segunda-feira, 18 de junho de 2012

SIMBOLISMO NO LIVRO DO APOCALIPSE

Por Gilson Barbosa

Prezado leitor, você estaria disposto a mudar de opinião caso fosse convencido de que seu ponto de vista em algum assunto pode não ser o correto ou conter equívoco? Este é exatamente o desafio proposto pela leitura e estudo do livro de Apocalipse, aos pastores, líderes de estudos, mestres, estudantes da Escritura Sagrada e teólogos.  

Todo o estudante de teologia deveria saber que há muito simbolismo no livro do Apocalipse. Penso que a linha dispensacionalista, orgulhosa de interpretar o livro em seu sentido literal, deveria rever este entendimento hermenêutico. Não atentar para esse fato pode trazer dificuldades textuais de nível infantil, descabido e até mesmo contraditório.

Tomemos como exemplo os números na Bíblia, que são muito usados no Apocalipse de modo simbólico. Voltando ao Antigo Testamento nos deparamos com a história de Ana, a mãe do profeta, sacerdote e juiz em Israel, Samuel. O autor bíblico, do livro de Samuel, em 2.21 afirma que ela teve cinco filhos - três meninos e duas meninas:

O Senhor foi bondoso com Ana; ela engravidou e deu à luz três filhos e duas filhas. Enquanto isso, o menino Samuel crescia na presença do Senhor.

No entanto, no seu cântico (oração) de louvor ao Senhor Ana menciona ter sete filhos, mesmo o leitor entendendo que nessa época ela tinha apenas a Samuel:

Os que tinham muito, agora trabalham por comida, mas os que estavam famintos, agora não passam fome. A que era estéril deu à luz sete filhos, mas a que tinha muitos filhos ficou sem vigor.


1 Samuel 2:5 

Se esse “impasse” não for solucionado a Bíblia não é inerrante, pois, parece haver contradição entre o que Ana disse em sua oração e o que o autor do livro mencionou. A solução está em entender a importância e o conceito que a Bíblia dá aos números. Não que se trata de misticismo numérico, mas, temos de admitir que neles haja certos conceitos, como é o caso dos números três, seis, sete, doze. Temos de analisá-los à luz da ortodoxia teológico-doutrinária e dos textos bíblicos paralelos.

A solução para essa aparente discrepância bíblica é saber que o número sete na Bíblia tem o sentido de plenitude, contentamento, satisfação, completude. Deus concluiu a criação no sétimo dia e o abençoou. O texto bíblico abaixo trata da satisfação Divina pela realização e concretização da Sua obra:

            Assim foram concluídos os céus e a terra, e tudo o que neles há.

No sétimo dia Deus já havia concluído a obra que realizara, e nesse dia descansou.

Abençoou Deus o sétimo dia e o santificou, porque nele descansou de toda a obra que realizara na criação.


Gênesis 2:1-3

Concluímos que Ana ao mencionar em sua oração ser mãe de “sete” filhos, está afirmando a sua alegria, realização, completude, sua plena satisfação com o Senhor, em ter tido um filho (Samuel) mesmo sabendo que era fisicamente incapacitada para tal. Eis aí uma solução hermeneuticamente correta, ortodoxa e bíblica. É assim que devem ser entendidos os números no Apocalipse, pois, de outra forma teremos problemas e contradições.

Pensemos brevemente nos 144 mil descritos em Apocalipse 7. O dispensacionalismo entende que serão judeus salvos no período da grande tribulação com a responsabilidade de pregar o evangelho aos que estiverem presentes neste período. No capítulo 14: 4 diz que eles são virgens:

Estes são os que não estão contaminados com mulheres; porque são virgens. Estes são os que seguem o Cordeiro para onde quer que vá. Estes são os que dentre os homens foram comprados como primícias para Deus e para o Cordeiro.


Apocalipse 14:4

Até mesmo a linha dispensacionalista entende que o texto deve ser interpretado simbolicamente. Como não entender essa expressão como símbolo da santidade, piedade e devoção total ao Senhor? Seria um absurdo se não interpretássemos como um símbolo. O problema é que sem nenhuma explicação satisfatória o número (144 mil) e a nacionalidade se tornam literais.

E ouvi o número dos assinalados, e eram cento e quarenta e quatro mil assinalados, de todas as tribos dos filhos de Israel.

