segunda-feira, 11 de abril de 2011

DIDAQUÊ - INSTRUÇÕES (Parte IV)

Por Gilson Barbosa

Capítulos: XI-XIII

É notório a consideração que estes crentes tinham reciprocamente. Procuravam manter a unidade fraternal e a boa convivência. Sentiam satisfação em reunirem-se para cultuar a Deus e confraternizarem-se. A união, entre os membros da comunidade cristã, era idêntica àquela mencionada em Atos dos Apóstolos 4.32: “E era um o coração e a alma da multidão dos que criam, e ninguém dizia que coisa alguma era sua própria, mas todas as coisas lhes eram comuns”. Mas, o que fazer quando se apresentar na comunidade algum irmão - vindo de outro lugar - que eles desconheciam? Quais os critérios para recebê-los? E como proceder com aqueles que se diziam discípulos, apóstolos de Cristo ou mesmo profeta? Como identifica-los corretamente sem incorrer no engano de julgá-los inadequadamente?

Foi necessário identificar critérios, estabelecê-los e informar aos irmãos. Haviam grupos de pessoas, viajantes, que passariam por estas comunidades e os irmãos não deveriam agir de forma austera com estes, mas, hospedá-los com amor. Um destes grupos eram pessoas simples, sem cargos formais ou potenciais. O instrutor didaqueano recomenda que observassem que “todo o que venha em ‘nome do Senhor’ seja recebido; mas depois examinando-o, o conhecereis, porque tendes conhecimento do certo e do errado” (XII. 1). Este crente recém chegado poderia estabelecer morada fixa entre os irmãos, mas, possuindo uma profissão, deveria trabalhar para a providencia do seu próprio sustento. Não deveria, sob nenhuma hipótese, ser “pesado” aos irmãos. Estes, não deveriam tolerar alguém ocioso em seu convívio. Caso o viajante não se conformasse a nenhuma situação conveniente sua sentença era certa: é um traficante de Cristo (XII.5). Ou seja, é uma pessoa que quer fazer negócios com o cristianismo - uma referência a alguém que intenciona ser sustentado pelos irmãos sob pretexto de ser um cristão também.

Outros grupos, porém, eram pessoas de renomes e influente: os apóstolos e profetas. O apóstolo apresenta similitude com a função de um missionário. Iam por toda a parte ensinando e pregando o evangelho. O profeta era aquele que exercia o dom outorgado por Deus à edificação da igreja. Como estas funções eram de natureza pessoal – não eram eleitos pela igreja como os bispos e diáconos – e seus receptores itinerantes, era necessário uma boa dose de cautela. Os apóstolos e os profetas eram bem-vindos à comunidade. Aos apóstolos os critérios eram que 1) não deveriam permanecer na cidade por mais de três dias; 2) não deveriam pedir dinheiro e 3) não deveriam pedir nada pessoal a não ser o pão necessário até a próxima cidade. Caso uma destas regras estabelecidas viesse a ser “quebrada” por tal apóstolo a conclusão era clara: é falso apóstolo. Nos nossos dias, são muitos os que têm reinvidicados para si o título de apóstolo. Entendemos que com uma boa exegese bíblica e bom senso crítico podemos entender pontos importantes acerca deste assunto. Todavia, se fôssemos aplicar os mesmos princípios da igreja cristã primitiva, a respeito dos apóstolos, verificaríamos a necessidade de sua inexistência.

O profeta, igualmente, tinha suas atribuições. Ele deveria falar á igreja, sob divina inspiração (XI.7). Nas reuniões gozava de ampla liberdade. Sua área de atuação era no plano espiritual. Deveria ser levado em alta consideração, mas, o instrutor lembra aos irmãos que “nem todo o que fala em espírito é profeta, mas somente o que tenha os modos do Senhor. Assim, por seu procedimento será distinguido o falso profeta e o verdadeiro profeta” (XI.8). O profeta não poderia ser apenas um teórico, mas, praticante da palavra. Doutra forma era considerado um falso profeta (XI.10). O verdadeiro profeta deveria ser sustentado pelos irmãos (XIII.1-7). Havia possibilidade da existência de igrejas sem profetas, conforme XIII.4. A questão da função profética nestes moldes é inexistente nas igrejas atuais. Nos primórdios da igreja cristã, contudo, denota ser uma função paralela ao bispado e diaconato, e, com muita autoridade. Um grupo evangélico que acredita nas manifestações dos dons espirituais, para os nossos dias, e incentivam esta busca são os pentecostais. Em muitas destas igrejas acontece haver pessoas que sentem ter de Deus uma mensagem para os crentes. É um sentimento intuitivo, pessoal e subjetivo e acontece por meio da profecia. Outros grupos evangélicos entendem que profecia, em nossos dias, é somente por intermédio da pregação da Palavra de Deus e não por meio de elementos místicos.

