quinta-feira, 7 de junho de 2012

O “CORPUS CHRISTI” NA CEIA DO SENHOR

Por Gilson Barbosa

Hoje (07/06/2012) é comemorado pelo catolicismo romano o dia de “Corpus Christi”. Nesta postagem abordarei apenas a questão teológica e doutrinária. O leitor poderá saber a origem e demais detalhes dessa comemoração pesquisando o tema na internet ou lendo outra matéria deste assunto no meu blog. (leia aqui).

A Igreja Católica Romana ensina que há sete doutrinas fundamentais, tidas por ela como dogma: o Batismo, a Confirmação ou Crisma, a Eucaristia, a Penitencia, a Unção de Enfermos, a Ordem, e o Matrimônio. “O número dos sacramentos finalmente foram fixados em sete, durante o período medieval (nos concílios de Lyon, 1274; Florença, 1439; e Trento, 1547)”.[1] Os setes são os principais, mas há outros como, por exemplo, a agua batismal, o óleo santo, as cinzas benzidas, velas, palmas, crucifixos e estátuas. Aqueles são necessários à salvação e transmite graça aos seus adeptos.

Os sacramentos destinam-se à santificação dos homens, à edificação do Corpo de Cristo e ainda o culto prestado a Deus. Sendo sinais, destinam-se à instrução. Nao só supõem a fé, mas por palavras e coisas também a alimentam, a fortalecem e a exprimem. Por esta razão são chamados sacramentos  da fé. Conferem certamente a graça, mas sua celebração também prepara os fiéis do melhor modo possível para receberem frutuosamente a graça, cultuarem devidamente a Deus e praticarem a caridade.[2]

Os objetivos dos sacramentos estão claros na citação acima. Importa-nos no momento uma breve análise da Eucaristia. Segundo a Igreja Católica Romana:

A eucaristia é um sacramento que, pela admirável conversão de toda a substancia do pão no Corpo de Cristo, e de toda a substancia do vinho no seu precioso sangue, contém verdadeira, real e substancialmente o Corpo, Sangue, Alma e Divindade do mesmo Jesus Cristo Nosso Senhor, debaixo das espécies de pão e de vinho, para ser nosso alimento espiritual.[3]

Segundo a Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, na Eucaristia:

O sacrifício incruento da missa é identificado com o sacrifício de sangue da cruz, sendo que os dois são oferecidos pelos pecados dos vivos e dos mortos. Por isso, Cristo é a mesma Vítima e o mesmo Sacerdote na Eucaristia e na cruz. A transubstanciação, crença de que a substancia do pão e do vinho é transformada no corpo e no sangue de Cristo, foi aludida pela primeira vez no Quarto Concílio Laterano (1215). 
   
O reformador alemão Martinho Lutero se opôs a esse ensino dizendo que o pão e o vinho contém o corpo e o sangue físico de Jesus no ato da Ceia. Ele manteve o mesmo entendimento católico romano de que Cristo está fisicamente presente nos elementos da ceia. No entanto, para o catolicismo os elementos transformavam-se substancialmente na carne e sangue de Cristo, ainda que mantendo a aparência exterior natural (doutrina conhecida como “Transubstanciação”); para Lutero “as moléculas não são transformadas em carne e sangue. Mas o corpo e o sangue de Cristo estão presentes ‘em, com, e sob’ o pão e o vinho” (denominada posteriormente pelos historiadores eclesiásticos de “Consubstanciação”).[4] Em si mesmo os elementos permanecem sendo pão e vinho.  

Lutero ensinava que, embora fosse antibiblica a doutrina católica romana da transubstanciação, as palavras de Cristo “este é o meu corpo” na ultima refeição com os discípulos comprova que existe uma “presença real” do corpo de Cristo nos elementos do pão e do vinho [...] Isto é, para Lutero as duas naturezas do alimento físico e do corpo humano glorificado de Cristo se reúnem e alimentam a alma fiel na refeição sacramental.[5]

Alguns obreiros ou até mesmo entre a membresia, da denominação a qual pertenço, cometem sem saber o mesmo equívoco de Lutero quando afirmam que enquanto os participantes comem o pão e bebem o vinho possivelmente serão curados, abençoados, batizados em línguas, etc. Não concordo com esse entendimento, pois, além de ser uma interpretação defeituosa de certas passagens bíblicas, há muita proximidade entre esse ensino de Lutero e o da Igreja Católica Romana. 