           Apocalipse 7:4

Os dispensacionalistas são arminianos, portanto, como crer que Deus predestina um número exato de salvos judeus para a salvação? Esse entendimento não contradiz o ensino do livre arbítrio para a salvação? Outro detalhe é que as tribos listadas não são literalmente as tribos de Israel. Temos pelo menos algumas indicações disto. A lista apocalíptica inicia-se com Judá, a do Israel literal com Rúben. As tribos de Dã e Efraim não aparecem na listagem. José aparece como sendo tribo. Dez tribos desapareceram e seu destino é incerto. Desta forma a interpretação literal fica comprometida. O entendimento simbólico é mais coerente:

É bem claro, portanto, que a multidão dos selados de Apocalipse 7 simboliza a totalidade da Igreja da antiga e da nova dispensações. A fim de enfatizar o fato de que não é pequena a referida porção da Igreja, mas toda a Igreja militante, esse número 144 é multiplicado por mil. Um mil é 10x10x10, que indica um cubo perfeito, isto é, uma completa reduplicação. (Ver Apocalipse 21:16) Os 144.000 indivíduos selados das doze tribos de Israel literal simbolizam o Israel espiritual, a Igreja de Deus na terra. 

                                                                                                        William Hendriksen

A interpretação sugerida pelos dispensacionalistas ou pré-milenistas clássicos ao capítulo 20 de Apocalipse apresenta uma aparente incoerência – deixo para que os leitores julguem.

E vi descer do céu um anjo, que tinha a chave do abismo, e uma grande cadeia na sua mão.

Ele prendeu o dragão, a antiga serpente, que é o Diabo e Satanás, e amarrou-o por mil anos.

E lançou-o no abismo, e ali o encerrou, e pôs selo sobre ele, para que não mais engane as nações, até que os mil anos se acabem. E depois importa que seja solto por um pouco de tempo.

      Apocalipse 20:1-3

Interpretam que as expressões chave do abismo, a grande cadeia, o dragão, o amarrar Satanás e o colocar selo sobre ele devem ser entendidos simbolicamente. Entendem que os símbolos de chave, corrente e selo querem significar que “por intervenção angélica” a “liberdade de Satanás é restringida e sua esfera de operações, diminuída”. Porém, numa mudança brusca e arbitrária o simbolismo nos versículos 1 a 3 é abandonado para empregar a literalidade de que os “mil anos” significa exatamente um período onde o Senhor reinará com seus santos, em pessoa e publicamente reconhecido.  

E vi tronos; e assentaram-se sobre eles, e foi-lhes dado o poder de julgar; e vi as almas daqueles que foram degolados pelo testemunho de Jesus, e pela palavra de Deus, e que não adoraram a besta, nem a sua imagem, e não receberam o sinal em suas testas nem em suas mãos; e viveram, e reinaram com Cristo durante mil anos.

Mas os outros mortos não reviveram, até que os mil anos se acabaram. Esta é a primeira ressurreição.

Bem-aventurado e santo aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre estes não tem poder a segunda morte; mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão com ele mil anos.

E, acabando-se os mil anos, Satanás será solto da sua prisão,

    Apocalipse 20:4-7

Segundo a corrente denominada amilenista os “mil anos” são simbólicos e trata-se do tempo histórico que se estende desde a morte e ressurreição de Cristo até Sua segunda vinda. Aos que objetam que Cristo não pode estar reinando num mundo eivado de enganos, heresias e tantas coisas ruins, devem entender que Satanás tem certo “poder” de atuação nestas esferas, mas está limitado pelo poder de Cristo – especialmente após a morte e ressurreição de Cristo.

E, despojando os principados e potestades, os expôs publicamente e deles triunfou em si mesmo.

       Colossenses 2:15

E, chegando-se Jesus, falou-lhes, dizendo: É-me dado todo o poder no céu e na terra.

Mateus 28:18

Que manifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e pondo-o à sua direita nos céus.

Acima de todo o principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo o nome que se nomeia, não só neste século, mas também no vindouro;

E sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o constituiu como cabeça da igreja,

          Efésios 1:20-22

            Agora é o juízo deste mundo; agora será expulso o príncipe deste mundo.

                                                                                                                            João 12:31

O Deus de nossos pais ressuscitou a Jesus, ao qual vós matastes, suspendendo-o no madeiro.

Deus com a sua destra o elevou a Príncipe e Salvador, para dar a Israel o arrependimento e a remissão dos pecados.

  Atos 5:30, 31

Prezados leitores, não pretendo fazer confusão nem busco inovação, mas, apenas provocá-los a uma discussão saudável que possa levá-los a compreender que talvez o que a Escritura sempre ensinou a respeito da escatologia amilenista possa não ser o que aprendemos em nossa histórica denominação.  Você tem coragem de seguir as Escrituras em detrimento da tradição denominacional?

Em Cristo,

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