(Tradução livre
e adaptada do livro The Five Points of
Calvinism - Defined, Defended, Documented, de David N. Steele e Curtis C.
Thomas, Partes I e II, [Presbyterian & Reformed Publishing Co, Phillipsburg,
NJ, USA.], feita por João Alves dos Santos)
I. A ORIGEM DOS “CINCO PONTOS”
A. O PROTESTO DO PARTIDO
ARMINIANO, NA HOLANDA
Os Cinco Pontos do Calvinismo tiveram
sua origem a partir de um protesto que os seguidores de James Arminius (um
professor de seminário holandês) apresentaram ao “Estado da Holanda” em 1610,
um ano após a morte de seu líder. O protesto consistia de “cinco artigos de fé”, baseados nos ensinos
de Armínio, e ficou conhecido na história como a “Remonstrance”, ou seja, “O
Protesto”. O partido arminiano insistia que os símbolos oficiais de doutrina
das Igrejas da Holanda (Confissão Belga e
Catecismo de Heidelberg) fossem mudados para se conformar com os pontos de
vista doutrinários contidos no Protesto. As doutrinas às quais os arminianos
fizeram objeção eram as relacionadas com a soberania divina, a inabilidade
humana, a eleição incondicional ou predestinação, a redenção particular (ou expiação
limitada), a graça irresistível (chamada eficaz) e a perseverança dos santos.
Essas são doutrinas ensinadas nesses símbolos da Igreja Holandesa, e os
arminianos queriam que elas fossem revistas.
B. OS “CINCO PONTOS DO ARMINIANISMO”
Os cinco artigos de fé contidos na
“Remonstrance” podem ser resumidos no seguinte:
1. Deus elege ou reprova na
base da fé prevista ou da incredulidade.
2. Cristo morreu por todos
os homens, em geral, e em favor de cada um, em particular, embora somente os
que crêem sejam salvos.
3. Devido à depravação do
homem, a graça divina é necessária para a fé ou qualquer boa obra.
4. Essa graça pode ser
resistida.
5. Se todos os que são
verdadeiramente regenerados vão seguramente perseverar na fé é um ponto que
necessita de maior investigação.
Esse último ponto foi depois alterado
para ensinar definitivamente a possibilidade de os realmente regenerados
perderem sua fé, e, por conseguinte, a sua salvação. Todavia, nem todos os
arminianos estão de acordo, nesse ponto. Há muitos que acreditam que os verdadeiramente
regenerados não podem perder a salvação e estão eternamente salvos.
C. A BASE FILOSÓFICA DO
ARMINIANISMO
Conforme expõe J.I.Packer (O “Antigo” Evangelho, pp. 5, 6) a
teologia contida nessa “Remonstrance” (ou Representação) “originou-se de dois
princípios filosóficos: primeiro, que a soberania de Deus é incompatível com a
liberdade humana, e, portanto, também com a responsabilidade humana; em segundo
lugar, que habilidade é algo que limita a obrigação... Com bases nesses
princípios, os arminianos extraíram duas deduções: primeira, visto que a Bíblia
considera a fé como um ato humano livre e responsável, ela não pode ser causada
por Deus, mas é exercida independentemente dEle; segunda, visto que a Bíblia
considera a fé como obrigatória da parte de todos quantos ouvem o Evangelho, a
capacidade de crer deve ser universal. Portanto, eles afirmam, as Escrituras
devem ser interpretadas como ensinando as seguintes posições:
1. O homem nunca é de tal modo corrompido pelo pecado que não possa crer salvaticiamente (salvificamente) no Evangelho, uma vez que este lhe seja apresentado;
2. O homem nunca é de tal
modo controlado por Deus que não possa rejeitá-lo;
3. A eleição divina daqueles
que serão salvos alicerça-se sobre o fato da previsão divina de que eles
haverão de crer, por sua própria deliberação;
4. A morte de Cristo não
garantiu a salvação para ninguém, pois não garantiu o dom da fé para ninguém (e
nem mesmo existe tal dom); o que ela fez foi criar a possibilidade de salvação
para todo aquele que crê;
5. Depende inteiramente dos
crentes manterem-se em um estado de graça, conservando a sua fé; aqueles que
falham nesse ponto, desviam-se e se perdem.
Dessa maneira, o arminianismo faz a
salvação do indivíduo depender, em última análise, do próprio homem, pois a fé
salvadora é encarada, do princípio ao fim, como obra do homem, pertencente ao
homem e nunca a Deus”.
