Por Gilson Barbosa
Prezado leitor, você
estaria disposto a mudar de opinião caso fosse convencido de que seu ponto de
vista em algum assunto pode não ser o correto ou conter equívoco? Este é exatamente
o desafio proposto pela leitura e estudo do livro de Apocalipse, aos pastores,
líderes de estudos, mestres, estudantes da Escritura Sagrada e teólogos.
Todo o estudante de
teologia deveria saber que há muito simbolismo no livro do Apocalipse. Penso
que a linha dispensacionalista, orgulhosa de interpretar o livro em seu sentido
literal, deveria rever este entendimento hermenêutico. Não atentar para esse
fato pode trazer dificuldades textuais de nível infantil, descabido e até mesmo
contraditório.
Tomemos como exemplo os números
na Bíblia, que são muito usados no Apocalipse de modo simbólico. Voltando ao
Antigo Testamento nos deparamos com a história de Ana, a mãe do profeta,
sacerdote e juiz em Israel, Samuel. O autor bíblico, do livro de Samuel, em
2.21 afirma que ela teve cinco filhos - três meninos e duas meninas:
O Senhor foi bondoso com Ana; ela engravidou e deu à luz três filhos e
duas filhas. Enquanto isso, o menino Samuel crescia na presença do Senhor.
No entanto, no seu cântico
(oração) de louvor ao Senhor Ana menciona ter sete filhos, mesmo o leitor
entendendo que nessa época ela tinha apenas a Samuel:
Os que tinham muito, agora trabalham
por comida, mas os que estavam famintos, agora não passam fome. A que era estéril deu à luz sete filhos,
mas a que tinha muitos filhos ficou sem vigor.
1
Samuel 2:5
Se esse “impasse” não for
solucionado a Bíblia não é inerrante, pois, parece haver contradição entre o
que Ana disse em sua oração e o que o autor do livro mencionou. A solução está
em entender a importância e o conceito que a Bíblia dá aos números. Não que se
trata de misticismo numérico, mas, temos de admitir que neles haja certos conceitos,
como é o caso dos números três, seis, sete, doze. Temos de analisá-los à luz da
ortodoxia teológico-doutrinária e dos textos bíblicos paralelos.
A solução para essa aparente discrepância bíblica é saber que o número sete na Bíblia tem o sentido
de plenitude, contentamento, satisfação, completude. Deus concluiu a criação no
sétimo dia e o abençoou. O texto bíblico abaixo trata da satisfação Divina pela
realização e concretização da Sua obra:
Assim foram
concluídos os céus e a terra, e tudo o que neles há.
No sétimo dia Deus já havia concluído
a obra que realizara, e nesse dia descansou.
Abençoou Deus o sétimo dia e o santificou,
porque nele descansou de toda a obra que realizara na criação.
Gênesis
2:1-3
Concluímos que Ana ao
mencionar em sua oração ser mãe de “sete” filhos, está afirmando a sua alegria, realização, completude, sua plena satisfação com o
Senhor, em ter tido um filho (Samuel) mesmo sabendo que era fisicamente
incapacitada para tal. Eis aí uma solução hermeneuticamente correta, ortodoxa e
bíblica. É assim que devem ser entendidos os números no Apocalipse, pois, de
outra forma teremos problemas e contradições.
Pensemos brevemente nos
144 mil descritos em Apocalipse 7. O dispensacionalismo entende que serão
judeus salvos no período da grande tribulação com a responsabilidade de pregar
o evangelho aos que estiverem presentes neste período. No capítulo 14: 4 diz
que eles são virgens:
Estes
são os que não estão contaminados com mulheres; porque são virgens. Estes são os que seguem o Cordeiro
para onde quer que vá. Estes são os que dentre os homens foram comprados como
primícias para Deus e para o Cordeiro.
Apocalipse 14:4
Até mesmo a linha dispensacionalista
entende que o texto deve ser interpretado simbolicamente. Como não entender
essa expressão como símbolo da santidade, piedade e devoção total ao Senhor? Seria
um absurdo se não interpretássemos como um símbolo. O problema é que sem
nenhuma explicação satisfatória o número (144 mil) e a nacionalidade se tornam
literais.
E ouvi o número dos assinalados, e
eram cento e quarenta e quatro mil assinalados, de todas as tribos dos filhos
de Israel.