Capítulo XV

Observamos neste capítulo o acontecimento progressivo das funções eclesiásticas no seio da igreja cristã, em seus primeiros dias. Havia dois tipos de ministros: os locais e os itinerantes. Os locais eram identificados como os bispos e diáconos. Os que exerciam ministérios itinerantes eram conhecidos como os profetas, apóstolos e mestres ou doutores. Acerca destes últimos, e sobre estes, os cuidados e atenção deveriam ser redobrados. Como dissemos acima, admitia-se que numa igreja não houvesse um profeta que pudesse transmitir os mistérios divinos, mas, jamais deveriam acontecer que numa igreja não houvesse obreiros fixos. Estes eram eleitos pela comunidade e deveriam transparecer um excelente caráter cristão e pessoal, acima de qualquer suspeita (XV.1,2). Os bispos eram similares aos presbíteros. A palavra grega para bispo é epískopos que significa “superintendentes” ou “inspetores”. O bispo é o que supervisiona um “corpo” de presbíteros. Porém, os bispos ocupariam esta supervisão proeminente somente por volta do século II. De fato, os bispos ou presbíteros tinham, no mínimo, três responsabilidades: alimentar espiritualmente os crentes por meio do ensino do ensino bíblico, aplicar a disciplina para a manutenção da ordem e atuar na esfera organizacional da igreja. É praticamente a atribuição que exercem os pastores das igrejas contemporâneas. O diácono atua, também, da mesma forma: auxilia o líder em sua função social atendendo os crentes pobres e as viúvas. Caso necessitasse, os diáconos colaboravam com o bispo no restante do culto divino.

Capítulo XVI                                                         

Este capítulo referenda a volta de Cristo, a precedente situação moral e espiritual - no âmbito social - qualificando o tempo conhecido nos círculos cristãos como últimos dias. Neste capítulo há profusa citação de textos bíblicos. Observa-se aqui que o redator didaqueano não apresenta novidades, mas, apenas menciona o que as Escrituras Sagradas havia vaticinado. Os cristãos deveriam manter-se vigilantes, pois nos últimos dias “(se multiplicarão) os falsos profetas e corruptores, e as ovelhas se converterão em lobos, e o amor se tornará em ódio” (XVI.3). Para que os cristãos permanecessem unidos, em unidade de propósito, deveriam congregar-se frequentemente (XVI.2). Um panorama final dos últimos dias é retratado em (XVI.4,5). Após todos estes acontecimentos o documento didaqueano finaliza harmoniosamente parafraseando o texto canônico de I Tessalonicenses 4.16 (XVI.6). O apogeu simultaneamente histórico e documental culmina com o mundo presenciando o Senhor Jesus vindo sobre as nuvens do céu.


Conclusão: Reavaliação histórica

É necessário avaliarmos e reavaliarmos o cristianismo. Este documento nos proporciona isto. Uma das formas é olhar para o passado contemplando os fatos, os problemas, os acertos, erros, etc. Certamente não há nada de errado com os ensinos de Cristo, mas, devemos analisar as atitudes dos que propuseram a seguir esta fé e julgarmos os acontecimentos visando a correção nos pontos que necessite. Não queremos prejulgar nossos antigos irmãos nos seus atos paradoxais ou até mesmo equivocados, de forma alguma. Apenas pretendemos reconhecer suas virtudes juntamente com seus equívocos. Em muitas oportunidades devemos ter paciência e aceitar seus equívocos, pois, almejavam viver o cristianismo da melhor forma possível e de modo fiel aos ensinos de Jesus Cristo. Quem propuser a criticá-los, sem amor, avalie corretamente, pois, podemos estar situados num patamar abaixo de suas espiritualidades. Os primitivos crentes foram pessoas fiéis a Deus e que no momento oportuno de perseguição preferiram antes a morte a renegar os ensinos do seu maior mestre: Cristo.
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