terça-feira, 15 de novembro de 2011

LEI DA SEMEADURA: PRINCIPIO DE GENEROSIDADE OU FAVORECIMENTO FINANCEIRO?

Por Gilson Barbosa

Nos últimos tempos estamos sendo bombardeados por pregações que insistem na lei absoluta da semeadura. Esta (lei da semeadura) é um exemplo extraído da vida agrícola e, alegam seus proponentes que na vida cristã acontece fato idêntico. Porém, as coisas no reino de Deus funcionam da mesma maneira que na vida agrícola? Lá se o produtor planta uma semente de melancia colherá a mesma, e, se planta em abundancia colherá na mesma proporção. E no reino de Deus? Se “plantarmos” nosso dinheiro no ministério de alguém, se ajudarmos financeiramente a igreja onde congregamos, contribuindo com altas somas de dinheiro, Deus nos devolverá em dobro ou acima deste nosso dinheiro? O texto bíblico aplica-se a colaborar com ministérios, igrejas, instituições, ou ampararmos os pobres ou necessitados?


Quando reflito no texto paulino de II Coríntios 8 e 9, concluo que a insistência na lei da semeadura esconde, sobretudo, interesses pessoais. Não que ela não exista, até porque o apóstolo Paulo fala sobre o assunto, porém não acontece da maneira como estão ensinando na televisão, nos programas de rádio e até mesmo nos cultos de doutrina.

A unanimidade entre os expositores bíblicos é que esses capítulos ensinam sobre generosidade e “tratam especificamente acerca da obrigatoriedade de amarmos e auxiliarmos os pobres e necessitados” (Pr Antonio Gilberto). A comunidade cristã em Jerusalém passava por graves dificuldades na área social.

PAULO SOLICITA OFERTAS AOS CRISTÃOS POBRES DE JERUSALÉM (CAP. 8)

Paulo escreve o capítulo 8 para motivar os coríntios a se manterem firme no propósito de socorrer os irmãos de Jerusalém. Ele (cap. 8.1-7) conscientiza os coríntios de que a demonstração solidária dos irmãos macedônios no recolhimento de ofertas (Filipos, Tessalônica e Beréia) evidencia a graça de Deus sobre suas vidas. Mesmo não tendo uma situação financeira privilegiada livremente levantaram uma oferta, e a fizeram com muita alegria provando assim que, não obstante serem pobres materialmente eram ricos em generosidade (v.2,3).

Segundo certa definição, generosidade é a virtude daquele que se dispõe a sacrificar os próprios interesses em benefício de outrem. A grande contradição na pregação da absoluta lei da semeadura, é que numa eventual necessidade certos líderes não abrem mão dos seus polpudos salários para abençoarem os necessitados e pobres. Assim a semeadura é apenas unilateral, ou seja, é exclusivamente do crente no ministério deles, nunca ao contrário.

Os macedônios pediram insistentemente ao apóstolo Paulo a oportunidade de “participarem da assistência aos santos” de Jerusalém. Foram elogiados pela liberalidade e voluntariedade (v. 3,4). A dedicação destes irmãos era em primeiro lugar à Deus, e depois ao apóstolo Paulo, pelo que atenderam a solicitação de ajuda aos irmãos. Trazendo o exemplo dos irmãos macedônios, a intenção de Paulo era convencer os coríntios que demonstrassem a mesma generosidade. Não obstante serem excelentes em várias áreas deveriam publicizar a manifestação disso ofertando aos irmãos necessitados de Jerusalém (v.7).

Nos versículos 8-15 o apóstolo Paulo insiste para que a intenção dos coríntios de fato se concretize. O genuíno amor dos coríntios deveria ser demonstrado não apenas por palavras, mas por ações que evidenciaria a sinceridade deste sentimento. Paulo diz que não estava ordenando, mas os encorajando a tal prática (v.8). Alguém disse que o verdadeiro amor nunca nos deixa satisfeito apenas com palavras, mas precisa ser demonstrado em atos de verdadeiro interesse (I Jo 3.16-18). Os coríntios possuíam condição financeira melhor que os macedônios e Paulo para apoiar sua exortação em prol do amor em ação, informou-os que a natureza da expressão do amor de Cristo está no fato de que ele “sendo rico, se fez pobre por amor de vós”. A pobreza de Cristo não se refere a sua situação financeira quando da sua encarnação e forma de vida, mas ao fato da redenção, pois Jesus encarnando-se demonstrou seu amor por nós ao abrir mão da sua glória e providenciar a salvação à humanidade. O comentarista bíblico Colin Kruse diz que “assim como a pobreza de Jesus não deve ser mal interpretada como sendo abjeta miséria material, em sua encarnação, assim também a riqueza que ele veio trazer-nos, aos crentes, não deve ser entendida como prosperidade material”.  

