sexta-feira, 3 de agosto de 2012

É POSSIVEL SER “CHEIO DO ESPÍRITO” SEM FALAR EM LÍNGUAS?

Por Gilson Barbosa

Não se embriaguem com vinho, que leva à libertinagem, mas deixem-se encher pelo Espírito (Efésios 5:18)

Quando se quer defender determinada doutrina, entendimento ou ação da prática cristã, à margem da verdadeira interpretação escriturística, a “coisa desanda”. Narrativas bíblicas e versículo (s) são horripilantemente tratados de maneira absurda. Um ou outro, achando que “estão com a bola toda” chega a ponto de qualificar pejorativamente (por exemplo, como “tradicional”, “frio”, “incrédulo”) os demais irmãos. Este é o caso de como a maioria interpreta e entende a expressão bíblica cheio do Espírito Santo.

Meu objetivo não é discutir a contemporaneidade das línguas não humanas (desconhecidas) dentro do cenário pentecostal, mas, identificar, conceituar, explicar e buscar uma correta aplicação desta expressão no texto sagrado. Obviamente nossos educadores pentecostais sabem o significado correto da expressão e como aplicá-la na vida do crente, mas, por alguma razão os dois lados da interpretação não são mostrados.

Como exemplo do que foi dito acima no estudo O que é o batismo com o Espírito Santo (Lições Bíblicas, 17/04/11), é informado que “o falar em línguas, a glossolalia, é a manifestação física do enchimento do Espírito Santo” (p.22, lição do Mestre). Isso é verdade, pois, o texto bíblico registra: “Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito os capacitava” (Atos 2:4). Porém, o que não é explicado é que em muitas outras passagens onde aparece a mesma expressão não há a manifestação da glossolalia. O que por si só é um prejuízo ao entendimento do cristão pentecostal sobre o que significa “ser cheio do Espírito”. Isso também tem feito muitos valorizarem tanto a glossolalia que redundou, em muitos casos, no abandono da santidade e do fruto do Espirito. Nisso está justificada a “acusação” de outros evangélicos de que no meio pentecostal há “muito carisma e pouco caráter”.

“Ser cheio do Espírito” pode ser entendido como a manifestação poderosa do Espírito Santo. Resta-nos saber e identificar no que consiste esta manifestação. Seria apenas a manifestação extática ou mística do mundo sobrenatural que ocorre quando o crente desejoso busca a glossolalia? Entender dessa forma pode se tornar uma justificativa de caráter duvidoso em alguns aspectos na administração da igreja local. Por exemplo: Será que foram separados para o serviço sagrado (diaconato) apenas os que tinham passado pela experiência da glossolalia? (Atos 6:3, 5). A fiel interpretação do texto sagrado não corrobora com este pensamento.

Alguns textos bíblicos onde aparece a expressão, exata ou similar, “cheio do Espírito”, não endossa o entendimento de que ser cheio do Espírito seja uma prerrogativa dos crentes que falam em línguas estranhas. Pelo contrário, não há menção do som vocálico, vento forte, ou línguas de fogo (Atos 2:2,3). Eis os textos bíblicos onde isso acontece:

Ora, Josué, filho de Num, estava cheio do Espírito de sabedoria, porque Moisés tinha imposto as suas mãos sobre ele. De modo que os israelitas lhe obedeceram e fizeram o que o SENHOR tinha ordenado a Moisés. (Deuteronômio 34:9)

Ele será motivo de prazer e de alegria para você, e muitos se alegrarão por causa do nascimento dele, pois será grande aos olhos do Senhor. Ele nunca tomará vinho nem bebida fermentada, e será cheio do Espírito Santo desde antes do seu nascimento. (Lucas 1:14, 15)  

Seu pai, Zacarias, foi cheio do Espírito Santo e profetizou (Lucas 1:67).

Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão e foi levado pelo Espírito ao deserto, (Lucas 4:1).

Então Pedro, cheio do Espírito Santo, disse-lhes: “Autoridades e líderes do povo!” (Atos 4:8)

Mas Estêvão, cheio do Espírito Santo, levantou os olhos para o céu e viu a glória de Deus, e Jesus em pé, à direita de Deus (Atos 7:55)

Então Ananias foi, entrou na casa, pôs as mãos sobre Saulo e disse: “Irmão Saulo, o Senhor Jesus, que lhe apareceu no caminho por onde você vinha, enviou-me para que você volte a ver e seja cheio do Espírito Santo(Atos 9:17)

Ele era um homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé; e muitas pessoas foram acrescentadas ao Senhor (Atos 11:24)

Então Saulo, também chamado Paulo, cheio do Espírito Santo, olhou firmemente para Elimas e disse: (Atos 13:9)

Se no lugar de cheio do Espírito Santo for introduzido nos textos acima algo como “falou, falava, fale em línguas estranhas” o entendimento e a interpretação do texto fica estranho e inusitado – faça um teste. Não era preciso nem necessário que os protagonistas tivessem a experiência da glossolalia na situação proposta pelo texto e vivenciada por eles, mas, mesmo assim é dito algo que tem haver com o pleno assentimento da plenitude do Espírito.