D. A REJEIÇÃO DO ARMINIANISMO PELO SÍNODO DE
DORT E A FORMULACÃO DOS CINCO PONTOS DO CALVINISMO
Em 1618 foi convocado um Sínodo nacional
para reunir-se em Dort, a fim de examinar os pontos de vista de Armínio à luz
das Escrituras. Essa convocação foi feita pelos Estados Gerais da Holanda para
o dia 13 de novembro de 1618. Constou de 84 membros e 18 representantes
seculares. Entre esses estavam 27 delegados da Alemanha, Suíça, Inglaterra e de
outros países da Europa. Durante os sete meses de duração do Sínodo houve 154
sessões para tratar desses artigos.
Após um exame minucioso e detalhado de
cada ponto, feito pelos maiores teólogos da época, representando a maioria das
Igrejas Reformadas da Europa, o Sínodo concluiu que, à luz do ensino claro das
Escrituras, esses artigos tinham que ser rejeitados como não bíblicos. Isso foi
feito por unanimidade. Não somente isso, mas o Concílio impôs censura eclesiástica
aos “remonstrantes”, - depondo-os de seus cargos, e a autoridade civil
(governo) os baniu do país por cerca de seis anos. Além de rejeitar os cinco
artigos de fé dos arminianos, o Sínodo formulou o ensino bíblico a respeito
desse assunto na forma de cinco capítulos que têm sido, desde então, conhecidos
como “os cinco pontos do Calvinismo”, pelo fato de Calvino ter sido grande
defensor e expositor desse assunto.
Embora cause estranheza a muitos essa
posição, devido à mudança teológica que as igrejas têm sofrido desde vários
séculos, os reformadores eram unânimes em condenar o arminianismo como uma
heresia ou quase isso. A salvação era vista como uma obra da graça de Deus, do
começo ao fim, sem qualquer contribuição do homem. Essa posição pode ser resumida
na seguinte proposição: Deus salva
pecadores.
II. OS CINCO PONTOS DO
ARMINIANISMO CONTRASTADOS COM OS CINCO PONTOS DO CALVINISMO
A. O LIVRE ARBÍTRIO OU HABILIDADE HUMANA
CONTRASTADO COM A INABILIDADE TOTAL OU DEPRAVAÇÃO TOTAL
Arminianismo: Embora a
natureza humana tenha sido seriamente afetada pela queda, o homem não ficou
reduzido a um estado de incapacidade total. Deus, graciosamente, capacita todo
e qualquer pecador a arrepender-se e crer, mas o faz sem interferir na
liberdade do homem. Todo pecador possui uma vontade livre (livre arbítrio), e
seu destino eterno depende do modo como ele usa esse livre arbítrio. A
liberdade do homem consiste em sua habilidade de escolher entre o bem e o mal,
em assuntos espirituais. Sua vontade não está escravizada pela sua natureza
pecaminosa.. O pecador tem o poder de cooperar com o Espírito de Deus e ser
regenerado ou resistir à graça de Deus e perecer. O pecador perdido precisa da
assistência do Espírito, mas não precisa ser regenerado pelo Espírito antes de
poder crer, pois a fé é um ato deliberado do homem e precede o novo nascimento.
A fé é o dom do pecador a Deus, é a contribuição do homem para a salvação.
Calvinismo: Devido à
queda, o homem é incapaz de, por si mesmo, crer de modo salvador no Evangelho.
O pecador está morto, cego e surdo para as coisas de Deus. Seu coração é
enganoso e desesperadamente corrupto. Sua vontade não é livre, pois está
escravizada à sua natureza má; por isso ele não irá - e não poderá jamais -
escolher o bem e não o mal em assuntos espirituais. Por conseguinte, é preciso
mais do que simples assistência do Espírito para se trazer um pecador a Cristo.
É preciso a regeneração, pela qual o Espírito vivifica o pecador e lhe dá uma
nova natureza. A fé não é algo que o homem dá (contribui) para a salvação, mas
é ela própria parte do dom divino da salvação. É o dom de Deus para o pecador e
não o dom do pecador para Deus.
B. A ELEIÇÃO CONDICIONAL CONTRASTADA COM A
ELEIÇÃO INCONDICIONAL
Arminianismo: A escolha
divina de certos indivíduos para a salvação, antes da fundação do mundo, foi
baseada na Sua previsão (presciência) de que eles responderiam à Sua chamada
(fé prevista). Deus selecionou apenas aqueles que Ele sabia que iriam,
livremente e por si mesmos, crer no Evangelho. A eleição, portanto, foi
determinada ou condicionada pelo que o homem iria fazer. A fé que Deus previu e
sobre a qual Ele baseou a Sua escolha não foi dada ao pecador por Deus (não foi
criada pelo poder regenerador do Espírito Santo), mas resultou tão somente da
vontade do homem. Foi deixado inteiramente ao arbítrio do homem o decidir quem
creria e, por conseguinte, quem seria eleito para a salvação. Deus escolheu
aqueles que Ele sabia que iriam, de sua livre vontade, escolher a Cristo.