Desta forma entendo que no capítulo 8 Paulo exemplifica aos coríntios as ações generosas dos irmãos macedônios e os exorta quanto ao espirito generoso que deveriam ter ao contribuir. Após estas exortações o apóstolo Paulo dá instruções referentes à coleta da igreja em Corinto (capítulo 9).

Paulo escreve aos coríntios dizendo que havia elogiado a atitude zelosa deles aos macedônios, porquanto a oferta deles estava preparada a algum tempo: “desde o ano passado”. A preocupação dele era que os coríntios tivessem antecipadamente preparado as ofertas e que tudo estivesse conforme anteriormente planejado (vs. 3-5).

A fim de salientar que os coríntios deveriam ofertar “como expressão de generosidade e não de avareza” (v.5) o apóstolo Paulo retrata Deus como o abençoador dos que generosamente cooperam com os necessitados, pois estes são muitos. A questão é definir quais são essas bênçãos e quais áreas da nossa vida serão abençoadas. Está claro que, de alguma forma, haverá resultados dessa generosidade sobre a vida dos coríntios quando entendessem este princípio e ofertassem.

SEMEADURA E COLHEITA

É nesse contexto que Paulo relembra-os sobre a lei da semeadura: “Aquele que semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia com fartura, com abundância também ceifará”.  Uma leitura superficial e isolada desse versículo pode ser utilizada aos fins propostos por alguns pregadores da prosperidade ou até mesmo pode ser ensinado de maneira equivocada por líderes bem intencionados. A princípio não podemos negar que no campo o tamanho da colheita será sempre proporcional ao tamanho da sementeira espalhada. Resta saber se esse método pode ser usado na mesma proporção quanto às aplicações financeiras do crente em determinados ministérios. Biblicamente, doutrinariamente e teologicamente, não acredito nessa hipótese.

A Bíblia de Estudo Vida comenta o seguinte em sua nota sobre o versículo: “Devemos compreender que somente Deus pode definir o que deve ser colhido. Semear e ceifar não operam de acordo com uma lei inexorável e impessoal, mas de acordo com o senso de justiça e da misericórdia de Deus. Embora possamos estar certos de que o efeito geral é justo, muitas vezes os pormenores nos podem estar ocultos”. Isso significa que nos propósitos de Deus a lei da semeadura pode funcionar ao crente de maneira diferente, ainda que justa. As bênçãos advindas da “semeadura” do crente certamente ocorrerão, porém, não quer dizer que seja idêntica a semente. Certamente serão as bênçãos que Deus sabe que necessitamos e não a que queremos, serão as prioritárias (principalmente as de ordens espirituais), devem estar de acordo com a natureza doutrinária geral (o que a Bíblia como um todo ensina sobre a prosperidade) e com a vontade soberana de Deus. No mundo de Deus as coisas não funcionam como no nosso.

Por exemplo, se eu “plantar” dinheiro (ofertas) em determinado ministério, colherei dinheiro ou bens em abundancia, serei próspero financeiramente? Se aplicarmos o exemplo da vida agrícola literalmente à vida espiritual, diríamos que sim. Mas, isso contraria o ensino geral das Escrituras sobre prosperidade financeira e o modo como viveram os apóstolos do Senhor, pois apesar de alguns deles serem ricos, não adquiriram isso diretamente de Deus, mas, por meio do trabalho. Grande parte dos discípulos de Jesus e dos apóstolos não possuíam muitos bens financeiros, nem prata ou ouro (como disse Pedro e João); não ensinaram que isso deveria ser um alvo a ser incessantemente buscado pelos cristãos. Ensinados erroneamente, alguns crentes pensam que ofertando a um ministério ou a igreja local, um cofre abarrotado de dinheiro surgirá repentinamente ou que notas de dólares ou euros cairão do céu.

A oferta também não deveria ser conforme a solicitação (pressão psicológica) do pedinte, mas voluntariamente, como determinaram individualmente em seus corações (v.7). A quantidade é estipulada pelo crente no seu coração e deve fazer assim com alegria, caso contrário (contribuir com tristeza ou por necessidade) não terá a aprovação de Deus. Importa mais a intenção do coração do que o valor da oferta, assim também como são as demais coisas que fazemos na obra de Deus. Existem pessoas que são ativíssimas na obra de Deus, porém é necessário atentar para a intenção que estamos fazendo essa mesma obra.

