Tradução Elvis Brassaroto Aleixo
O mundo evangélico sofre hoje daquilo que poderíamos denominar de “anemia apologética”. Apesar do fato de as Sagradas Escrituras nos convocar para darmos uma razão da esperança que possuímos em Cristo (1Pe 3.15; Jd 3), os evangélicos não possuem uma presença intelectual forte na cultura popular e/ou acadêmica, observando as raríssimas exceções que ocorrem em algumas áreas, como é o caso da filosofia. As razões para esta “anemia apologética” é multidimensional e complexa.
Este pequeno artigo tem seu conteúdo inspirado num recente debate que envolve as raízes históricas do antiintelectualismo evangélico e aponta diretrizes e argumentos úteis para conduzir a igreja intelectualmente.
Meu propósito aqui é demonstrar brevemente os seis fatores que ilegitimamente inibem o compromisso apologético em nossos dias. Se estas barreiras forem afastadas, nosso testemunho apologético poderá crescer, resultando no reconhecimento do verdadeiro evangelho.
1. Indiferença
Muitos cristãos não parecem preocupar-se com o fato de o cristianismo ser ridicularizado, taxado como antiquado, irracional e tacanho, em nossa cultura. São pessoas que até se indignam com algumas destas ofensas, mas faz pouco ou nada fazem para contrariar tais argumentos, não se importam em oferecer uma defesa da cosmovisão cristã. A indiferença vem corroendo a defesa do evangelho. E o que é pior, esta apatia é contagiosa. Nossa atitude deve ser como a do apóstolo Paulo. Ao constatar o emaranhado ambiente idólatra de Atenas, a Bíblia relata que “o seu espírito se comovia em si mesmo” pela pobreza espiritual daquelas pessoas (At 17.16). Este zelo pela verdade de Deus o conduziu a um encontro apologético muito frutífero com os filósofos gregos no Areópago ateniense (Cf. At 17). Da mesma maneira que Deus “amou o mundo” a ponto de entregar seu Filho unigênito para conceder salvação a todos quantos o receberem (Jo 3.16), os fiéis discípulos de Jesus devem demonstrar o fruto deste amor, apregoando ao mundo o genuíno evangelho e respondendo às objeções à fé cristã (Jo 17.18).
2. Irracionalismo
Para alguns cristãos, fé significa crer na ausência das evidências e dos argumentos. Pior ainda. Para outros, fé significa é crer naquilo que é totalmente contrariado por todas as evidências. O mais curioso de tudo isto é que, geralmente, quanto mais essas pessoas demonstram esta capacidade de crer tanto mais elas são elevadas espiritualmente. Temos de ponderar que, embora Paulo realmente ensine que Deus fez tola “a sabedoria deste mundo” (1Co 1.20), a revelação divina não é irracional; nem deve ser assegurada na irracionalidade. Deus não nos exige que aniquilemos nossas faculdades críticas para acreditar em suas obras. Pelo profeta Isaías, Deus declaradamente convida a Israel: “Vinde então, e argüi-me, diz o SENHOR”, ou, em outras palavras, “venham e argumentemos juntos” (Is 1.18). Jesus nos ordenou a amar a Deus com toda a nossa mente, pensamento (Mt 22.37).
Quando os cristãos optam pelo irracionalismo acabam abrindo margem para muitas acusações que, de outra forma, seriam infundadas, mas que, infelizmente, acabam encontrando guarida no comportamento prejudicial de alguns.
3. Ignorância
Muitos cristãos não estão atentos aos diversos recursos intelectuais disponíveis para serem empregados na defesa da sã doutrina. Isto ocorre, em grande parte, porque algumas igrejas e organizações evangélicas ignoram potencialmente a apologética. Alguns denominados cursos de teologia não se preocupam em inserir em sua grade curricular matérias que ofereçam conteúdos para ajudar os estudantes a lidar com a incredulidade que emana em todas as áreas da sociedade. Em algumas igrejas da América do Norte, por exemplo, pouco se ouve falar de sermões e estudos endereçados a evidenciar a existência de Deus, a ressurreição de Jesus, a justiça do inferno, a supremacia de Cristo e outros problemas lógicos que envolvem cosmovisões não-cristãs, e esta nostalgia caminha a passos largos para os púlpitos latino-americanos. Best sellers cristãos, com raras exceções, estão desvirtuados por especulações apocalípticas infundadas, exaltação de celebridades cristãs de forma excessiva e os crentes simplesmente são incapazes de identificar os malefícios desta tendência.
