uso descarado das Escrituras para defenderem suas teses extravagantes.  

Como teste para verificar e determinar se a teoria do sentido único é aplicável olhemos para a parábola dos trabalhadores da vinha (leia Mateus 20:1-16). O dono de uma vinha contrata trabalhadores para trabalharem durante o dia todo pelo salário de um denário. Foram contratados as nove, ao meio-dia, as três e às cinco horas da tarde.

Ao findar do dia o dono da vinha instrui o administrador a pagar os trabalhadores a começar pelos que começaram a trabalhar às cinco horas da tarde. Em vez de dar a eles um doze avos de um denário, pagou o salário de um dia inteiro trabalhado. Os que começaram a trabalhar no começo do dia pensaram que receberiam a mais do que os outros, mas ao saberem que os que haviam sido contratados ao final do dia receberam a mesma quantia que eles, começaram a reclamar. O proprietário da vinha responde que não havia sido injusto com eles, pois havia combinado com os mesmos o valor de um denário ao dia. Se ele queria ser generoso e bondoso com os trabalhadores da última hora essa era uma prerrogativa sua. Resumindo: a única interpretação e o único sentido do texto bíblico é que a parábola é uma declaração da generosidade e da graça de Deus para com os trabalhadores indignos.

A segunda questão importante a ser refletida pelos leitores da Bíblia é que ao contrário do princípio único ou verdade ensinada pelo escritor humano nas Escrituras podemos ter no texto diferentes aplicações. Portanto, atente para esta regra: não confunda interpretação com aplicação bíblica.

Voltando à parábola dos trabalhadores da vinha temos abaixo as seguintes aplicações:

Há leitores que entendem que ela trata sobre as várias idades em que uma pessoa pode converter-se á Cristo. Sendo assim há aqueles que podem ter um encontro com Cristo “na última hora” ou nos instantes finais da sua vida. É o caso do ladrão na cruz.

Alguns vêem a parábola como uma referencia a história da salvação. Afirmam que os primeiros trabalhadores referem-se aos judeus, e os trabalhadores contratados na última hora é uma referencia aos gentios.

Outros aplicam à parábola a morte do ser humano bem como sua salvação. Alguns morrem na infância, outros morrem velhinhos. Mas tanto um como outro pode receber a graça de Deus e ser salvo.

Há também ainda outro entendimento de que a parábola refere-se à doutrina das recompensas proporcionais no céu pelos serviços prestados a Jesus Cristo. Neste caso há trabalhadores que mesmo chegando à salvação na ultima hora recebem recompensa igual ou maior porque em certo sentido todos os trabalhadores eram indignos, por diversas razões. Podemos ilustrar isso nos lembrando de crentes que estão na igreja desde a infância, mas que baseiam sua salvação e méritos apenas nas obras humanas e no cumprimento da lei.

Essas aplicações não são erradas, porém permanece a interpretação da parábola no princípio da bondade e generosidade de Deus. Consegue perceber essas diferenças ao ler as Escrituras? Contudo, nem toda a aplicação é legítima e há algumas que até mesmo são espúrias. É o caso de pregações que tratam sobre o sonho de José ou de Davi derrotando Golias. No primeiro caso dizem que Deus vai realizar seus sonhos, e no segundo que você derrubará os “gigantes da sua vida” – que seriam dificuldades impossíveis de serem vencidas. O que há de errado com esse tipo de aplicação? A pergunta é: é isso que Deus intencionou a José e a Davi? Realizar os sonhos do primeiro e livrar o segundo da morte? Não. Deus não estava preocupado com José ou Davi, mas sim com o povo de Israel. Os sonhos não eram de José, mas planos de Deus. O gigante não estava afrontado pessoalmente Davi, mas o Deus dos exércitos de Israel.

Não se engane: há uma só interpretação, mas várias aplicações. Mesmo assim as aplicações devem seguir um panorama geral coerente das Escrituras com o Ser de Deus e os seus planos. Não podemos aplicar as Escrituras como queremos, mas temos que obedecer as regras da hermenêutica sagrada. Não confunda interpretação com aplicação bíblica. Não devemos aplicar as Escrituras de forma incoerente. A Teologia da prosperidade erra quando afirma que Deus só tem o interesse de nos dar saúde, bênçãos materiais, dinheiro, fama e sucesso. Os crentes piedosos e tementes a Deus erram quando colocam Deus na parede exigindo milagres ou curas. Tanto um como outro não estão fazendo aplicações da Bíblia, mas sim, interpretando as Escrituras de maneira totalmente equivocadas.

Que o Senhor nos ajude a interpretamos e aplicarmos corretamente sua Palavra. Que sejamos honestos em não afirmar o que a Bíblia não afirma o que estamos afirmando.

No amor do Mestre.



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