Refletir sobre a viuvez é um
enorme desafio para a igreja evangélica moderna – se ela de fato busca se
conduzir conforme a Escritura Sagrada. O apóstolo Tiago (1:27) chega a ponto de
colocar o cuidado com as viúvas como um dos critérios que endossa a
verdadeira religião: “A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e
Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se
incontaminado do mundo”. São pelo menos três as preocupações de Tiago: que não
sejamos meros observadores dos mandamentos da Palavra de Deus, mas, praticantes;
a importância do envolvimento da igreja nas questões sociais; e o dever da igreja
de cuidar dos dois aspectos da vida cristã (espiritual e material).
Estamos vivendo em nossos dias uma
grande contradição do verdadeiro evangelho. Enquanto uns poucos se enriquecem a
custa da oferta das viúvas (Lucas 21:1-4), não as amparam nas suas necessidades.
A igreja evangélica moderna parece não
se atentar para o fato de que no Antigo Testamento havia a prática do dízimo tri-anual,
cuja finalidade era prover alimento para os levitas, órfãos, viúvas e estrangeiros.
Segundo o antigo mandamento bíblico (vigente ainda hoje) uma das formas de ser
abençoado, ao dizimar, era fazê-lo em favor dos que não tinham o básico e
necessário para sua sobrevivência.
Ao fim de cada três anos, tirarás todos os
dízimos do fruto do terceiro ano e os recolherás na tua cidade.
Então, virão o levita (pois não tem parte
nem herança contigo), o estrangeiro, o órfão e a viúva que estão dentro da tua
cidade, e comerão, e se fartarão, para
que o SENHOR, teu Deus, te abençoe em todas as obras que as tuas mãos
fizerem. (Dt 14:28,29).
Quando o agricultor fosse
recolher o produto do seu trabalho no campo, não deveria se preocupar em colher
os produtos que ficassem pelo chão, para que os necessitados (os grupos
listados em Deuteronômio 14:29) tivessem o que comer.
Quando vocês estiverem fazendo a colheita de
sua lavoura e deixarem um feixe de trigo para trás, não voltem para apanhá-lo. Deixem-no
para o estrangeiro, para o órfão e para a viúva, para que o Senhor, o seu Deus,
os abençoe em todo o trabalho das suas mãos.
Quando sacudirem as azeitonas das suas
oliveiras, não voltem para colher o que ficar nos ramos. Deixem o que sobrar para
o estrangeiro, para o órfão e para a viúva.
E quando colherem as uvas da sua vinha, não
passem de novo por ela. Deixem o que sobrar para o estrangeiro, para o órfão e
para a viúva.
Lembre-se de que vocês foram escravos no
Egito; por isso lhes ordeno que façam tudo isso. (Deuteronômio 24:19-22 –
versão NVI).
É evidente a preocupação de Deus
com as classes menos favorecidas em Israel. No livro poético dos Salmos (68:5) está
registrado: “Pai dos órfãos e juiz das viúvas é Deus em sua santa morada”. A
igreja evangélica moderna não deve ficar passiva diante da viuvez das pessoas,
como dá a entender a verdade prática da
lição, mas buscar alternativas e empreender ações no sentido de atenuar
essas aflições, como comprova o item da lição o amparo da igreja (tópico II. 1,2). A igreja precisa se esforçar
na construção de lares, abrigos e espaços, no atendimento às pessoas nesta
condição – isso é praticar a justiça e agradável ao Senhor.
A Igreja Cristã Primitiva herdou do
judaísmo a preocupação em cuidar das viúvas. O primeiro conflito e desconforto
entre os cristãos tiveram a ver com arranjos que deveriam ser feitos a respeito
do sustento das viúvas, na igreja incipiente: “Ora, naqueles dias,
multiplicando-se o número dos discípulos, houve murmuração dos helenistas
contra os hebreus, porque as viúvas deles estavam sendo esquecidas na
distribuição diária”. (Atos 6:1). Certamente elas eram sustentadas pela igreja,
pois não podiam trabalhar para se sustentar e não tinham parentes para ajudá-las
com o mínimo necessário. Eram viúvas, provavelmente, oriundas da dispersão judaica que retornaram para
encerrarem seus dias em Jerusalém.
Como a Igreja Primitiva tratou
esse assunto? Apesar do cuidado com as pessoas nesta condição houve a
necessidade de se estabelecer critérios no atendimento para não sobrecarregar a
igreja primitiva (I Timóteo 5:16). O texto bíblico que aborda detalhadamente
essa questão é I Timóteo 5:1-16, mas, note que a discussão não era se a igreja
cuidaria ou não das (os) viúvas (os), mas, quem deveria e poderia ser
sustentada por ela, ou seja, fazia parte da administração da igreja esse
trabalho. Apesar de o texto mencionar somente a viúva (mulher), sua aplicação
estende-se ao homem nesse estado também.
Parece que havia uma ordem ou
classe de viúvas na igreja primitiva. Depreendemos assim, visto a necessidade
delas serem inscritas no programa da igreja, conforme o versículo 9 e 11. Alguns
comentaristas bíblicos dizem que elas cooperavam de alguma maneira com os
serviços sociais e espirituais da igreja. Não eram todas as viúvas que seriam
sustentadas pela igreja, mas, somente as que enquadrassem no critério
estabelecido pela liderança. Alguns deles são:
-
que tivessem acima de sessenta anos de idade (v.9);
-
que fosse casada apenas uma vez (v.9);
-
que de fato não tivesse nenhum amparo (v.4, 5a, 16);
-
que fosse exemplar nos afazeres domésticos (v.10);
-
que demonstrasse sinais de vida piedosa (v.5. b).
