sábado, 30 de março de 2013

CRISTO DESCEU AO INFERNO PARA PREGAR?

Por Gilson Barbosa

Segundo o apóstolo Pedro, Cristo desceu ao inferno para pregar. Como explicar essa afirmação?

“Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito; no qual também foi, e pregou aos espíritos em prisão; os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava, nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela água” (1Pe 3.18-20).

A questão teológica à qual nos dedicaremos tem seu embrião em uma expressão extraída do Credo dos Apóstolos, onde uma cláusula supostamente afirma que Jesus foi crucifixus, mortuus et sepultus, descendit ad inferna, ou seja, que Ele foi crucificado, morto e sepultado; e que desceu ao inferno. É importante ressaltar que, por volta do século 5º, não havia a idéia de que Cristo desceu ao inferno, mas que simplesmente foi sepultado ou desceu à sepultura. Resumindo, a expressão descendit ad inferna não aparece no credo apostólico. Foi uma inserção feita posteriormente na frase “crucificado, morto e sepultado”.

A expressão “desceu ao infernonão se encontra nas Escrituras Sagradas, porém, para o desenvolvimento da idéia teológica, vamos nos prender à interpretação do texto bíblico. Os defensores da “descida de Cristo ao inferno” apóiam-se em textos como Atos 2.27, Romanos 10.6,7, Efésios 4.8,9, 1Pedro 3.18,19 e 1Pedro 4.6. Aqui, a nossa atenção será tributada ao texto bíblico de 1Pedro 3.18-20.

Para que a nossa análise seja mais compreensível e didática, apresentaremos as dificuldades apresentadas no contexto que afirma que Jesus realmente desceu ao inferno entre sua morte e ressurreição e que pregou aos espíritos ali. Há, no mínimo, três pontos difíceis de se aceitar, por serem contraditórios com todo o contexto das Escrituras. Vejamos:

Em primeiro lugar, esse posicionamentomargem para a idéia de que há uma segunda oportunidade de salvação após a morte, o que é antibíblico. Caso Jesus tivesse descido e pregado no Hades, essa pregação, pelo texto de Pedro, teria se destinado apenas àqueles que foram desobedientes nos dias de Noé. Os espíritos que teriam recebido as palavras de Jesus seriam “os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava, nos dias de Noé”. Daí surge uma questão difícil: como ficaria a situação dos outros sem salvação que viveram antes e após os dias de Noé? A segunda oportunidade proporcionada pela pregação marginalizou todos os demais espíritos?

Há uma outra interpretação corrente que ensina que essa pregação teria sido uma “proclamação de vitória” e não uma pregação evangelística, mas, mesmo assim, o problema permanece. Por que Cristo teria proclamado a vitória somente aos rebeldes dos dias de Noé? Por que não a todos? Contrastando esse ensino com as Escrituras, temos que “aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo” (Hb 9.27). A alma do destinado se fixa inamovível no local onde se encontra: “E, além disso, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tampouco os de passar para ” (Lc 16.26).

Em segundo lugar, há uma linha de pensamento que acredita que os “espíritos em prisão” seriam os anjos decaídos. Nesse raciocínio, Cristo teria proclamado “aos espíritos em prisão” a derrota dos poderes satânicos. Em verdade, o contexto não trata de demônios, mas, sim, de pessoas (v. 14,16). Como transformar tais pessoas em espíritos demoníacos? Qual é a base contextual para isso? O texto diz que os desobedientes estavam nesse estado (desobediência) enquanto Noé construía a arca, o que descarta a idéia das hostes demoníacas.

Em terceiro lugar, alguns estudiosos entendem que como a obra redentora de Cristo não havia se realizado até então, Jesus teria descido ao Hades a fim de proclamar a vitória e a libertação aos santos do período do Antigo Testamento. Mas como já vimos, a pregação não foi dirigida a todos esses santos, mas somente aos contemporâneos de Noé, os quais, aliás, não eram “santos”, não eram pessoas devotadas a Deus. Além disso, temos base para acreditar que o sacrifício de Cristo na cruz do Calvário teve eficácia retroativa e que os santos do Antigo Testamento, quando morriam, iam para a presença de Deus no céu. Assim, essa suposta pregação de Cristo seria desnecessária: “Far-me-ás ver a vereda da vida; na tua presençafartura de alegria; à tua mão direitadelícias perpetuamente” (Sl 16.11).

Contestamos todas essas interpretações para nos aliarmos àquela que consideramos mais coerente. Estamos nos referindo à interpretação proposta por Agostinho. Primeiramente, o filósofo cristão entendia a passagem no seu âmbito contextual, levando em conta a pregação de Noé aos contemporâneos desobedientes. Esse entendimento e consideração são importantes, pois o esquecimento desse contexto é a “pedra de tropeço” das interpretações desconexas já analisadas. Para Agostinho, Cristo atuou “em espíritoouespiritualmentena e com a pregação de Noé. Assim, Cristo teria pregado aos rebeldes na própria época do patriarca e por intermédio dele. Wayne Grudem declara que “esse entendimento do texto parece, de longe, a solução mais provável para essa passagem intrigante [...] o texto fala, antes, de algo que Cristo fez sobre a terra no tempo de Noé”.[i]

Esse pensamento encontra respaldo e analogia no mesmo livro do apóstolo Pedro, nesta outra declaração: “Da qual salvação inquiriram e trataram diligentemente os profetas que profetizaram da graça que vos foi dada, indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir” (1Pe 1.10,11). Nesse texto, observamos como fica clara a ação do Espírito de Cristo por intermédio dos profetas: “o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava...”.

Mas fica, ainda, uma última pergunta: “Se Cristo pregou aos contemporâneos de Noé, por meio de Noé, por que Pedro diz que Cristo pregou aos espíritos em prisão?”. Será que tais pessoas estavam presas à época de Noé? Que prisão seria essa? O apóstolo Pedro diz que Cristo pregou aos  “espíritos em prisão, os quais noutro tempo foram rebeldes”. Há, na sentença, dois tempos distintos: o passado, expresso na época de Noé, e o presente, expresso no momento da composição da carta de Pedro. Então, a interpretação seria a seguinte: que Cristo pregou aos que noutro tempo foram rebeldes, mas que estavam, agora, na condição de espíritos em prisão, no inferno.




[i] GRUDEM, Wayne. Teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, p. 494.
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4 comentários:

  1. Excelente post, sobre este assunto polêmico. Concordo com sua abordagem, ainda que sobrem aqui e ali algumas dificuldades que veremos esclarecidas no Céu.

    Abraços!

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  2. Graça e paz irmão Daladier.

    De fato há muitas passagens bíblicas obscuras, de difícil entendimento, mas o Senhor nos dá graça para,com muita humildade, entendê-las e aplicá-las dentro do nosso contexto.
    Obrigado pelo comentário.

    Grande abraço,

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  3. Cristo nunca foi ao inferno , as escrituras quando querem afirmar algo , não as trata assim , por exemplo ,ele não ensinar sem clareza , mais com afirmação; tipo eu sou o caminho a verdade e a vida ninguém ,vai ao pai a não ser por mim , bem direto , Pedro estar falando do próprio Noé que pregou em espirito em prisões , que nada mais eram do que as pessoas da época de Noé , seria injusto da parte de Deus enviar Jesus ao inferno para pregar , para uma geração apenas quando na verdade Noé pregou para eles , a paz

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  4. muito simples a longanimidade de Deus esteve com as pessoas , enquanto Noé fazia a arca pregava mais ninguém aceitou salvo 8 pessoas ;Noé e sua família !

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