Apocalipse 7:4
Os dispensacionalistas são
arminianos, portanto, como crer que Deus predestina um número exato de salvos judeus
para a salvação? Esse entendimento não contradiz o ensino do livre arbítrio
para a salvação? Outro detalhe é que as tribos listadas não são literalmente as
tribos de Israel. Temos pelo menos algumas indicações disto. A lista
apocalíptica inicia-se com Judá, a do Israel literal com Rúben. As tribos de Dã
e Efraim não aparecem na listagem. José aparece como sendo tribo. Dez tribos
desapareceram e seu destino é incerto. Desta forma a interpretação literal fica
comprometida. O entendimento simbólico é mais coerente:
É bem claro, portanto, que a multidão
dos selados de Apocalipse 7 simboliza a totalidade da Igreja da antiga e da
nova dispensações. A fim de enfatizar o fato de que não é pequena a referida
porção da Igreja, mas toda a Igreja militante, esse número 144 é multiplicado
por mil. Um mil é 10x10x10, que indica um cubo perfeito, isto é, uma completa
reduplicação. (Ver Apocalipse 21:16) Os 144.000 indivíduos selados das doze
tribos de Israel literal simbolizam o Israel espiritual, a Igreja de Deus na
terra.
William Hendriksen
A interpretação sugerida
pelos dispensacionalistas ou pré-milenistas clássicos ao capítulo 20 de Apocalipse
apresenta uma aparente incoerência – deixo para que os leitores julguem.
E vi descer do céu um anjo, que tinha a chave do abismo, e uma grande cadeia na sua mão.
Ele prendeu o dragão, a antiga serpente, que é o Diabo e Satanás, e amarrou-o por mil anos.
E lançou-o no abismo, e ali o
encerrou, e pôs selo sobre ele, para
que não mais engane as nações, até que os mil anos se acabem. E depois importa
que seja solto por um pouco de tempo.
Apocalipse 20:1-3
Interpretam que as
expressões chave do abismo, a grande cadeia, o dragão, o amarrar Satanás e
o colocar selo sobre ele devem ser
entendidos simbolicamente. Entendem que os símbolos de chave, corrente e selo
querem significar que “por intervenção angélica” a “liberdade de Satanás é
restringida e sua esfera de operações, diminuída”. Porém, numa mudança brusca e
arbitrária o simbolismo nos versículos 1 a 3 é abandonado para empregar a
literalidade de que os “mil anos” significa exatamente um período onde o Senhor
reinará com seus santos, em pessoa e publicamente reconhecido.
E vi tronos; e assentaram-se sobre
eles, e foi-lhes dado o poder de julgar; e vi as almas daqueles que foram
degolados pelo testemunho de Jesus, e pela palavra de Deus, e que não adoraram
a besta, nem a sua imagem, e não receberam o sinal em suas testas nem em suas
mãos; e viveram, e reinaram com Cristo
durante mil anos.
Mas os outros mortos não reviveram, até que os mil anos se acabaram. Esta é
a primeira ressurreição.
Bem-aventurado e santo aquele que tem
parte na primeira ressurreição; sobre estes não tem poder a segunda morte; mas
serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão
com ele mil anos.
E, acabando-se os mil anos, Satanás será solto da sua prisão,
Apocalipse 20:4-7
Segundo a corrente denominada
amilenista os “mil anos” são simbólicos e trata-se do tempo histórico que se
estende desde a morte e ressurreição de Cristo até Sua segunda vinda. Aos que
objetam que Cristo não pode estar reinando num mundo eivado de enganos,
heresias e tantas coisas ruins, devem entender que Satanás tem certo “poder” de
atuação nestas esferas, mas está limitado pelo poder de Cristo – especialmente
após a morte e ressurreição de Cristo.
E, despojando os principados e
potestades, os expôs publicamente e deles triunfou em si mesmo.
Colossenses 2:15
E, chegando-se Jesus, falou-lhes,
dizendo: É-me dado todo o poder no céu e na terra.
Mateus
28:18
Que manifestou em Cristo,
ressuscitando-o dentre os mortos, e pondo-o à sua direita nos céus.
Acima de todo o principado, e poder, e
potestade, e domínio, e de todo o nome que se nomeia, não só neste século, mas
também no vindouro;
E sujeitou todas as coisas a seus pés,
e sobre todas as coisas o constituiu como cabeça da igreja,
Efésios 1:20-22
Agora é o juízo
deste mundo; agora será expulso o príncipe deste mundo.
João 12:31
O Deus de nossos pais ressuscitou a
Jesus, ao qual vós matastes, suspendendo-o no madeiro.
Deus com a sua destra o elevou a
Príncipe e Salvador, para dar a Israel o arrependimento e a remissão dos
pecados.
Atos 5:30, 31
Prezados leitores, não
pretendo fazer confusão nem busco inovação, mas, apenas provocá-los a uma
discussão saudável que possa levá-los a compreender que talvez o que a
Escritura sempre ensinou a respeito da escatologia amilenista possa não ser o
que aprendemos em nossa histórica denominação. Você tem coragem de seguir as Escrituras em
detrimento da tradição denominacional?
Em Cristo,
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