As viúvas que tinham parentes
deveriam ser sustentadas por estes (v.3): “Mas, se alguma viúva tem filhos ou
netos, que estes aprendam primeiro a exercer piedade para com a própria casa e
a recompensar a seus progenitores; pois isto é aceitável diante de Deus”. Significa
que a princípio os familiares não podiam abandonar uma viúva desamparada e relegá-la
aos cuidados da igreja. Os judeus, no tempo de Cristo, pensavam que era
responsabilidade total da instituição religiosa sustentar os idosos em
necessidade:
Entretanto, ainda havia pessoas que as [viúvas]
espoliavam. E alguns dos que mais faziam isso eram justamente os que se
passavam por mais religiosos. Jesus acusou diretamente os fariseus de agirem
assim, pois montavam esquemas dentro da estrutura religiosa com a finalidade de
“devorar” as casas das viúvas (Mc 12.40). Além disso, eles se recusavam a
sustentar a mãe idosa, apelando para o “corbã”. Diziam que haviam contribuído
para o templo, e que, portanto, o templo é que devia sustentar seus pais (Mc 7.11).[1]
Delegar à igreja os cuidados com idosos
ou pessoas em viuvez, quando na verdade os familiares possuem condições de
proverem o sustento, é infringir o mandamento bíblico: “Honra teu pai e tua
mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o SENHOR, teu Deus, te dá”
(Êxodo 20:12); “Honra a teu pai e a tua mãe (que é o primeiro mandamento com
promessa), para que te vá bem, e sejas de longa vida sobre a terra” (Efésios
6.2,3). É isso o que o apóstolo Paulo deixa claro a Timóteo no versículo 4.
O apóstolo Paulo trata de dois
tipos de viúvas: a verdadeiramente viúva
e a que não era uma autêntica viúva. Ou
seja, as que eram realmente necessitadas de ajuda, pois, se enquadravam dentro do
critério estabelecido, e as que possuíam meios de sobrevivência. Estas, por
serem ainda jovens podiam casar-se novamente e evitar sobrecarga à igreja: “Quero,
portanto, que as viúvas mais novas se casem, criem filhos, sejam boas donas de
casa e não dêem ao adversário ocasião favorável de maledicência” (v.14).
Mas, olhando atentamente para o
critério das viúvas jovens, parece haver contradição entre o versículo 11 e 14,
pois, naquele a viúva jovem é censurada por desejar novo casamento, mas neste Paulo
aconselha o casamento (leia atentamente esses versículos). Na verdade não há
contradição. O que há, é uma preocupação da liderança em não incluir no
sustento da igreja as viúvas jovens por elas não serem espiritualmente dignas
de tal ação e assim prejudicar o andamento do programa da igreja no trato com
as viúvas piedosas e tementes ao Senhor e sobrecarregando tarefas à igreja. É
assim que deve ser entendido o versículo 11: “Mas rejeita viúvas mais novas,
porque, quando se tornam levianas contra Cristo, querem casar-se, tornando-se
condenáveis por anularem o seu primeiro compromisso”. Há outra razão pela qual as
viúvas jovens não deveriam constar na lista das que deveriam receber ajuda da
igreja: “Ao mesmo tempo também aprendem a andar ociosas, indo de casa em casa,
e não só ociosas, mas também tagarelas e intrometidas, dizendo coisas que não
deveriam [dizer]” (v.13). É que diferente das viúvas piedosas e tementes ao
Senhor elas mais traziam problemas a igreja do que solução - não que todas as
viúvas jovens fossem impiedosas e que todas as idosas fossem piedosas ao Senhor.
Por fim não devemos responsabilizar
somente a igreja pelo cuidado e sustento das viúvas, mas, caso determinada viúva
(o) tenha familiares que possam ajudar, abrirá espaço para as que realmente necessitam
de ajuda – e neste caso a igreja deverá sustentá-la: “Se alguma crente tem
viúvas em sua família, socorra-as, e não fique sobrecarregada a igreja, para
que esta possa socorrer as que são verdadeiramente viúvas”.
Para algumas pessoas o estado de
viuvez é muito angustiante; outras conseguem adaptar-se bem a essa condição. No
aspecto econômico muitas recebem pensão do governo e vão sobrevivendo (algumas
até muito bem); outras não têm a mesma sorte e estão sofrendo aflições. A
igreja deve empreender esforços para saber quem são essas pessoas e buscar
inteirar-se a respeito das condições delas. É uma maneira de honrá-las
oferecendo carinho, proteção e sustento.
Em Cristo,
[1]
Manual dos Tempos e Costumes Bíblicos, p. 38.
maravilhoso conteúdo,que Deus continue te usando tremendamente meu amado irmão!!!
ResponderExcluirPrezado (a) irmão (ã)
ResponderExcluirObrigado por acessar e ler as postagens deste blog. Que sirva para edificação, exortação e consolação para sua vida cristã.
Grande abraço,