Na primeira parte do versículo 10, Paulo diz que contribuindo nesse estado de espírito Deus faria os coríntios abundarem em toda a graça. Os coríntios possuíam relativa riqueza material (8.14) que identificava, de certa forma, a “graça” de Deus sobre eles. No entanto, essa riqueza não era foi proveniente de algo místico, espiritual, mas tratava-se da graça comum de Deus sobre a vida deles – como também dos que não temem a Deus (Mt 5.45). Já vi pregador chamar os crentes ao altar dizendo que abrissem contas bancárias, pois após sua “palavra profética” Deus colocaria dinheiro na conta. Que maravilha einh? Pra que trabalhar então? Os coríntios eram ricos ou bem sucedidos financeiramente de modo natural, por trabalharem, e não irresponsavelmente, enganosamente ou fraudulentamente.

Na segunda parte do versículo 10, diz Paulo que os coríntios teriam tudo em ampla suficiência. O Dr Russel Shedd comenta que a palavra suficiência, do grego “autarkeia”, designava o homem completamente satisfeito com o mínimo necessário das coisas materiais, conforme Filipenses 4.11, e tal homem contente seria também generoso, ou seja, os coríntios já tinha o suficiente para si (o sentido da palavra “autarkeia”) em sua relativa riqueza material, portanto, deveriam contribuir generosamente.

Segundo o que entendemos dos versículos 12-15, ninguém se tornará rico por doar ou ofertar à igreja, mas haverá a demonstração de que Deus será glorificado por essa atitude, pois esta corrobora essencialmente o evangelho de Cristo, os que receberem essas doações e ofertas serão amparados em suas necessidades e consequentemente rogarão a Deus em oração por nós.  Isto significa que seremos abençoados a medida que abençoamos os necessitados.

A PRÁTICA DA GENEROSIDADE

Sendo assim, Paulo está ensinando não que seremos ricos por doar ou ofertar a algum ministério ou que Deus nos devolverá o dobro ou mais que isso em benção exclusivamente material, mas que Ele pode nos abençoar naturalmente quando executarmos o princípio da generosidade aos pobres e necessitados. Ademais, o que está sendo ensinado nos capítulos 8 e 9 é que “filantropia sem generosidade não tem valor. A boa filantropia é aquela que baseia suas obras no princípio do amor, que supera todas as deficiências e nos torna úteis ao Reino de Deus. Gratidão e disposição para servir uns aos outros anulam a avareza e abrem as despensas de Deus com bênçãos espirituais e materiais” (Pr Antonio Gilberto).

Que os pregadores, ou os que necessitam de investimentos oriundos de ajuda financeira dos irmãos, sejam transparentes no ensino da lei da semeadura e não apelem a resultados tão somente materiais, descomprometidos com a ordem natural dos fatos (prosperar por meios corretos, mediante trabalho digno, capacitação profissional, etc). Em todas essas situações sabemos que somos totalmente dependentes da graça Divina em nosso favor.

Em Cristo,


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3 comentários:

  1. GOSTEI DO COMENTÁRIO, INFELISMENTE VIVEMOS E VIVEREMOS CONVIVENDO COM TAIS PREGADORES, PASTORES ETC, ETC, PREGANDO DE MANEIRA CONTRÁRIA AO QUE DEUS NOS DEIXOU ESCRITO. MAIS HÁ MUITOS CRENTES QUE POR FALTA DE CONHECIMENTO BÍBLICO OU POR NÃO SE INTERESSAREM PELO CONHECIMENTO DA PALAVRA DE DEUS VÃO SENDO LEVADOS COMO FOLHAS AO VENTO, E SÃO ESTES QUE ABASTECEM OS COFRES DE MUITAS IGREJAS, POR FALTA DE CONHECIMENTO BÍBLICO. PARO POR AQUI PORQUE, SE FOR FALAR TAMBÉM A RESPEITO VAI LONGE, QUE DEUS COMO DIS A SUA PALAVRA, ESCLAREÇA E DE ENTENDIMENTO AOS SIMPLES. (SOFREMOS POR FALTA D CONHECIMENTO!!!!)

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  2. Caro anônimo, obrigado por acessar este blog e ler as postagens. Interessa e muito a alguns pastores ou líderes a omissão dos crentes quanto ao estudo bíblico, pois desta forma conseguem manipulá-los facilmente, infelizmente é assim que funciona.

    Grande abraço,

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  3. Excelente texto! Parabéns. Concordo plenamente

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