sábado, 3 de setembro de 2011

A ATUAÇÃO SOCIAL DA IGREJA

Por Gilson Barbosa


Recentemente (05/2011) o governo informou que “o Brasil possui 16,2 milhões de pessoas em situação de pobreza extrema. Baseado em dados do Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Ministério do Desenvolvimento Social definiu como integrantes desta faixa da população aqueles que vivem com até 70 reais por mês”. [1]Eu não sei quantos servos de Cristo estão incluídos neste número – mas, que há isso é certo. Em muitas casas não há energia elétrica, rede de esgoto, nem água encanada. A situação é muito triste e preocupante.


Certa vez eu discipulava um novo convertido em sua casa (se pudermos chamar o lugar onde estava morando de casa, pois, na verdade era uma garagem adaptada) e presenciei sua enorme dificuldade de sobrevivência. Uma cortina separava a “cozinha” do “quarto” – era um ambiente muito pequeno e desconfortável. Quando estava concluindo minha visita ele me ofereceu um café. Como o gás de cozinha havia acabado, colocou álcool dentro duma vasilha retangular e riscou o fósforo para esquentar o café. Conversei com ele mais intimamente e me contou suas dificuldades financeiras. Fiquei muito comovido. Saindo dali, providenciei uma cesta básica e a reposição do seu gás de cozinha – pelo menos momentaneamente o problema estava resolvido. Informei ao pastor da igreja sobre esse irmão e daí em diante coube à igreja providenciar meios para ajuda-lo. Não são poucos os pobres no núcleo das Igrejas, que necessitam de ajuda. Hoje em dia a situação melhorou bastante, mas ainda há muito que fazer.

I – ENTENDIMENTO EQUIVOCADO SOBRE A LEI DA SEMEADURA

Em nossos dias o conceito e entendimento do papel profético estão distorcidos. O autentico profeta denuncia não somente as imoralidades sexuais, a frieza nas igrejas, o secularismo, formalismo, relativismo e pecados, mas brada também contra as injustiças e desmandos sociais, a opressão, a escravidão, a fome que mata milhões. Ligo a televisão e vejo profetas televisivos pregando para “semearmos” nos seus ministérios. Enquanto viajam de norte a Sul em jatinhos particulares (“para fazer a obra de Deus”, dizem), comendo em restaurantes caríssimos, hospedando-se em hotéis cinco estrelas, vestindo roupas de grife e caríssimas, alguns dos próprios irmãos que “semearam” em seus ministérios comem mal, vestem irrisoriamente, não tem uma cama decente para dormir e vivem em condições precárias. Minha opinião é que não passam de charlatões do evangelho, mercadores do povo de Deus, aproveitadores da ignorância espiritual de muitos milhões de pessoas – inclusive de pessoas que não professam a fé evangélica (católicos e espíritas).

Um pastor brasileiro de muita fama e que até o admiro quando resolve voltar as suas raízes, tem enfadado alguns dos seus telespectadores com sua insistência em pedir doações de R$911, entre outras petições, em troca de bênçãos financeiras. Sua justificativa é que a lei da semeadura encontra-se respaldada nas Escrituras Sagradas. Eu li, analisei e concluo que a tal lei da semeadura, no sentido bíblico, nada tem a ver em semear em ministérios de pastores, ministérios paralelos, mas em ajudar os necessitados.

Entre outros textos bíblicos pregado por tal “profeta” está o que Paulo escreveu aos crentes corintianos (II Coríntios 8 e 9, mais especificamente os versículos 6-11 do capítulo 9) que diz: “E digo isto: Que o que semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia em abundância, em abundância ceifará” e mais “Ora, aquele que dá a semente ao que semeia, também vos dê pão para comer, e multiplique a vossa sementeira, e aumente os frutos da vossa justiça; Para que em tudo enriqueçais para toda a beneficência, a qual faz que por nós se dêem graças a Deus”.

O argumento é assim: se plantarmos sementes de melancia, colheremos melancia, se plantarmos sementes de laranjas, colheremos laranjas, e assim por diante. Seguindo o mesmo raciocínio, se “plantarmos dinheiro” no seu ministério colheremos abundantes resultados financeiros disso. Como ele mesmo gosta de dizer, “só um idiota para acreditar nisso” – desculpe minha grosseria, estimado leitor. É até hilário, pois esse fato, bem como sua multiplicação, não acontece com nosso dinheiro, a não ser que você tenha dinheiro suficiente para investir em diversos negócios ou que deposite em conta poupança, etc.