4. Covardia
Em nossa cultura pluralista, a indiferença pelas verdades eternas se reveste de norma social e a pressão da sociedade assombra os evangélicos, minimizando a força de suas convicções. Muitos evangélicos se preocupam mais em ser “agradáveis” e “tolerantes” do que em ser bíblicos e fiéis ao evangelho contido em suas Bíblias. São pouquíssimos os cristãos dispostos e capazes de defender sua fé em situações desafiadoras, seja na escola, no trabalho ou em outros ambientes públicos. O impulso tem sido individualizar a fé, separar e isolar completamente nossas crenças da vida social, da vida pública. Sim, nós somos cristãos (em nossos corações), mas temos dificuldade em compartilhar com os demais aquilo que acreditamos, e a situação se agrava quando se trata de explicar o motivo de nossa crença. Embora seja uma mensagem dura, temos de ser sinceros e admitir que isto nada mais é do que o reflexo da nossa covardia e uma traição à nossa fé.
Considere o pedido e a advertência de Paulo em sua oração dirigida a nosso favor: “Perseverai em oração, velando nela com ação de graças; orando também juntamente por nós, para que Deus nos abra a porta da palavra, a fim de falarmos do mistério de Cristo, pelo qual estou também preso; para que o manifeste, como me convém falar. Andai com sabedoria para com os que estão de fora, remindo o tempo. A vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal, para que saibais como vos convém responder a cada um” (Cl 4.2-6).
Ao agir assim, podemos, de fato, experimentar a rejeição; afinal, Jesus chamou os que são perseguidos por causa do seu nome de “bem-aventurados”. “Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que foram antes de vós” (Mt 5.11,12). O apóstolo Pedro também ecoa as palavras do Mestre, dizendo: “Se pelo nome de Cristo sois vituperados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória e de Deus” (1Pe 4.14).
Por outro lado, quando o Espírito Santo abençoar nossos esforços, as pessoas responderão com interesse, aceitando a nossa fé (Rm 1.16). Jamais podemos esquecer que Jesus possui toda a autoridade no céu e na terra, e que ele nos comissionou para declararmos e defendermos seu santo evangelho (Mt 28.18-20).
5. Arrogância e vaidade intelectual
Ainda existem os fantasmas dos erros, das mentiras e da arrogância do apologista “sabe-tudo” que está mais interessado em exibir o seu arsenal de argumentos do que defender a verdade de uma forma sincera e com fins espirituais. O pecado que mais tem atacado os apologistas é o orgulho intelectual, e deve ser evitado a todo custo. A verdade que defendemos é um galardão da graça divina e não deve ser instrumento da nossa realização intelectual. Desenvolvemos nossas habilidades apologéticas para nos santificarmos na verdade, ganharmos almas para Cristo e glorificarmos a Deus. Temos de falar a verdade em amor (Ef 4.15). Verdade sem amor é arrogância; amor sem verdade é sentimentalismo.
A arrogância intelectual também é manifestada quando alguns apologistas acusam outros cristãos de heresias sem evidências suficientes. Paulo disse para os líderes da igreja se precaverem contras as heresias no seio da igreja (At 20.28-31), porém, devemos ser vigilantes para não caluniarmos os cristãos da mesma fé, assumindo assim um comportamento pior do que os sectários. Não devemos desperdiçar nossas energias apologéticas atacando outros crentes enquanto os reais hereges e incrédulos arquitetam outros desvios doutrinários.
6. Técnicas apologéticas superficiais
Aqueles que são entusiasmados por apologética podem ficar satisfeitos com respostas superficiais para perguntas intelectualmente difíceis. Nossa cultura se contenta com respostas rápidas e vazias e a técnica para o desenvolvimento destas respostas impera. Alguns cristãos memorizam respostas apologéticas para responder às controvérsias filosóficas, como, por exemplo, “a origem do mal”, “o evolucionismo” e outros tantos temas, dispensando o compromisso profundo com o assunto e sem a preocupação de satisfazer a alma que gerou a pergunta. Muitos assuntos não são tão simplistas quanto seus títulos expressos nos livros fazem soar. Na realidade, uma abordagem superficial para uma questão profundamente filosófica pode pôr a perder uma grande oportunidade de ganhar uma alma. A apologética deve ser norteada pela integridade intelectual.
O lema apologético do teólogo Francis Schaeffer era que os cristãos têm a responsabilidade de oferecer “respostas honestas a perguntas honestas”.
Primeiro, nós realmente temos de saber ouvir as pessoas que nos questionam. Temos de “entrar na mente” (em certo sentido) daqueles que julgam possuir “razões” para não seguirem a Cristo. Cada pessoa é diferente, e por isso não devemos reduzi-las ou confiná-las aos nossos “clichês teológicos”.
* Douglas Groothuis, PH.D, professor de filosofia no Seminário Denver e autor de sete livros.
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