Depois temos o entendimento dos elementos da ceia no ponto de vista do reformador suíço Zuínglio. Ele se opôs a Lutero dizendo que os elementos continuam sendo pão e vinho, substancialmente e externamente, e, apenas representam o corpo e sangue de Cristo, servindo apenas de memorial. Zuínglio negava a presença de Cristo real nos elementos e para ele a ceia nada mais era do que a proclamação e relembrança da igreja (o verdadeiro corpo de Cristo) a morte de Cristo. Dizia ele que:

Comer o corpo de Cristo espiritualmente nao é outra coisa senão confiar, de corpo e alma, na misericórdia e na bondade de Deus em Cristo, ou seja, ter a certeza, a fé inabalável, de que Deus perdoará nossos pecados e nos outorgará a alegria da bem-aventurança eterna por causa de seu Filho, que foi feito inteiramente nosso e oferecido em nosso nome para reconciliar a justiça divina para nós. (Citado em História da Teologia Cristã, 417).  

É interessante esse ponto de vista de Zuínglio, pois aparenta concordar com o que o apóstolo Paulo escreveu aos coríntios (11.24-26):

E, tendo dado graças, o partiu e disse: Tomai, comei: isto é o meu corpo que é partido por vós; fazei isto em memória de mim. (v.24)

Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue: fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim. (v.25)

Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor, até que venha. (v.26)

Outro ponto de vista interessante é a do reformador francês João Calvino. Este não concordava com o entendimento de Lutero nem de Zuínglio e procurou estabelecer um meio termo sobre o assunto, o que provocou mudança  da maioria das igrejas reformadas quanto ao conceito dos elementos presentes na ceia do Senhor. Para Zuínglio a ceia do Senhor era apenas uma refeição memorial (mantendo-se o entendimento espiritual, cultual e litúrgico) e seus elementos eram símbolos do “alimentar-se de Cristo”. Para Calvino a ceia era mais do que simplesmente isso (se eu estiver equivocado peço que me corrijam, por favor). Para ele Cristo estava de alguma maneira presente corporeamente nos elementos da ceia – mas não no mesmo sentido de Lutero ou da Igreja Católica Romana. Humildemente confesso que não entendi muito bem o que Calvino queria dizer com isso (gostaria de conversar com algum teólogo reformado sobre esse ponto).   

A Bíblia de Estudo de Genebra escreve em pouquíssimas linhas o seguinte sobre o assunto:

Calvino ensinou que, enquanto o pão e o vinho permanecem imutáveis, o Espírito eleva o crente através da fé, para gozar da presença de Cristo de um modo que é glorioso e real, ainda que indescritível.  
  
Não me sinto confortável em pensar que somente simultaneamente a participação nos elementos e mediante a comunicação do Espírito Santo na alma do crente, ele gozará a presença real e gloriosa de Cristo. Preciso entender melhor esse ponto de vista, pois, parece que contraria a onipresença de Cristo na ceia pelo fato Dele estar no céu com um corpo humano (ainda que glorificado) e só se faria presente no culto por meio da participação do crente nos elementos. Será que estou equivocado?

É verdade que a encarnação de Cristo limitou em certo sentido algum atributo da Divindade Nele, (como por exemplo, a onipresença) mas isso por essa simples razão. Não seria o caso agora, em que Ele se encontra exaltado nos céus por sua ressurreição e ascensão. Não há limites impostos para Sua onipresença em culto algum, ou há? Se existe limitação em que sentido deve ser entendido?

O entendimento da Igreja Católica Romana, referente ao “corpo de Cristo” presente substancialmente nos elementos eucarísticos, é mais um de seus absurdos teológicos, contrário e acrescentado ao ensinamento bíblico. É uma grande heresia afirmar que na missa Cristo é sacrificado novamente. Portanto, adorar a eucaristia, por causa da “Transubstanciação”, não passa de “um ato de idolatria”. Cristo morreu vicariamente somente uma vez, e não todas as vezes que nos reunimos para participarmos da ceia.  

Porque nos convinha tal sumo sacerdote, santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores, e feito mais sublime do que os céus;

Que não necessitasse, como os sumos sacerdotes, de oferecer cada dia sacrifícios, primeiramente por seus próprios pecados, e depois pelos do povo; porque isto fez ele, uma vez, oferecendo-se a si mesmo. (Hebreus 7.26,27).

Em Cristo,
    
              

[1] ELWELL, Valter A. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. Ed: Vida Nova, 1993, p. 255.
[2] VIER, Frederico. Compendio Vaticano II. Ed: Vozes, 1991, p. 283.
[3] SÉRIE APOLOGÉTICA, Volume 1, 2002, p. 70.
[4] ERICKSON, Millard J. Introdução à Teologia Cristã. Ed: Vida Nova, 1999, p. 469.
[5] OLSON, Roger. História da Teologia Cristã. Ed: Vida. 2001, p. 405. 

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