No entanto, não é explicado aos ouvintes que o assunto paulino é a generosidade que os cristãos primitivos deveriam ter com os pobres e necessitados. Note o que diz os versículos 9 e 12: “Conforme está escrito: Espalhou, deu aos pobres; a sua justiça permanece para sempre” e “Porque a administração deste serviço, não só supre as necessidades dos santos, mas também é abundante em muitas graças, que se dão a Deus”. Quer investir seu dinheiro leitor, ajude os necessitados que conhece, converse com seu pastor sobre a situação da assistência social de sua igreja, engaje-se nos projetos sociais. Porém, se quiser continuar “semeando” à quem não precisa, você também tem todo o direito.

Não faço apologia da pobreza, mas esse tipo de ensinamento, insinuando que Deus fará chover dinheiro do céu, é no mínimo mentiroso, pra não dizer desleal com os crentes mais simples e uma enganação aos que não aceitaram verdadeiramente a Cristo. Acredito na prosperidade bíblica, que nada tem a ver com a que estão pregando por aí. È verdade que Jesus tinha discípulos abastados financeiramente e mulheres investiam no seu ministério, mas essa pregação exagerada e tendenciosa é uma afronta a posição econômica da família de Jesus, dos apóstolos e de muitos outros crentes na Igreja Primitiva que não eram privilegiados financeiramente. Já passou da hora de abandonar os ensinamentos destes falsos mestres.

II – A POBREZA EM ISRAEL

Os pobres faziam parte da sociedade israelense – tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. Assim como milhões de brasileiros em nossos dias, grande parte da população em Israel vivia em condições de extrema pobreza.  Folheie e busque numa boa concordância bíblica a palavra “pobre” e você terá noção de quantas vezes ela aparece. O fato da pobreza em Israel atesta e comprova a mentira dos atuais teólogos da prosperidade de que Deus quer enriquecer todos os seus filhos: “Quando entre ti houver algum pobre, de teus irmãos, em alguma das tuas portas, na terra que o Senhor teu Deus te dá, não endurecerás o teu coração, nem fecharás a tua mão a teu irmão que for pobre” (Dt 15.7). Enquanto estes falsos mestres ensinam e pregam que é uma maldição ser pobre e profetizam sua extinção, Deus afirma que “... nunca deixará de haver pobre na terra” (v.10).

Segundo William Colemam em Manual dos Tempos e Costumes Bíblicos havia vários fatores que causavam a pobreza em Israel:

Os impostos. Pequenos agricultores, negociantes e o povo em geral tinham de pagar pesadas taxas aos governos.  Estas visavam cobrir gastos com operações militares ou projetos de construção. Isso trouxe profundas dificuldades socioeconômicas aos judeus. Nos dias de Jesus, em que Israel estava sob o domínio romano, existiam os famosos publicanos, que eram os coletores de impostos para o governo estrangeiro. Um dos doze discípulos de Jesus era publicano: “E, depois disto, saiu, e viu um publicano, chamado Levi, assentado na recebedoria, e disse-lhe: Segue-me. E ele, deixando tudo, levantou-se e o seguiu” (Lc 5.27, 28).

O desemprego. Em Israel havia muitos trabalhadores profissionais altamente habilitados e podemos afirmar que eles encontravam-se em situações melhores que outros, menos qualificados. Lá existiam diversas profissões tais como açougueiros, carpinteiros, curtidores, eunucos, filósofos, hoteleiros, jardineiros, mercadores, oleiros, padeiros.  Contudo, é certo afirmar que o índice de desemprego era muito alto em Israel. Este fato, somado a predominância da área rural com suas tendências sazonais, traziam grandes entraves a sobrevivência de muitas pessoas. Devido ao grave desemprego, a mendicância tornou-se uma forma de vida muito comum em Israel.

Os deficientes físicos. Na Bíblia é comum a menção de muitos deficientes físicos devido às enfermidades, causas genéticas, lesões e defeitos. Estes, se postavam em diversos locais, principalmente e estrategicamente na porta do Templo, esperando receber esmolas dos israelitas. Como era uma prática tradicional dos israelitas doarem esmolas, alguns mendigos eram incentivados a fingirem-se possuidores de alguma deficiência para despertar a piedade do povo, e com isto receber mais auxílio.  

A morte do chefe de família. Geralmente era o homem responsável por sustentar, nem que fosse basicamente, sua família. Em sua maioria as mulheres cuidavam dos afazeres domésticos. O leitor deve se lembrar da passagem bíblica em que uma viúva pressionada pelo credor teve suas vasilhas cheias de azeite e assim minimizou seu sofrimento e impediu que a dívida fosse trocada pela aquisição de seus dois filhos: “E UMA mulher, das mulheres dos filhos dos profetas, clamou a Eliseu, dizendo: Meu marido, teu servo, morreu; e tu sabes que o teu servo temia ao Senhor; e veio o credor, para levar os meus dois filhos para serem servos” (II Rs 4.1).