Assim, a causa última da salvação não é a escolha que Deus faz do pecador, mas
a escolha que o pecador faz de Cristo.
Calvinismo: A escolha
divina de certos indivíduos para a salvação, antes da fundação do mundo,
repousou tão somente na Sua soberana vontade. A escolha de determinados pecadores
feita por Deus não foi baseada em qualquer resposta ou obediência prevista da
parte destes, tal como fé ou arrependimento. Pelo contrário, é Deus quem dá a
fé e o arrependimento a cada pessoa a quem Ele escolheu. Esses atos são o
resultado e não a causa da escolha divina. A eleição, portanto, não foi
determinada nem condicionada por qualquer qualidade ou ato previsto no homem.
Aqueles a quem Deus soberanamente elegeu, Ele os traz, através do poder do
Espírito, a uma voluntária aceitação de Cristo. Desta forma, a causa última da
salvação não é a escolha que o pecador faz de Cristo, mas a escolha que Deus
faz do pecador.
C. A REDENÇÃO UNIVERSAL OU EXPIAÇÃO GERAL
CONTRASTADA COM A REDENÇÃO PARTICULAR OU EXPIAÇÃO LIMITADA
Arminianismo: A obra
redentora de Cristo tornou possível a salvação de todos, mas na verdade não
assegurou a salvação de ninguém. Embora Cristo tenha morrido por todos os
homens, em geral, e em favor de cada um, em particular, somente aqueles que
crêem nEle são salvos. A morte de Cristo capacitou a Deus a perdoar pecadores na
condição de que creiam, mas na verdade não removeu (expiou) o pecado de
ninguém. A redenção de Cristo só se torna efetiva se o homem escolhe aceitá-la.
Calvinismo: A obra
redentora de Cristo foi intencionada para salvar somente os eleitos e, de fato,
assegurou a salvação destes. Sua morte foi um sofrimento substitucionário da
penalidade do pecado no lugar de certos pecadores específicos. Além de remover
o pecado do Seu povo, a redenção de Cristo assegurou tudo que é necessário para
a sua salvação, incluindo a fé que os une a Ele. O dom da fé é infalivelmente
aplicado pelo Espírito a todos por quem Cristo morreu, deste modo, garantindo a
sua salvação.
D. A POSSIBILIDADE DE SE RESISTIR À OBRA DO
ESPIRITO SANTO CONTRASTADA COM A CHAMADA EFICAZ DO ESPÍRITO OU GRAÇA IRRESISTÍVEL
Arminianismo: O Espírito
chama internamente todos aqueles que são externamente chamados pelo convite do
Evangelho. Ele faz tudo que pode para trazer cada pecador à salvação. Sendo o
homem livre, pode resistir de modo efetivo a essa chamada do Espírito. O Espírito
não pode regenerar o pecador antes que ele creia. A fé (que é a contribuição do
homem para a salvação) precede e torna possível o novo nascimento. Desta forma,
o livre arbítrio limita o Espírito na aplicação da obra salvadora de Cristo. O
Espírito Santo só pode atrair a Cristo aqueles que O permitem atuar neles. Até
que o pecador responda, o Espírito não pode dar a vida. A graça de Deus,
portanto, não é invencível; ela pode ser, e de fato é, freqüentemente,
resistida e impedida pelo homem.
Calvinismo: Além da
chamada externa à salvação, que é feita de modo geral a todos que ouvem o
evangelho, o Espírito Santo estende aos eleitos uma chamada especial interna, a
qual inevitavelmente os traz à salvação. A chamada externa (que é feita
indistintamente a todos) pode ser, e, freqüentemente é, rejeitada; ao passo que
a chamada interna (que é feita somente aos eleitos) não pode ser rejeitada. Ela
sempre resulta na conversão. Por meio desta chamada especial o Espírito atrai
irresistivelmente pecadores a Cristo. Ele não é limitado em Sua obra de
aplicação da salvação pela vontade do homem, nem depende, para o Seu sucesso,
da cooperação humana. O Espírito graciosamente leva o pecador eleito a
cooperar, a crer, a arrepender-se, a vir livre e voluntariamente a Cristo. A
graça de Deus, portanto, é invencível. Nunca deixa de resultar na salvação daqueles
a quem ela é estendida.