O irmão Vagner Barbosa (Lição 05, Palavra Viva, Ed: Cultura Cristã) comenta que ser cheio do Espírito Santo é buscar uma manifestação mais plena do Espírito Santo e implica graus de experiência espiritual, de acordo com a medida na qual o crente se sujeita a direção do Espírito; não se trata de uma experiência mística. Josué, Zacarias, João Batista, Jesus, Estêvão, Pedro e Paulo, foram, são ou deveriam ser cheios do Espírito porquanto eram piedosos, consagrados, dedicados a Deus, e desfrutavam plena comunhão com o Senhor por meio da busca constante do poder do Espírito.

É verdade quem em Efésios 5:18 o apóstolo Paulo orienta que os crentes sejam cheios do Espírito Santo, mas, este enchimento trata-se de um exercício contínuo na vida cristã (algo como o exercício da santidade e a busca constante do fruto do Espírito). O reverendo Hernandez Dias Lopes diz haver duas ordens paulinas em Efésios 5:18 - uma negativa, outra positiva. O apóstolo Paulo faz uma comparação entre a embriaguez e a plenitude do Espírito:

1. A semelhança superficial

• Uma pessoa que está bêbada, dizemos, está sob a influência do álcool; e certamente um cristão cheio do Espírito está sob a influência e sob o poder do Espírito Santo.

• Em ambas as proposições, há uma mudança de comportamento: a personalidade da pessoa muda quando ela está bêbada. Ele se desinibe; não se importa com o que os outros pensam dela. Abandona-se aos efeitos da bebida! O crente cheio do Espírito se entrega ao controle do Espírito e sua vida fica livre e desinibida.

2. O contraste profundo

• Na embriaguez o homem perde o controle de si mesmo; no enchimento do Espírito ele não perde, ele ganha o controle de si, pois o domínio próprio é fruto do Espírito.

• O Dr. Martyn Lloyd-Jones, médico e pastor disse: “O vinho e o álcool, farmacologicamente falando não é um estimulante, é um depressivo. O álcool sempre está classificado na farmacologia entre os depressivos. O álcool é um ladrão de cérebros. A embriaguez deprimindo o cérebro tira do homem o autocontrole, a sabedoria, o entendimento, o julgamento, o equilíbrio e o poder para aquilatar. Ou seja, a embriaguez impede o homem de agir de maneira sensata.

• O que o Espírito Santo faz é exatamente o oposto. Ele não pode ser colocado num manual de Farmacologia, mas ele é estimulante, anti-depressivo. Ele estimula a mente, o coração e a vontade.

3. O resultado oposto

• O resultado da embriaguez é a dissolução (asotia). As pessoas que estão bêbadas entregam-se a ações desenfreadas, dissolutas e descontroladas. Perdem o pudor, perdem a vergonha, conspurcam a vida, envergonham o lar. Trazem desgraças, lágrimas, pobreza, separação e opróbrio sobre a família. Buscam uma fuga para os seus problemas no fundo de uma garrafa, mas o que encontram é apenas um substituto barato, falso, maldito e artificial para a verdadeira alegria. A embriaguez leva à ruína. Ilustração: a lenda do vinho feito da mistura do sangue do pavão, leão, macaco e porco.

• Todavia, os resultados de estar cheio do Espírito são totalmente diferentes. Em vez de nos aviltarmos, embrutecermos, o Espírito nos enobrece, nos enleva e eleva. Torna-nos mais humanos, mais parecidos com Jesus.

Não preciso nem dizer que ser cheio do Espírito Santo no texto de Efésios 5:18 (como os demais textos citados) não tem nada haver com a experiência de falar em línguas não humanas – a glossolalia. Se fosse assim teríamos castas de crentes, uns mais espirituais que outros, e os que passaram pela experiência do batismo em línguas seriam tipos de crentes melhores e superiores. Isso se parece com o gnosticismo do primeiro século. Na preocupação em respaldar doutrinas e tendências modernas no evangelicalismo brasileiro, vale tudo, desde “assassinar a exegese” até “apontar o dedo” para os que interpretam com lealdade a Escritura Sagrada. 

Vamos estudar com profundidade e dedicação os textos bíblicos!

Em Cristo,   

Compartilhar:
←  Anterior Proxima  → Inicio

0 comentários:

Postar um comentário