Seca e fome. Grande parte da renda obtida em Israel provinha do setor rural. Por isso quando acontecia à seca, o excesso de pragas, a chuva em demasia, o período de estiagem ou outras calamidades naturais, de uma hora para outra todo o sustento de uma família ia embora.

III – OS NECESSITADOS ENTRE OS CRENTES DA IGREJA CRISTÃ PRIMITIVA

O contexto da segunda carta de Paulo aos Coríntios, capítulos 8 e 9, indica que os crentes que formavam a igreja em Jerusalém passavam por sérias dificuldades financeiras. Os apóstolos em Jerusalém solicitaram a Paulo e Barnabé que se lembrassem desses irmãos pobres (Gl 2.9,10): “E conhecendo Tiago, Cefas e João, que eram considerados como as colunas, a graça que me havia sido dada, deram-nos as destras, em comunhão comigo e com Barnabé, para que nós fôssemos aos gentios, e eles à circuncisão; Recomendando-nos somente que nos lembrássemos dos pobres, o que também procurei fazer com diligência”.

Provavelmente esse episódio, relatado em Atos 11. 27-30, refere-se a existência de uma “série falta de alimentos durante o reinado do imperador Cláudio (41-54 d.C) em razão de uma seca que se estendeu por todo o império romano por muitos anos”. [2]Os crentes antioqueanos rapidamente se prontificaram e abriram as mãos para ajudar seus irmãos em necessidades (Rm 15.25-32): “Mas agora vou a Jerusalém para ministrar aos santos. Porque pareceu bem à Macedônia e à Acaia fazerem uma coleta para os pobres dentre os santos que estão em Jerusalém”.

Outro episódio refere-se ao comportamento indiferente que alguns irmãos estavam tendo a respeito do cuidado com as viúvas gentias existentes na igreja (At 6). A Igreja Primitiva nessa época consistia em dois grupos: os judeus gregos (hellenestai – crentes de fala grega) e os judeus hebreus (hebreaioi – crentes de fala aramaica). Ocorre que com o crescimento da Igreja “houve uma murmuração dos gregos contra os hebreus, porque as suas viúvas eram desprezadas no ministério cotidiano”. Neste episódio notamos que havia um grupo na igreja que necessitava de atenção especial: as viúvas. O cuidado com elas, bem como aos que haviam perdido seus pais, era tão corrente e comum entre a liderança da Igreja Primitiva, a ponto do irmão (Tg 1.27) de Nosso Senhor escrever que “A religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações”. 

Neste episódio houve a necessidade de instituir um grupo de pessoas especialmente para cuidar desse assunto. Os apóstolos entendiam que essa preocupante realidade era “um importante negócio” que deveria ser solucionada. Muitos crentes necessitam de serem alimentados não apenas do pão do céu, mas também do pão da terra. É obrigação da Igreja identificar os pobres em sua comunidade e atentar para um serviço social que atenda as necessidades materiais e físicas dos seus membros.  

Que havia pessoas pobres e necessitadas na Igreja Primitiva depreendemos, também, do texto bíblico de Atos 2.45 que informa o seguinte a respeito da atitude e ação dos crentes mais abastados: “Vendiam suas propriedades e fazendas, e repartiam com todos, segundo cada um tinha necessidade”. Havia uma comunhão, entre estes crentes, que excedia o aspecto místico. Não era apenas uma comunhão poderosa e avivada das reuniões que tinham, não era apenas a preocupação com a alma, não era apenas a busca de poder pentecostal, não era apenas a satisfação com a edificação das pregações apostólicas, mas, sobretudo o cuidado que tinham um com o outro: “E todos os que criam estavam juntos, e tinham tudo em comum”.

IV – AVIVAMENTO ESPIRITUAL E OBRA SOCIAL

Uma forma de identificar o avivamento em nossas igrejas, e que poucos a consideram, é o envolvimento dela com a ação e o serviço social. O pastor Armando J. Cidaco diz que: “O avivamento espiritual, que é tanto a causa como o produto de uma Igreja Viva, precisa abranger a igreja como um todo, se não queremos um organismo aleijado ou disforme. Não se pode falar de um avivamento que priorize apenas um aspecto da totalidade do ser humano como, por exemplo, o destino de sua alma, em detrimento de seu bem-estar físico e social”. [3]

O evangelho integral não se limita apenas ao entendimento espiritual das pessoas, mas implica em atendê-las em suas necessidades gerais – psicológica, econômica, educacional, física e espiritual.

Em Cristo,



[2] Bíblia de Aplicação Pessoal. Ed: CPAD, pg. 1505.
[3] CIDACO, J. Armando. Um grito pela vida da Igreja. Ed: CPAD, p. 87, 88.
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