E. A QUEDA DA GRAÇA CONTRASTADA COM A
PERSEVERANÇA DOS SANTOS
Arminianismo: Aqueles que
crêem e são verdadeiramente salvos podem perder sua salvação por não guardar a
sua fé. Nem todos os arminianos concordam com este ponto. Alguns sustentam que
os crentes estão eternamente seguros em Cristo; que o pecador, uma vez regenerado,
nunca pode perder a sua salvação.
Calvinismo: Todos aqueles
que são escolhidos por Deus e a quem o Espírito concedeu a fé, são eternamente
salvos. São mantidos na fé pelo poder do Deus Todo Poderoso e nela perseveram
até o fim.
Sumário dessas
Posições:
De
acordo com o Arminianismo: A salvação é realizada através da combinação de esforços
de Deus (que toma a iniciativa) e do homem (que deve responder a essa
iniciativa). A resposta do homem é o fator decisivo (determinante). Deus tem
providenciado salvação para todos, mas Sua provisão só se torna efetiva
(eficaz) para aqueles que, de sua própria e livre vontade, “escolhem” cooperar
com Ele e aceitar Sua oferta de graça. No ponto crucial, a vontade do homem
desempenha um papel decisivo. Desta forma é o homem, e não Deus, que determina
quem será o recipiente do dom da salvação.
Este era o sistema de doutrina
apresentado na “Remonstrance” (Representação) dos Arminianos e rejeitado pelo
Sínodo de Dort em 1619, por não ser bíblico.
De
acordo com o Calvinismo: A salvação é realizada pelo infinito poder do Deus Triuno.
O Pai escolheu um povo, o Filho morreu por ele e o Espírito Santo torna a morte
de Cristo eficaz para trazer os eleitos à fé e ao arrependimento; desse modo,
fazendo-os obedecer voluntariamente ao evangelho. Todo o processo (eleição,
redenção, regeneração, etc.) é obra de Deus e é operado tão somente pela graça.
Desta forma, Deus e não o homem, determina quem serão os recipientes do dom da
salvação.
Este sistema de teologia foi reafirmado
pelo Sínodo de Dort em 1619 como sendo a doutrina da salvação contida nas
Escrituras Sagradas. É o sistema apresentado na Confissão de Fé de Westminster
e em todas as Confissões Reformadas. Na época do Sínodo de Dort foi formulado
em “cinco pontos” (em resposta aos cinco pontos submetidos pelos arminianos à
Igreja da Holanda) e têm sido, desde então, conhecidos como “os cinco pontos do
Calvinismo”.
III. A DIFERENÇA ENTRE O CALVINISMO E O ARMINIANISMO
Os assuntos envolvidos nesta
controvérsia histórica são, de fato, graves, pois afetam vitalmente o conceito
cristão de Deus, do pecado e da salvação. Packer, contrastando esses dois sistemas,
afirma:
“A diferença entre eles não é
primariamente uma questão de ênfase, mas de conteúdo. Um deles proclama um Deus
que salva; o outro alude a um Deus que permite ao homem salvar a si mesmo. O
primeiro desses pontos de vista apresenta os três grandes atos da Santa
Trindade na recuperação da humanidade perdida - eleição por parte do Pai,
redenção por parte do Filho, chamada por parte do Espírito Santo - como sendo
dirigidos às mesmas pessoas, garantindo infalivelmente a salvação delas. Mas o
outro ponto de vista empresta a cada um desses atos uma referência diferente (o
objeto da redenção seria a humanidade inteira, os objetos da chamada seriam
aqueles que ouvem o evangelho, e os objetos da eleição seriam aqueles que
correspondem a essa chamada), e nega que a salvação de qualquer pessoa seja
garantida por qualquer desses atos. Essas duas teologias, assim sendo, concebem
o plano da salvação em termos inteiramente diferentes. Uma delas faz a salvação
depender da obra de Deus, e a outra faz a salvação depender da obra do homem.
Uma delas considera a fé como parte do dom divino da salvação, mas a outra
pensa que a fé é a contribuição do homem para a sua salvação. Uma delas atribui
a Deus toda a glória pela salvação dos crentes, mas a outra divide as honras
entre Deus, que, por assim dizer, construiu o maquinismo da salvação, e o
homem, que põe esse maquinismo em funcionamento quando crê. Não há dúvida de
que essas diferenças são importantes, e o valor permanente dos ‘cinco pontos’,
como um sumário do calvinismo, é que eles deixam claro os pontos em que
divergem e a extensão da divergência entre os dois conceitos.” (O “Antigo” Evangelho, p. 7)
0 comentários:
Postar um comentário